Algum dia o poema será a buganvília
pendente deste muro da Calçada da Graça.
Produz uma semente que faz esquecer os jornais, o emprego, a família,
e além disso tudo atapeta o passeio alegrando quem passa.
Mas antes desse dia há-de secar a buganvília
e o varredor há-de levar as flores secas para o monturo.
Depois cairá o muro.
E como o tempo passa
mesmo contra vontade,
também há-de acabar a Calçada da Graça
e o resto da cidade.
Então, quando nada restar, nem o pó de um sorriso
que é o mais leve de tudo o que se pode supor,
será esse o momento de o poema ser flor,
mas já não é preciso.
António Gedeão, Poemas Escolhidos. Lisboa, Edições Sá da Costa, 1997. p. 68-69.
4 comentários:
A poesia como profecia! A aparente simplicidade da forma e dos tropos parece esconder a presença dessa categoria neste poema, mas é o que lá está! Assim nós fôssemos poetas capazes de ler nas coisas simples que nos rodeiam quanta profecia em si contêm!
- Isabel X -
Não estará este poema embebido no contexto “Espírito do lugar”?....
João Ramos Franco
Permita me,J.R.F.,que concorde consigo. RP
"Ó doçura da vida: Agonizar a toda a hora sob a pena da morte, em vez de morrer de um só golpe."
William Shakespeare
MV
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