À descoberta de Ruy Duarte de Carvalho, recentemente falecido.
Saberei ainda assim que a Ipiranga cruza a avenida São João onde sangue de um crime, segundo Vansolini, domador de serpentes no Butantã, pode sempre estar escorrendo de algum bar onde haja malandro jogando bilhar, mas que sei eu de resistências brasileiras a ditaduras para mim alheias? Saberei talvez alguma coisa de governos que em África podem perpetuar-se porque aproveitam situações que não dão alternativa e sabem adaptar-se aos discursos e à prática que mais convêm aos tempos políticos que se vão sucedendo sem que isso os leve a alterar o regime que apurarem para o exercício do domínio interno e a prosperidade de quem tomou, já faz muito tempo, conta do poder. Mas que sei eu do São Paulo e do Brasil de agora e daquele que entretanto decorreu enquanto as nossas guerras nos mantinham entretidos? Saberei, talvez, no fim desta viagem. E de qualquer maneira a viagem que tenho pela frente, vou fazê-la de facto porque ao longo da vida sempre fui mantendo o Brasil como paixão, ancorado numa condição periférica de angolano excêntrico em que apesar de tudo consegui manter-me coexistindo sempre com meia dúzia de referências, nomes de autores, personagens brasileiras, e painéis inteiros de paisagens que confundi com as minhas. Penso isto tudo, já, olhando para fora, apontando o olhar à direcção nordeste. Não ligo para o céu baixo de chumbo derramado e frio, mentor de neblinas, garroas macias, cálidas quase e lentas que enquanto aqui estiver não vão nunca deixar de me fazer lembrar que habito um lugar que é como o café quer, nem para as torres de betão que assim de tais alturas se me impõem, erectas e limpas, sobre a ondulação assente dos telhados baixos de Pinheiros e da Vila Madalena, e eis um recorte que me rende a São Paulo.
Ruy Duarte de Carvalho, Desmedida. Crónicas do Brasil. Lisboa, Edições Cotovia, 2006. p. 56-57
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
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1 comentário:
Sempre nos descobrem as passagens para outras paragens, quiçá viajantes entre realidades distantes de um boreal circundante acalentando este caminhar. Nossos olhos refinam encantos; nossa alma pulsa desmedido pranto de saudades, talvez de um pensar.
Afinal. Onde quero estar, aqui ou, lá?
Queremos estar na cor do céu, cetim do véu estrelando a mãe terra. Queremos estar no marejar que envolve ofegante as cheias e minguantes. Queremos estar no riso ou na dor, daquele que desconhecemos; preto, branco, amarelo. Sabemos. Do outro lado, onde o breu da noite vela um penar, o mesmo breu, embala vosso sonhar.
Neste imenso labirinto de montes, corredeiras, desertos ou geleiras, tanta gente, multi figuras; emolduradas criaturas, vivem sagradas despedidas e a misericórdia de seus encontros. A mesma inocência, a mesma maldade. Como não sentir o que se sente? Se esta viagem reluzente, trás no espírito um plangente em acordes milenar.
Ora, achamo-nos, onde podemos estar. Por quando, caminhar... Eu, vós e todos nós, lá ou cá, em cada lugar no pensar.
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