segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
domingo, 30 de janeiro de 2011
D. Giovani no Vila Flor
Uma bela noite de ópera ontem no Vila Flor, em Guimarães. Auditório praticamente cheio (cerca de 700 espectadores) para ouvir uma boa orquestra de jovens (Sinfonieta da ESMAE)e um ecelente conjunto de solistas, com encenação segura e sóbria de Nuno M. Cardoso e Marcos Barbosa.
sábado, 29 de janeiro de 2011
Os patos de Sophia
Da edição Ipad do Público de hoje:
O escritor e jornalista [Miguel Sousa Tavares] lembrou então uma história passada entre a sua mãe, a sua irmã Sofia e Azeredo Perdigão, na altura o presidente da Fundação Gulbenkian. Alguém tinha oferecido dois patos, “pequeninos, amarelos e amorosos” à pequena Sofia. Os patos estiveram 15 dias a “estagiar” no quarto da filha de Sophia e depois “foram residir” para o jardim da casa onde toda a família vivia na Graça. Meses depois, “os patos pequeninos, amarelos e amorosos tinham-se transformado em aves, imensas, de um branco sujo, ameaçando virar gansos selvagens, passando a constituir um problema familiar e logístico”, contou Miguel.
Como os animais não podiam desaparecer do jardim sem que a pequena Sofia ficasse traumatizada, a poeta Sophia “congeminou a fantástica ideia” de se irem deixar os patos ao jardim da Fundação Gulbenkian, onde seriam imensamente mais felizes. Sophia telefonou então a Azeredo Perdigão a pedir licença para abandonar os patos no jardim. “E para seu espanto, o doutor Perdigão respondeu: - Com certeza, deixe-me só marcar aqui um dia na agenda”, disse Miguel e a sala inteira gargalhou. “Intrigados com aquela cerimónia, no dia e hora aprazados, a minha mãe, o meu pai, a minha irmã, eu e os patos comparecemos na Gulbenkian onde o doutor Perdigão mais um administrador da Fundação já nos esperava.
Soltos os patos no jardim, secadas as lágrimas da minha irmã, o doutor Perdigão convidou-nos a todos para um solene chá onde se fez a entrega de uma medalha da Gulbenkian e outras lembranças”, continuou Miguel. E quando Sophia, espantada, disse que não estava à espera de tantas atenções, o “doutor Azeredo Perdigão, empertigou-se e disse: - Senhora Dona Sophia, sabe que eu estou aqui há vários anos e todos os dias tenho que responder a pedidos feitos à Fundação, mas até hoje nunca ninguém se tinha lembrado de nos oferecer o que quer que fosse. Por isso esta oferta de patos para nós tem um valor simbólico”, terminou Miguel dizendo que em nome dos irmãos foi com “muito gosto e com muito orgulho” que entregaram o espólio de Sophia de Mello Breyner à Biblioteca Nacional com a certeza de que ficará em boas mãos.
O escritor e jornalista [Miguel Sousa Tavares] lembrou então uma história passada entre a sua mãe, a sua irmã Sofia e Azeredo Perdigão, na altura o presidente da Fundação Gulbenkian. Alguém tinha oferecido dois patos, “pequeninos, amarelos e amorosos” à pequena Sofia. Os patos estiveram 15 dias a “estagiar” no quarto da filha de Sophia e depois “foram residir” para o jardim da casa onde toda a família vivia na Graça. Meses depois, “os patos pequeninos, amarelos e amorosos tinham-se transformado em aves, imensas, de um branco sujo, ameaçando virar gansos selvagens, passando a constituir um problema familiar e logístico”, contou Miguel.
Como os animais não podiam desaparecer do jardim sem que a pequena Sofia ficasse traumatizada, a poeta Sophia “congeminou a fantástica ideia” de se irem deixar os patos ao jardim da Fundação Gulbenkian, onde seriam imensamente mais felizes. Sophia telefonou então a Azeredo Perdigão a pedir licença para abandonar os patos no jardim. “E para seu espanto, o doutor Perdigão respondeu: - Com certeza, deixe-me só marcar aqui um dia na agenda”, disse Miguel e a sala inteira gargalhou. “Intrigados com aquela cerimónia, no dia e hora aprazados, a minha mãe, o meu pai, a minha irmã, eu e os patos comparecemos na Gulbenkian onde o doutor Perdigão mais um administrador da Fundação já nos esperava.
Soltos os patos no jardim, secadas as lágrimas da minha irmã, o doutor Perdigão convidou-nos a todos para um solene chá onde se fez a entrega de uma medalha da Gulbenkian e outras lembranças”, continuou Miguel. E quando Sophia, espantada, disse que não estava à espera de tantas atenções, o “doutor Azeredo Perdigão, empertigou-se e disse: - Senhora Dona Sophia, sabe que eu estou aqui há vários anos e todos os dias tenho que responder a pedidos feitos à Fundação, mas até hoje nunca ninguém se tinha lembrado de nos oferecer o que quer que fosse. Por isso esta oferta de patos para nós tem um valor simbólico”, terminou Miguel dizendo que em nome dos irmãos foi com “muito gosto e com muito orgulho” que entregaram o espólio de Sophia de Mello Breyner à Biblioteca Nacional com a certeza de que ficará em boas mãos.
sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
Essa nossa espécie de inocência
Tal como a própria Grécia considerava aqueles que não falavam grego, os outros foram vistos primeiro como bárbaros, selvagens, como se dizia. Ora, quando lemos a Carta de Pero Vaz de Caminha ficamos muito admirados porque os portugueses não se espantaram com coisa nenhuma. Contrariamente àquilo que aconteceu com os conquistadores espanhóis, os portugueses nunca duvidaram que aqueles sujeitos - sobretudo as sujeitas - que eles encontraram fosse seres humanos: não só seres humanos, como seres humanos maravilhosos.
Começou aí uma espécie de leitura que vai criar muitas desilusões a uns e a outros, mas na verdade podemos considerar uma benção o facto de essa nossa espécie de inocência - nossa, dos portugueses, menos hipercultivados e sofisticados em relação ao que já era a grande cultura europeia -, o facto de essa nossa ignorância divina não ter excluído da humanidade aqueles primeiros sujeitos com que nos encontrámos.
E não só os encontrámos humanos - e as expressões disso duraram anos através da outra Europa -, não só os considerámos divinos, mas achámos, como diz a carta de Pero Vaz de Caminha, que essas jovens brasileiras, que ainda não tinham nome, eram mais belas que as mulheres (peço desculpa) de Entre Douro e Minho.
Eduardo Lourenço, Conferência proferida em Guimarães, na Sociedade Martins Sarmento, a 23 de Janeiro de 2010, publicada com o título Pequena Meditação Europeia. Lisboa, Verbo, 2011. p 29-30
Começou aí uma espécie de leitura que vai criar muitas desilusões a uns e a outros, mas na verdade podemos considerar uma benção o facto de essa nossa espécie de inocência - nossa, dos portugueses, menos hipercultivados e sofisticados em relação ao que já era a grande cultura europeia -, o facto de essa nossa ignorância divina não ter excluído da humanidade aqueles primeiros sujeitos com que nos encontrámos.
E não só os encontrámos humanos - e as expressões disso duraram anos através da outra Europa -, não só os considerámos divinos, mas achámos, como diz a carta de Pero Vaz de Caminha, que essas jovens brasileiras, que ainda não tinham nome, eram mais belas que as mulheres (peço desculpa) de Entre Douro e Minho.
Eduardo Lourenço, Conferência proferida em Guimarães, na Sociedade Martins Sarmento, a 23 de Janeiro de 2010, publicada com o título Pequena Meditação Europeia. Lisboa, Verbo, 2011. p 29-30
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
terça-feira, 25 de janeiro de 2011
Na transição da A29 para a A25 (3)
A segurança dos automobilistas terá sido o motivo que levou a empresa concessionária da A17 a ordenar a remoção dos ninhos de cegonhas dos postos de sinalização existentes no entroncamento das autoestradas A29/A17 com A25.
Não consegui encontrar nenhuma descrição da forma como foi feita a operação e se os ninhos foram destruídos ou deslocados para outros locais.
O certo porém é que as aves, ou os seus juvenis, regressaram ao mesmo local, apressando-se a iniciar a construção de ninhos onde antes nidificaram ou nasceram. Anteontem, a imagem que podia ser captada de telemóvel era elucidativa.
Não consegui encontrar nenhuma descrição da forma como foi feita a operação e se os ninhos foram destruídos ou deslocados para outros locais.
O certo porém é que as aves, ou os seus juvenis, regressaram ao mesmo local, apressando-se a iniciar a construção de ninhos onde antes nidificaram ou nasceram. Anteontem, a imagem que podia ser captada de telemóvel era elucidativa.
O meu contributo
Há dez anos já o tema do voto electrónico estava em cima da mesa (bem me recordo das conversas então tidas com Diogo Vasconcelos e as experimentações que promoveu). Hoje parece ter recuado e, depois do que se passou com os eleitores que deixaram de ter "identidade" para serem "cidadãos", provavelmente ainda suscitará mais desconfianças. Ontem, para cumprir o dever cívico de votar, fui penalizado em tempo e transportes de uma forma severa, fazendo Guimarães-Lisboa-Guimarães para dar o meu singular contributo para que a taxa de abstenção não maculasse a vitória do Presidente.
segunda-feira, 24 de janeiro de 2011
As seis votações de Cavaco Silva
E a moral da história é:
Cavaco Silva só perdeu uma das votações, a das presidenciais de 1996, contra Jorge Sampaio. Em eleições legislativas, ganhou todas. Curiosamente, o melhor resultado da força vencida por Cavaco Silva em eleições legislativas também pertenceu a Jorge Sampaio, em 1991.
Notas breves sobre o discurso de vitória do Presidente eleito.
1ª - Em vez de encerrar a campanha eleitoral, retomou os seus temas menos interessantes.
2ª - Em vez de extinguir a maioria presidencial, como o fizeram todos os presidentes em noite de eleição, reivindicou-a.
3ª - Em vez de reposicionar a função presidencial, manteve a ambiguidade do seu papel futuro tal como decorre do uso de expressões como "magistratura activa" e "magistratura actuante".
Notas breves sobre os discursos de vitória dos candidatos não eleitos:
1ª - Os candidatos vitoriosos foram, além do Prof. Cavaco, Nobre e Coelho.
2ª - Nobre e Coelho não mostram fazer a mínima ideia do que fazer das sua vitórias; é essa exactamente a consequência do irrealismo do voto de protesto nas candidaturas ditas do dito.
3ª - Ambos responsabilizaram a comunicação social, ao que parece por não terem obtido por essa via amplificação das suas exaltantes e salvíficas mensagens. Curiosamente, nesse aspecto coincidiram com o discurso de vitória do candidato eleito.
Cavaco Silva só perdeu uma das votações, a das presidenciais de 1996, contra Jorge Sampaio. Em eleições legislativas, ganhou todas. Curiosamente, o melhor resultado da força vencida por Cavaco Silva em eleições legislativas também pertenceu a Jorge Sampaio, em 1991.
Notas breves sobre o discurso de vitória do Presidente eleito.
1ª - Em vez de encerrar a campanha eleitoral, retomou os seus temas menos interessantes.
2ª - Em vez de extinguir a maioria presidencial, como o fizeram todos os presidentes em noite de eleição, reivindicou-a.
3ª - Em vez de reposicionar a função presidencial, manteve a ambiguidade do seu papel futuro tal como decorre do uso de expressões como "magistratura activa" e "magistratura actuante".
Notas breves sobre os discursos de vitória dos candidatos não eleitos:
1ª - Os candidatos vitoriosos foram, além do Prof. Cavaco, Nobre e Coelho.
2ª - Nobre e Coelho não mostram fazer a mínima ideia do que fazer das sua vitórias; é essa exactamente a consequência do irrealismo do voto de protesto nas candidaturas ditas do dito.
3ª - Ambos responsabilizaram a comunicação social, ao que parece por não terem obtido por essa via amplificação das suas exaltantes e salvíficas mensagens. Curiosamente, nesse aspecto coincidiram com o discurso de vitória do candidato eleito.
domingo, 23 de janeiro de 2011
A sexta votação de Cavaco Silva
6ª - Eleições presidenciais de 2011:
Cavaco Silva - 52,91
Manuel Alegre - 19,75
Cavaco Silva - 52,91
Manuel Alegre - 19,75
sábado, 22 de janeiro de 2011
sexta-feira, 21 de janeiro de 2011
quinta-feira, 20 de janeiro de 2011
As cinco votações de Cavaco Silva
1ª - Eleições legislativas de 1985:
PSD (Cavaco Silva): 29,87%
PS (Almeida Santos): 20,77%
2ª - Eleições legislativas de 1987:
PSD (Cavaco Silva): 50,22%
PS (Vítor Constâncio): 22,24%
3ª - Eleições legislativas de 1991:
PSD (Cavaco Silva): 50,60%
PS (Jorge Sampaio): 29,13%
4ª - Eleições presidenciais de 1996:
Jorge Sampaio: 53,91%
Cavaco Silva: 46,09%
5ª Eleições presidenciais de 2006:
Cavaco Silva: 50,54%
Manuel Alegre: 20,74%
Mário Soares: 14,34%
Post Scriptum
A moral da história tira-se no Domingo à noite.
PSD (Cavaco Silva): 29,87%
PS (Almeida Santos): 20,77%
2ª - Eleições legislativas de 1987:
PSD (Cavaco Silva): 50,22%
PS (Vítor Constâncio): 22,24%
3ª - Eleições legislativas de 1991:
PSD (Cavaco Silva): 50,60%
PS (Jorge Sampaio): 29,13%
4ª - Eleições presidenciais de 1996:
Jorge Sampaio: 53,91%
Cavaco Silva: 46,09%
5ª Eleições presidenciais de 2006:
Cavaco Silva: 50,54%
Manuel Alegre: 20,74%
Mário Soares: 14,34%
Post Scriptum
A moral da história tira-se no Domingo à noite.
quarta-feira, 19 de janeiro de 2011
SE...
Vejo no Margens de Erro os resultados dos partidos numa consulta telefónica feita pela Eurosondagem:
PSD: 37,3%
PS: 29,6%
CDS-PP: 10,1%
BE: 9,0%
CDU: 8,8%
Um candidato presidencial que somasse as esquerdas teria uma hipótese de discutir a próxima eleição, ou até de a vencer.
PSD: 37,3%
PS: 29,6%
CDS-PP: 10,1%
BE: 9,0%
CDU: 8,8%
Um candidato presidencial que somasse as esquerdas teria uma hipótese de discutir a próxima eleição, ou até de a vencer.
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
Tudo o que vira fora para não ver
Foi assim, pois, que já tendo perdido na montanha a primeira modéstia, Martim foi perdendo sem sentir as derradeiras amarguras até que já não era monstruoso uma pessoas se dar função de pessoa e de "construir". O que lhe pareceu facílimo. Até hoje tudo o que vira fora para não ver, tudo o que fizera fora para não fazer, tudo o que sentira fora para não sentir. Hoje, que se rebentassem seus olhos, mas eles veriam. Ele que nunca tinha encarado nada de frente. Poucas pessoas teriam tido a oportunidade de reconstruir em seus próprios termos a existência. À nous deux, disse de repente interrompendo o trabalho e olhando. Porque era só começar.
Mas como se tivesse tido um sonho infantil olhou de novo o passarinho que cantava e se disse: que faço dele?
Pois já na sua primeira visão um passarinho não cabia. Tudo lhe foi dado, sim. Mas desmontado e aos pedaços. E ele, com peças sobrando na mão, não pareceu saber como montar a coisa de novo. Tudo era dele para o que quisesse fazer. No entanto a própria liberdade o desamparava. Como se Deus tivesse atendido demais o seu pedido e lhe entregasse tudo. Mas tivesse ao mesmo tempo se retirado. A campina era toda de Martim, e mais um passarinho que cantava. E dele também, nesse tempo curto, era a vida inteira. E ninguém e nada podia ajudá-lo: fora exactamente isso o que ele próprio preparara com cuidado, e até com um crime preparara. Mas se astuciosamente começara pelo mais fácil - que mais simples que um passarinho? - então perguntou-se embaraçado: que faço de um passarinho cantando?
Clarice Lispector, A Maçã no Escuro. Lisboa, Relógio d'Água, 2000 [1961]. p. 146-147.
Mas como se tivesse tido um sonho infantil olhou de novo o passarinho que cantava e se disse: que faço dele?
Pois já na sua primeira visão um passarinho não cabia. Tudo lhe foi dado, sim. Mas desmontado e aos pedaços. E ele, com peças sobrando na mão, não pareceu saber como montar a coisa de novo. Tudo era dele para o que quisesse fazer. No entanto a própria liberdade o desamparava. Como se Deus tivesse atendido demais o seu pedido e lhe entregasse tudo. Mas tivesse ao mesmo tempo se retirado. A campina era toda de Martim, e mais um passarinho que cantava. E dele também, nesse tempo curto, era a vida inteira. E ninguém e nada podia ajudá-lo: fora exactamente isso o que ele próprio preparara com cuidado, e até com um crime preparara. Mas se astuciosamente começara pelo mais fácil - que mais simples que um passarinho? - então perguntou-se embaraçado: que faço de um passarinho cantando?
Clarice Lispector, A Maçã no Escuro. Lisboa, Relógio d'Água, 2000 [1961]. p. 146-147.
segunda-feira, 17 de janeiro de 2011
Mercado de Santana
Diz-se que por lá passam todos os domingos mais de 10 mil pessoas. Ali se vende de tudo, de animais vivos a máquinas e instrumentos agrícolas, de peixe e legumes a calçado e vestuário, de mobília a mercearias, de árvores e sementes a brinquedos e quinquilharia. Situa-se no lugar da Costa, na freguesia de Alvorninha, num ponto de confluência de concelhos a Oeste da Serra dos Candeeiros: Caldas, Rio Maior, Óbidos, Alcobaça. Urbanos e rurais - se é que faz hoje sentido esta distinção - ali afluem, de todas as condições sociais e diversas proveniências culturais. Diversificados são os motivos de atracção: o preço (ou como escreveu Augusto Santos Silva num texto antigo sobre a Feira de Barcelos, a miragem da pechincha), a raridade ou especificidade de alguns produtos, o ambiente, a nostalgia dos sons e dos cheiros...
Nos Domingos que antecedem actos eleitorais, o Mercado de Santana faz parte obrigatoriamente da agenda de todas as campanhas eleitorais. Recordo-me que nas eleições presidenciais de há 15 anos, todas as caravanas concelhias da região do candidato que eu apoiava se encontraram às 9 horas nas imediações do mercado, onde permaneceram até ao fim do almoço realizado num dos restaurantes da feira.
Ontem percorri o espaço do mercado entre as 11h30 e as 13h00. Não vi sinal da presença ou da passagem de qualquer candidatura.
Nos Domingos que antecedem actos eleitorais, o Mercado de Santana faz parte obrigatoriamente da agenda de todas as campanhas eleitorais. Recordo-me que nas eleições presidenciais de há 15 anos, todas as caravanas concelhias da região do candidato que eu apoiava se encontraram às 9 horas nas imediações do mercado, onde permaneceram até ao fim do almoço realizado num dos restaurantes da feira.
Ontem percorri o espaço do mercado entre as 11h30 e as 13h00. Não vi sinal da presença ou da passagem de qualquer candidatura.
domingo, 16 de janeiro de 2011
Liberdade do vazio
As morais da autenticidade nasceram no século XVIII, mais ou menos ao mesmo tempo que o utilitarismo, e é a síntese destas duas escolas de pensamento que vemos hoje realizada na figura do "homem económico", empresário de si próprio procurando o sucesso individual em permanência. Numa sociedade simultaneamente mercantil e egotista, o desejo de si dispõe de todas as oportunidades de servir de protecção aos slogans publicitários: "porque eu sou merecedor".
Se a ideia de autenticidade parece a tal ponto compatível com um individualismo radical, é talvez por uma razão mais profunda. A exigência de adequação a si pressupõe a existência de um sujeito auto-suficiente cujo único projecto é o de viver em harmonia consigo próprio. Ora a questão que se coloca é a de saber se, de tanto querer encontrar-se a si próprio, não se perde o mundo e os outros. A promoção do Eu assenta geralmente na ignorância daquilo que ultrapassa o indivíduo; o passado e a tradição são rejeitados como não pertinentes, a comunidade é percebida como um entrave. De acordo com a fórmula consagrada, as morais da autenticidade seriam fundadas na liberdade, mas sobre uma "liberdade do vazio", que impõe a cada um a tarefa esgotante de estar à altura de si próprio.
Michaël Foessel, La Privation de l'Intime. Mises en Scène Politiques des Sentiments. Paris, Ed. du Seuil, 2088. p. 57.
Se a ideia de autenticidade parece a tal ponto compatível com um individualismo radical, é talvez por uma razão mais profunda. A exigência de adequação a si pressupõe a existência de um sujeito auto-suficiente cujo único projecto é o de viver em harmonia consigo próprio. Ora a questão que se coloca é a de saber se, de tanto querer encontrar-se a si próprio, não se perde o mundo e os outros. A promoção do Eu assenta geralmente na ignorância daquilo que ultrapassa o indivíduo; o passado e a tradição são rejeitados como não pertinentes, a comunidade é percebida como um entrave. De acordo com a fórmula consagrada, as morais da autenticidade seriam fundadas na liberdade, mas sobre uma "liberdade do vazio", que impõe a cada um a tarefa esgotante de estar à altura de si próprio.
Michaël Foessel, La Privation de l'Intime. Mises en Scène Politiques des Sentiments. Paris, Ed. du Seuil, 2088. p. 57.
sábado, 15 de janeiro de 2011
sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
Uma fina película de civilização
O golpe de Estado militar que derrubou a Presidente da Argentina Isabel Peron ocorreu em Março de 1976.
O regime de terror e perseguição que se seguiu fez desaparecer milhares de opositores. A edição do Paris Match de 12 deste mês conta a história de Victória-Anália Azic.
José Maria Donda e sua mulher, Cori, foram dois dos sequestrados à ordem da ditadura, em Maio de 1977. Mandante da detenção: Adolf Donda, irmão de José Maria. Cori estava então grávida de 5 meses. Deu á luz uma menina a que pôs o nome de Victória. O bébé foi entregue por um dos directores de serviço da Esma (Escola Superior de Mecânica da Armada, de que Adolfo era dirigente), de nome Febres, ao casal formado por António Azic e Esther Abrego um negociante de frutas e militar reformado e respectiva mulher. A criança, adoptada com o nome Anália, cresceu na convicção de que estes eram os seus pais e Febres o seu padrinho. De facto os seus verdadeiros pais foram lançados de avião ao rio da Prata, após terem levado uma injecção de penthotal.
Victória-Anália descobriu a sua identidade, reconstituindo esta história dramática, graças à acção das "Avós e Mães da Praça de Maio" e aos efeitos da decisão do juiz Baltasar Garzón que em 2003 pediu a extradição de polícias e militares argentinos responsáveis pelo desaparecimento de cidadãos espanhóis durante a ditadura militar, entre os quais se encontrava o falso pai de Anália.
Esta história não pertence aos arquivos de uma época de trevas. Faz parte da nossa contemporaneidade. Victória- Anália tem hoje 33 anos.
O regime de terror e perseguição que se seguiu fez desaparecer milhares de opositores. A edição do Paris Match de 12 deste mês conta a história de Victória-Anália Azic.
José Maria Donda e sua mulher, Cori, foram dois dos sequestrados à ordem da ditadura, em Maio de 1977. Mandante da detenção: Adolf Donda, irmão de José Maria. Cori estava então grávida de 5 meses. Deu á luz uma menina a que pôs o nome de Victória. O bébé foi entregue por um dos directores de serviço da Esma (Escola Superior de Mecânica da Armada, de que Adolfo era dirigente), de nome Febres, ao casal formado por António Azic e Esther Abrego um negociante de frutas e militar reformado e respectiva mulher. A criança, adoptada com o nome Anália, cresceu na convicção de que estes eram os seus pais e Febres o seu padrinho. De facto os seus verdadeiros pais foram lançados de avião ao rio da Prata, após terem levado uma injecção de penthotal.
Victória-Anália descobriu a sua identidade, reconstituindo esta história dramática, graças à acção das "Avós e Mães da Praça de Maio" e aos efeitos da decisão do juiz Baltasar Garzón que em 2003 pediu a extradição de polícias e militares argentinos responsáveis pelo desaparecimento de cidadãos espanhóis durante a ditadura militar, entre os quais se encontrava o falso pai de Anália.
Esta história não pertence aos arquivos de uma época de trevas. Faz parte da nossa contemporaneidade. Victória- Anália tem hoje 33 anos.
quinta-feira, 13 de janeiro de 2011
Recordação
"Uma recordação é uma coisa que se tem ou uma coisa que se perdeu?" - pergunta a si própria Marion (Gena Rowlands) na derradeira cena do filme "Another Woman" de Woody Allen.
quarta-feira, 12 de janeiro de 2011
O perfume
Mas um belo dia, dois meses decorridos sobre esta ligação, ela foi ter com ele e não sentiu o mínimo desejo quando ele a estreitou. Parecia-lhe outro homem. De pé, em frente dele, deu-se conta da sua elegância e também da sua vulgaridade. Era afinal igual a tantos outros franceses bem vestidos, daqueles que se vêem a toda a hora nos Campos Elísios, nas estreias, nas corridas.
O que é que, a seus olhos, mudara? Porque já não se sentia intoxicada como costumava sentir-se ao pé dele? Havia agora nele algo de normal. Algo que o tornava igual a outro homem. Algo que o tornava diferente de um árabe. O seu sorriso era menos fulgurante, a voz menos colorida. Nisto, agarrou-se a ele, cheirou-lhe o cabelo e gritou:
- O perfume! Não puseste o perfume!
- Acabou-se – respondeu-lhe o francês-árabe. – E não vou conseguir arranjar mais.
Anaïs Nin, Delta de Vénus. Cascais, Editora Bico de Pena, 2006. p. 239.
Nota
A publicação deste pequeno excerto do conto de Anaïs decorre ainda da referência atrás feita a uma longa conversa com o Prof. Borges de Macedo. Foi este meu antigo professor que lembrou o conto e a autora - que considerou injustamente menorizada como escritora - para sublinhar o papel decisivo de factores extrínsecos na configuração de uma relação.
Outra visão do tema surge em Süskind, no conhecido "Perfume, história de um assassino", para já não falar no filme que Al Pacino celebrizou, "Perfume de Mulher".
Nota
A publicação deste pequeno excerto do conto de Anaïs decorre ainda da referência atrás feita a uma longa conversa com o Prof. Borges de Macedo. Foi este meu antigo professor que lembrou o conto e a autora - que considerou injustamente menorizada como escritora - para sublinhar o papel decisivo de factores extrínsecos na configuração de uma relação.
Outra visão do tema surge em Süskind, no conhecido "Perfume, história de um assassino", para já não falar no filme que Al Pacino celebrizou, "Perfume de Mulher".
terça-feira, 11 de janeiro de 2011
Eleições
Percebi ontem, graças a um telefonema de uma jornalista, que se entrou em campanha eleitoral para as presidenciais.
Hoje, depois de ter dado uma espreitadela ao blog de Pedro Magalhães, percebi que há uma competição entre Francisco Lopes e Fernando Nobre.
Ocasionalmente, ouvi dois comentadores admitirem a possibilidade de haver uma segunda volta. Seria inédito na democracia portuguesa.
Hoje, depois de ter dado uma espreitadela ao blog de Pedro Magalhães, percebi que há uma competição entre Francisco Lopes e Fernando Nobre.
Ocasionalmente, ouvi dois comentadores admitirem a possibilidade de haver uma segunda volta. Seria inédito na democracia portuguesa.
Que é viajar?
Porque é que viaja tanto [Olivian]? Os bancos da viatura conduzem-nos com muito mais lentidão onde o seu sonho o levaria bem depressa. Para chegar perto do mar só precisa de fechar os olhos. Deixe aqueles que não possuem senão os olhos do corpo deslocarem-se com o seu séquito e instalarem-se em Pouzzoles ou Nápoles. Pretende, diz-nos, terminar lá um livro? Há algum local melhor para trabalhar que a cidade? Homem de imaginação, não pode obter prazer senão pelo que espera ou pelo que lamenta, ou seja, no futuro ou no passado.
É por isso, Olivian, que está descontente. [...] É bem infeliz. Ainda não é um homem e já é um homem de letras.
Marcel Proust
Voyager avec Marcel Proust. Mille et un voyages. Textes choisis et présentés par Anne Borrel. Paris. Editions Quinzaine Littéraire, 1994. p. 309.
É por isso, Olivian, que está descontente. [...] É bem infeliz. Ainda não é um homem e já é um homem de letras.
Marcel Proust
Voyager avec Marcel Proust. Mille et un voyages. Textes choisis et présentés par Anne Borrel. Paris. Editions Quinzaine Littéraire, 1994. p. 309.
Viajar com...
Uma magnífica colecção, pensada por Maurice Nadeau, a partir da Quinzaine Littéraire.
Voyager avec Benjamin. Les chemins du labyrinthe
Textes choisis et présentés par Jean Lacoste. 305 p. (2005)
Voyager avec Maïakovski. Du monde j'ai fait le tour
Textes présentés et traduits du russe par Claude Rioux. 398 p. (1997)
Voyager avec Roth. Automne a Berlin
Préface de Patrick Modiano, traduit de l'allemand par Nicole Casanova, 262 p. (2000)
Voyager avec Conrad. Le port après les flots
Textes choisis et présentés par Sylvère Monod. Illustrations, 282 p. (2002)
Voyager avec Chesneaux. Carnets de Chine
Illustrations, photos, 269 p. (1999)
Voyager avec James. D'un continent l'autre
Textes choisis, présentés et traduits par Laurent Bury. Préface d'Evelyne Labbé. Photographies d'Alvin Langdon Coburn. 370 p. (2007)
Voyager avec Simenon. Les Obsessions du voyageur
Textes choisis et commentés par Benoît Denis. Illustrations, 313 p. (2008)
Voyager avec Maspero. Transits & Cie
323 p. (2004)
Voyager avec Morand. Au seul souci de voyager
Textes choisis et présentés par Michel Bulteau. 231 p. (2001)
Voyager avec Dick. Dick, le zappeur de mondes
Textes choisis et présentés par Evelyne Pieiller. 232 p. (2004)
Voyager avec Rilke. Lettres a une compagne de voyage
164 p. (1995)
Voyager avec Beauvoir. Tout connaître du Monde
Textes choisis et présentés par Eric Levéel. 270 p. (2008)
Voyager avec Larbaud. Le vagabond sédentaire
Textes choisis et présentés par Béatrice Mousli. 390 p. (2003)
Voyager avec Woolf. Promenades Européennes
348 p. (1994)
Voyager avec Marx. Le Christophe Colomb du Capital
Textes choisis et présentés par Jean-Jacques Marie, illustrations, 290 p. (2006)
Voyager avec Le Corbusier. Croquis de voyage et études
Textes choisis et présentés par Philippe Duboÿ. 345 p. (2009)
Voyager avec Proust. Mille et un voyages
375 p. (2001)
Voyager avec Yourcenar. Le Bris des routines
Textes choisis et présentés par Michèle Goslar. Illustrations, 322 p. (2009)
Voyager avec de Andrade. L'apprenti touriste
Illustrations, 288 p. (1996)
Voyager avec Sôseki. Haltes en Manchourie et en Corée
Préface de Takaaki Yoshimoto, traduit du japonais par Olivier Jamet et Elisabeth Suetsugu. 313 p. (1997)
Voyager avec Biély. Le Collecteur d'espaces
(2000)
Voyager avec Cendrars. Le Panama ou les aventures de mes sept oncles et autres poèmes
Poèmes traduits et illustrés par John Dos Passos, édition bilingue, 261 p. (1996)
Voyager avec Derrida. La contre-allée
Illustrations, 310 p. (1999)
Voyager avec Magris. Déplacements
Traduit par Françoise Brun, illustrations, 265 p. (2002)
Voyager avec Jünger. Récits de voyage
Textes choisis et traduits par Julien Hervier. 377 p. (1994, épuisé)
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
Memórias: o Liceu Padre António Vieira (introdução)
PAV – 25
(Notas para uma intervenção - que não chegou acontecer - destinada às comemorações do 25 de Abril de 1999 no antigo Liceu Padre António Vieira)
Alinhei umas palavras no papel para me assegurar contra o esquecimento e contra o eventual deslize da emoção.
Gostaria em primeiro lugar de agradecer aos promotores deste gesto de reconhecimento por um lugar onde todos crescemos e ao qual nos ligam sentimentos fortes e lembranças preciosas.
Devo tomar precauções contra a tentação de falar de mim e por isso arrumarei esse “pecado” dizendo o seguinte: entrei para o Padre António Vieira no ano lectivo de 1971-1972. Tinha 22 anos. Saí em 1977. Foi um período crucial para Portugal, foi um período decisivo da minha vida.
Como era professor, tive um contacto privilegiado com alunos, com centenas de jovens, entre os 14/15 anos e os 17/18, para desprazer de alguns, espero que não muitos, mas sempre procurando tecer com eles e com as disciplinas que tive a “desgraça” de leccionar, uma cumplicidade feita de atenção à vida e amor à criação livre e ao espírito crítico.
Desses anos intensíssimos, há imagens que se recortam em alto contraste e que peço licença para evocar nesta jornada de afectos:
Chamou-me a atenção, quando aqui cheguei, a qualidade da arquitectura. Soube mais tarde que o gabinete responsável pelo projecto do Padre António Vieira fora o dos autores do projecto da Fundação Calouste Gulbenkian, e efectivamente há na composição das fachadas elementos gramaticais comuns. Ainda hoje gosto desta entrada, com a reserva e abertura sabiamente doseadas, a arrumação interna, embora evidentemente os conceitos actuais de segurança e funcionalidade sejam diferentes.
O segundo aspecto a impressionar-me foi a organização descentralizada. A vida da escola decorria entre uma liderança não carismática, diríamos até fraca, e uma orgânica baseada nos directores de turma e de ciclo. As direcções de ciclo (professoras Lurdes Neto e Florinda) asseguravam uma coordenação pedagógica baseada numa grande dedicação e empenho pessoais, duma eficácia que raramente me foi dado observar em quase três dezenas de actividade lectiva.
O Liceu era de criação recente e essa aura de instituição jovem era partilhada por professores e estudantes. As relações professor-aluno eram menos formais que noutros locais e, embora não existissem figuras intelectuais de projecção nacional (como no Camões ou no Maria Amália ou no Passos Manuel), o ambiente na sala de aula e em geral na escola era de abertura, de curiosidade e apreço pela inovação. Assim se explica que eu tenha, sem qualquer dificuldade ou objecção, criado uma espécie de grupo de estudos sobre o século XIX, inteiramente voluntário, no qual manifestei, perante alunos meus e de outros colegas, algumas das minhas próprias preocupações sobre a formação social portuguesa, numa altura em que preparava a minha tese de licenciatura.
Esclareço que quando entrei para o PAV era possuidor apenas do bacharelato em História (de facto só em 1974 me licenciei, tirando até então partido da existência de cadeiras em falta para provocar o adiamento da incorporação no serviço militar obrigatório).
Recordo agora momentos e pessoas especialmente significativas do PAV que hoje, 25 anos depois do 25 de Abril, aqui celebramos.
Em primeiro lugar, há os amigos professores falecidos, todos aliás em circunstâncias trágicas, o José Magno, o Padre Alberto Neto, e o Padre Maximino de Sousa, o primeiro num desastre de automóvel e os dois últimos assassinados. Cada um no seu registo próprio, foram figuras inspiradoras: na sua inquietude o padre Max, na sua transbordante energia e coerência o padre Alberto, na sua exigência intelectual o José Magno.
Em segundo lugar, há os momentos que envolveram a comunidade escolar, não deixando ninguém indiferente, com destaque para a luta dos estudantes da alínea de Económicas contra o sistema de aprendizagem e avaliação decorrente da sua inclusão no regime de estágios. Houve uma ruptura no sistema, entre estudantes e autoridade central do Ministério, e a escola reagiu como um bloco procurando por diversos meios proteger e defender os seus. Isto em 1972, se não erro.
O 25 de Abril teve no PAV um impacte formidável, em larga medida porque o liceu tinha experimentado solidariedades activas antes de 1974 e no seu corpo de alunos contavam-se alguns dos jovens mais politizados do ensino secundário português da altura. Foi um período de alguma turbulência, sobretudo no plano da gestão, muito participada e, por isso, envolvendo muitos desafios e riscos. Foi no PAV que arrancou o processo de reposição da coeducação no ensino secundário liceal.
O Carvalho Neves, em cujos ombros assentou, para o melhor e o pior, a responsabilidade de tecer os novos equilíbrios surgidos dos impulsos contraditórios entre o Ministério, a comunidade escolar, e a sociedade, poderá falar desses tempos de aprendizagem da democracia e da controvérsia. Como todos os tempos de mudança brusca, houve problemas mal respondidos e houve problemas que soubemos transformar em oportunidades.
A gestão nunca me tentou, estive na altura envolvido na luta sindical, mas acompanhei de perto algumas fases da complexa procura de um novo modelo de direcção. Estive sim directamente envolvido na revisão dos programas, designadamente no de Vida Política, que substituíu a antiga e ingrata OPAN que tantas horas de aula me consumira.
O PAV foi, nos tempos conturbados do PREC, uma referência, sobretudo porque o basismo dominante, e a cultura autonómica se desenvolveram mais do que noutros locais e resistiram muito tempo à inversão de tendência e ao "regresso à normalidade". Isso aliás também lhe trouxe um conjunto de provocações muito desgastante.
Uma palavra final sobre o que aprendi no PAV e só no PAV aprendi:
- que é fundamental desenvolver numa escola uma cultura de identidade, baseada em factores tradicionais como o prestígio do seu corpo docente, mas também na participação e na capacidade de coordenação pedagógica;
- que o quotidiano escolar tem que ser enriquecido com a disponibilidade para gerar projectos abertos de pesquisa e de debate, inter e intradisciplinares; há que reorientar a vocação da escola para os valores e não apenas para os comportamentos;
- que o tempo de estudante é essencial para o nosso futuro como pessoas e como cidadãos e por isso é indispensável que o espaço escolar permita ao jovem ser mais criativo e mais participativo, mais livre.
(Notas para uma intervenção - que não chegou acontecer - destinada às comemorações do 25 de Abril de 1999 no antigo Liceu Padre António Vieira)
Alinhei umas palavras no papel para me assegurar contra o esquecimento e contra o eventual deslize da emoção.
Gostaria em primeiro lugar de agradecer aos promotores deste gesto de reconhecimento por um lugar onde todos crescemos e ao qual nos ligam sentimentos fortes e lembranças preciosas.
Devo tomar precauções contra a tentação de falar de mim e por isso arrumarei esse “pecado” dizendo o seguinte: entrei para o Padre António Vieira no ano lectivo de 1971-1972. Tinha 22 anos. Saí em 1977. Foi um período crucial para Portugal, foi um período decisivo da minha vida.
Como era professor, tive um contacto privilegiado com alunos, com centenas de jovens, entre os 14/15 anos e os 17/18, para desprazer de alguns, espero que não muitos, mas sempre procurando tecer com eles e com as disciplinas que tive a “desgraça” de leccionar, uma cumplicidade feita de atenção à vida e amor à criação livre e ao espírito crítico.
Desses anos intensíssimos, há imagens que se recortam em alto contraste e que peço licença para evocar nesta jornada de afectos:
Chamou-me a atenção, quando aqui cheguei, a qualidade da arquitectura. Soube mais tarde que o gabinete responsável pelo projecto do Padre António Vieira fora o dos autores do projecto da Fundação Calouste Gulbenkian, e efectivamente há na composição das fachadas elementos gramaticais comuns. Ainda hoje gosto desta entrada, com a reserva e abertura sabiamente doseadas, a arrumação interna, embora evidentemente os conceitos actuais de segurança e funcionalidade sejam diferentes.
O segundo aspecto a impressionar-me foi a organização descentralizada. A vida da escola decorria entre uma liderança não carismática, diríamos até fraca, e uma orgânica baseada nos directores de turma e de ciclo. As direcções de ciclo (professoras Lurdes Neto e Florinda) asseguravam uma coordenação pedagógica baseada numa grande dedicação e empenho pessoais, duma eficácia que raramente me foi dado observar em quase três dezenas de actividade lectiva.
O Liceu era de criação recente e essa aura de instituição jovem era partilhada por professores e estudantes. As relações professor-aluno eram menos formais que noutros locais e, embora não existissem figuras intelectuais de projecção nacional (como no Camões ou no Maria Amália ou no Passos Manuel), o ambiente na sala de aula e em geral na escola era de abertura, de curiosidade e apreço pela inovação. Assim se explica que eu tenha, sem qualquer dificuldade ou objecção, criado uma espécie de grupo de estudos sobre o século XIX, inteiramente voluntário, no qual manifestei, perante alunos meus e de outros colegas, algumas das minhas próprias preocupações sobre a formação social portuguesa, numa altura em que preparava a minha tese de licenciatura.
Esclareço que quando entrei para o PAV era possuidor apenas do bacharelato em História (de facto só em 1974 me licenciei, tirando até então partido da existência de cadeiras em falta para provocar o adiamento da incorporação no serviço militar obrigatório).
Recordo agora momentos e pessoas especialmente significativas do PAV que hoje, 25 anos depois do 25 de Abril, aqui celebramos.
Em primeiro lugar, há os amigos professores falecidos, todos aliás em circunstâncias trágicas, o José Magno, o Padre Alberto Neto, e o Padre Maximino de Sousa, o primeiro num desastre de automóvel e os dois últimos assassinados. Cada um no seu registo próprio, foram figuras inspiradoras: na sua inquietude o padre Max, na sua transbordante energia e coerência o padre Alberto, na sua exigência intelectual o José Magno.
Em segundo lugar, há os momentos que envolveram a comunidade escolar, não deixando ninguém indiferente, com destaque para a luta dos estudantes da alínea de Económicas contra o sistema de aprendizagem e avaliação decorrente da sua inclusão no regime de estágios. Houve uma ruptura no sistema, entre estudantes e autoridade central do Ministério, e a escola reagiu como um bloco procurando por diversos meios proteger e defender os seus. Isto em 1972, se não erro.
O 25 de Abril teve no PAV um impacte formidável, em larga medida porque o liceu tinha experimentado solidariedades activas antes de 1974 e no seu corpo de alunos contavam-se alguns dos jovens mais politizados do ensino secundário português da altura. Foi um período de alguma turbulência, sobretudo no plano da gestão, muito participada e, por isso, envolvendo muitos desafios e riscos. Foi no PAV que arrancou o processo de reposição da coeducação no ensino secundário liceal.
O Carvalho Neves, em cujos ombros assentou, para o melhor e o pior, a responsabilidade de tecer os novos equilíbrios surgidos dos impulsos contraditórios entre o Ministério, a comunidade escolar, e a sociedade, poderá falar desses tempos de aprendizagem da democracia e da controvérsia. Como todos os tempos de mudança brusca, houve problemas mal respondidos e houve problemas que soubemos transformar em oportunidades.
A gestão nunca me tentou, estive na altura envolvido na luta sindical, mas acompanhei de perto algumas fases da complexa procura de um novo modelo de direcção. Estive sim directamente envolvido na revisão dos programas, designadamente no de Vida Política, que substituíu a antiga e ingrata OPAN que tantas horas de aula me consumira.
O PAV foi, nos tempos conturbados do PREC, uma referência, sobretudo porque o basismo dominante, e a cultura autonómica se desenvolveram mais do que noutros locais e resistiram muito tempo à inversão de tendência e ao "regresso à normalidade". Isso aliás também lhe trouxe um conjunto de provocações muito desgastante.
Uma palavra final sobre o que aprendi no PAV e só no PAV aprendi:
- que é fundamental desenvolver numa escola uma cultura de identidade, baseada em factores tradicionais como o prestígio do seu corpo docente, mas também na participação e na capacidade de coordenação pedagógica;
- que o quotidiano escolar tem que ser enriquecido com a disponibilidade para gerar projectos abertos de pesquisa e de debate, inter e intradisciplinares; há que reorientar a vocação da escola para os valores e não apenas para os comportamentos;
- que o tempo de estudante é essencial para o nosso futuro como pessoas e como cidadãos e por isso é indispensável que o espaço escolar permita ao jovem ser mais criativo e mais participativo, mais livre.
domingo, 9 de janeiro de 2011
Guimarães no NY Times
A edição de ontem do New York Times insere Guimarães entre um dos 41 destinos aconselhados para 2011. Depois de destacar o papel histórico da cidade, aponta-a como uma cidade de juventude reconhecida como um dos polo culturais emergentes da Península. Refere a sua consagração pela Unesco como património da humanidade e a selecção para capital europeia da cultura. Sublinha o papel do Centro Cultural Vila Flor na programação musical e performativa contemporânea.
26. Guimarães, Portugal
A city of youth is fired up by its art scene.
Considered the birthplace of Portugal, this picturesque northern city has long been of great historical importance to the country. Now, with half its inhabitants under 30, it is also one of the youngest cities in Europe. A string of recent developments, like its selection as a 2012 European Capital of Culture and the rehabilitation of the Unesco-designated historic center, have helped turned the youthful “cradle city” into one of the Iberian peninsula’s emerging cultural hot spots.
Much of the city’s burgeoning music and arts scene is nourished by the Centro Cultural Vila Flor, a contemporary-minded cultural center that opened in 2005 in a converted 18th-century palace. It includes amphitheaters, an exhibition villa, artists’ studios and a modern Portuguese restaurant. This March, the center will host the first International Festival of Contemporary Dance, bringing in an impressive selection of dance companies from throughout the world.
— CHARLY WILDER
26. Guimarães, Portugal
A city of youth is fired up by its art scene.
Considered the birthplace of Portugal, this picturesque northern city has long been of great historical importance to the country. Now, with half its inhabitants under 30, it is also one of the youngest cities in Europe. A string of recent developments, like its selection as a 2012 European Capital of Culture and the rehabilitation of the Unesco-designated historic center, have helped turned the youthful “cradle city” into one of the Iberian peninsula’s emerging cultural hot spots.
Much of the city’s burgeoning music and arts scene is nourished by the Centro Cultural Vila Flor, a contemporary-minded cultural center that opened in 2005 in a converted 18th-century palace. It includes amphitheaters, an exhibition villa, artists’ studios and a modern Portuguese restaurant. This March, the center will host the first International Festival of Contemporary Dance, bringing in an impressive selection of dance companies from throughout the world.
— CHARLY WILDER
sábado, 8 de janeiro de 2011
sexta-feira, 7 de janeiro de 2011
quinta-feira, 6 de janeiro de 2011
Memórias: José Aurélio, Borges de Macedo e as gárgulas da Torre do Tombo (2)
Eu começava a ficar inquieto. O Professor Jorge de Macedo parecia ignorar a presença do escultor José Aurélio, envolvendo-se numa fascinante teia de observações que faziam tábua rasa de nada menos que 23 anos das nossas vidas. A situação era absolutamente irreal: Macedo voltara a 1973, retomando o espírito vigoroso e solto das suas aulas mais brilhantes e eu vestia a pele do aluno preso do espectáculo e consciente do privilégio.
Foi a custo que consegui chamar a atenção do nosso anfitrião para o meu amigo. O Professor virou-se então para José Aurélio e perguntou:
- Então, o que o traz por cá?
Uma pequena luz de aviso acendeu-se no meu espírito a esta pergunta, mas não me ocorreu nada para desviar o caminho da conversa. O escultor respondeu:
- Viemos aqui falar sobre as gárgulas.
- Ah, sim, as gárgulas! – exclamou o Professor Macedo, como se após aquela introdução, que mais parecia a conclusão de uma aula imaginária de História da Cultura Moderna iniciada no dia anterior, nada mais natural do que defrontar o problema das gárgulas do edifício de que era Director.
E de facto assim foi. Com a mais extraordinária das naturalidades, Borges de Macedo elocubrou sobre gárgulas em geral e sobre as gárgulas da Torre do Tombo em particular.
- Tenho uma ideia sobre o significado das gárgulas – afirmou a dado passo. O edifício da Torre do Tombo tem uma estrutura tumular. Compreende-se: aqui se guardam os documentos relativos à história de Portugal. As gárgulas são o elemento através do qual a Torre/Túmulo comunica com o exterior. Com as suas bocas abertas, elas fazem ecoar o grito “Aqui jaz a memória da Nação”.
Macedo fez uma pausa e visando de novo o meu amigo, absolutamente esquecido das circunstâncias que rodeavam aquela audiência, perguntou:
- E qual é o seu interesse no assunto?
Aí, temendo o pior, vim em socorro do artista:
- O Escultor José Aurélio é o autor das gárgulas – informei eu.
O professor olhou pela primeira vez atentamente para o até então terceiro elemento da sessão. Findos esses intermináveis momentos, disse:
- Mestre, tenho muito gosto em conhecer o autor das gárgulas. Aliás em reconhecê-lo, pois o seu perfil é o de um homem gargular.
Fosse o que fosse que isso queria dizer, não houve tempo para o averiguar. O Professor Jorge de Macedo passou então a dirigir-se directamente ao seu novo interlocutor e quem passou a explicar o significado de cada uma das oito gárgulas integradas no edifício da Torre do Tombo. Agora reconduzido à condição de espectador, eu via José Aurélio cada vez mais suspenso das palavras de Macedo, surpreendido pela agudeza das observações e sobretudo pela riqueza de conhecimentos que revelava acerca do processo de manufactura daquelas peças.
Houve um momento em que Jorge de Macedo se referiu aos textos, redigidos numa escrita binária, com que o autor identificou cada uma das gárgulas. Aí o escultor não se conteve:
- Mas como é que o Professor sabe isso? Essas legendas não são visíveis do solo.
O Professor levantou-se e disse:
- Venham daí comigo. Vamos lá fora ver as gárgulas.
Quando chegamos junto da primeira gárgula, apontou para o alto e expôs o significado que lhe atribuía, em complemento com o que o autor fizera gravar na pedra. E sorrindo para José Aurélio, acrescentou:
- Sabe Mestre, há binóculos...
A terminar esta breve nota de uma memorável conversa sobre gárgulas, acrescento apenas que o Professor Jorge de Macedo não chegou a escrever o texto prometido nessa ocasião ao escultor José Aurélio. Em Março de 1996 faleceu. Não sei se José Aurélio guarda algum registo desta reunião. Aqui fica o meu, escrito de memória, na altura em que se celebram 20 anos sobre a a inauguração do novo edifício da Torre do Tombo.
Foi a custo que consegui chamar a atenção do nosso anfitrião para o meu amigo. O Professor virou-se então para José Aurélio e perguntou:
- Então, o que o traz por cá?
Uma pequena luz de aviso acendeu-se no meu espírito a esta pergunta, mas não me ocorreu nada para desviar o caminho da conversa. O escultor respondeu:
- Viemos aqui falar sobre as gárgulas.
- Ah, sim, as gárgulas! – exclamou o Professor Macedo, como se após aquela introdução, que mais parecia a conclusão de uma aula imaginária de História da Cultura Moderna iniciada no dia anterior, nada mais natural do que defrontar o problema das gárgulas do edifício de que era Director.
E de facto assim foi. Com a mais extraordinária das naturalidades, Borges de Macedo elocubrou sobre gárgulas em geral e sobre as gárgulas da Torre do Tombo em particular.
- Tenho uma ideia sobre o significado das gárgulas – afirmou a dado passo. O edifício da Torre do Tombo tem uma estrutura tumular. Compreende-se: aqui se guardam os documentos relativos à história de Portugal. As gárgulas são o elemento através do qual a Torre/Túmulo comunica com o exterior. Com as suas bocas abertas, elas fazem ecoar o grito “Aqui jaz a memória da Nação”.
Macedo fez uma pausa e visando de novo o meu amigo, absolutamente esquecido das circunstâncias que rodeavam aquela audiência, perguntou:
- E qual é o seu interesse no assunto?
Aí, temendo o pior, vim em socorro do artista:
- O Escultor José Aurélio é o autor das gárgulas – informei eu.
O professor olhou pela primeira vez atentamente para o até então terceiro elemento da sessão. Findos esses intermináveis momentos, disse:
- Mestre, tenho muito gosto em conhecer o autor das gárgulas. Aliás em reconhecê-lo, pois o seu perfil é o de um homem gargular.
Fosse o que fosse que isso queria dizer, não houve tempo para o averiguar. O Professor Jorge de Macedo passou então a dirigir-se directamente ao seu novo interlocutor e quem passou a explicar o significado de cada uma das oito gárgulas integradas no edifício da Torre do Tombo. Agora reconduzido à condição de espectador, eu via José Aurélio cada vez mais suspenso das palavras de Macedo, surpreendido pela agudeza das observações e sobretudo pela riqueza de conhecimentos que revelava acerca do processo de manufactura daquelas peças.
Houve um momento em que Jorge de Macedo se referiu aos textos, redigidos numa escrita binária, com que o autor identificou cada uma das gárgulas. Aí o escultor não se conteve:
- Mas como é que o Professor sabe isso? Essas legendas não são visíveis do solo.
O Professor levantou-se e disse:
- Venham daí comigo. Vamos lá fora ver as gárgulas.
Quando chegamos junto da primeira gárgula, apontou para o alto e expôs o significado que lhe atribuía, em complemento com o que o autor fizera gravar na pedra. E sorrindo para José Aurélio, acrescentou:
- Sabe Mestre, há binóculos...
A terminar esta breve nota de uma memorável conversa sobre gárgulas, acrescento apenas que o Professor Jorge de Macedo não chegou a escrever o texto prometido nessa ocasião ao escultor José Aurélio. Em Março de 1996 faleceu. Não sei se José Aurélio guarda algum registo desta reunião. Aqui fica o meu, escrito de memória, na altura em que se celebram 20 anos sobre a a inauguração do novo edifício da Torre do Tombo.
quarta-feira, 5 de janeiro de 2011
Memórias: José Aurélio, Borges de Macedo e as gárgulas da Torre do Tombo (1)
Não estou muito seguro das razões que me levaram a aceitar o repto de José Aurélio para o acompanhar na entrevista que pedira ao Director da Torre do Tombo, professor Jorge de Macedo. Presumo que tenha prevalecido a curiosidade em saber se o meu antigo professor se lembrava de mim e que reacção a minha presença lhe suscitaria.
Estávamos, creio em 1995. Desde 1973 que eu não tinha contacto com Borges de Macedo. Fora seu aluno nas cadeiras de Teoria de História, História da Cultura Moderna e Contemporânea e História Moderna e Contemporânea de Portugal, cadeiras de bacharelato, entre 1967 e 1970. O nosso relacionamento nesse período mantivera-se relativamente distante. O professor Jorge de Macedo era indubitavelmente dos mais bem preparados docentes de História da Faculdade de Letras de Lisboa, superiormente informado e de uma inteligência fulgurante. A esta invulgar estatura intelectual, que inspirava respeito e admiração, contrapunha-se uma personalidade truculenta e um gosto pelas atitudes desconcertantes que, atenta a distancia entre docente e discente, perturbava e embaraçava muitos de nós. Em 1971/72 inscrevi-me na cadeira de 5º ano que orientava, o chamado Seminário. Com uma periodicidade semanal, passei a ouvi-lo dissertar sobre metodologia da investigação histórica, História de Portugal na primeira metade do século XIX (uma espécie de prolongamento da cadeira de História Moderna e Contemporânea, do 3º ano, a qual não ultrapassava os tempos do Marquês de Pombal). Era no âmbito do Seminário que se realizava a escolha do tema de dissertação, a tese, indispensável para se obter a licenciatura. O tema de tese era sugerido pelo Professor, e eu não escapei a essa prática, tendo aceite realizar uma investigação sobre as ideias económicas de António de Oliveira Marreca, um dos fundadores do Partido Republicano nos anos 70 do século XIX. O ambiente de Seminário e as sessões de orientação dos trabalhos de tese aproximaram-me da pessoa de Jorge de Macedo, originando uma cordialidade que até então não se pudera desenvolver. Em 1973, porém, poucas vezes nos encontrámos, tendo ele passado a desempenhar funções na equipa reitoral. Em 74 soube que fora saneado, acção que lamentei embora percebesse a inevitabilidade do acto. Não mais o encontrei. O professor Jorge de Macedo foi reintegrado na Faculdade de Letras nos anos 80, numa altura em que eu próprio ali leccionava como assistente, mas não nos chegámos a cruzar, tendo eu saído em 1984
O escultor José Manuel Aurélio era autor das gárgulas do novo edifício da Torre do Tombo inaugurado em 1990. Impressionantes na sua dimensão e projecção arquitectural, aqueles monólitos foram esculpidos nas imediações das pedreiras de onde tinham sido arrancados, em Porto de Mós. Nos anos seguintes, o autor reuniu a documentação relativa ao seu formidável trabalho – desenhos, fotografias, registos diversos – e intentou publicá-la em livro. Para isso considerou desejável que o Director da Torre do Tombo escrevesse um texto de apresentação. Para tal, pediu uma audiência ao Professor Jorge Borges de Macedo. A realização da entrevista arrastava-se, porém. O Director anuía, marcava e desmarcava, por este ou aquele motivo imprevisto. Um dia, queixando-se destas vicissitudes, o escultor perguntou-me: “Ele não foi seu professor? Acha que se nos apresentarmos os dois haverá mais possibilidades de ele nos receber?” Foi assim que entrei neste processo. Uma ou duas tentativas frustradas mais, e eis que finalmente o Professor nos recebe numa manhã de Primavera de 1995.
Na mesa do seu gabinete, o Professor Jorge de Macedo sentou-me à sua esquerda, ficando a seguir o escultor. Virando-se para mim, o meu antigo professor não perdeu tempo com preliminares e encetou uma surpreendente digressão cujo teor não me é possível reconstituir. Lembro-me de que ora versava temas literários, de Kafka a Anaïs Nin e Thomas Mann, ou filosóficos, ora enveredava por assuntos mais confessionais. A certa altura, manifestando eu surpresa pelo testemunho pessoal de uma ocorrência que tivera lugar em Londres, Borges de Macedo contou que apesar da magreza orçamental (“E você sabe as despesas que eu tinha com a minha família!”), nunca deixara de ir a Londres regularmente ao teatro e a concertos. E, olhando-me por cima dos óculos de lentes grossas, rematou enigmaticamente: “Eles não sabiam porquê nem como, mas eu andava sempre à frente deles”.
Estávamos, creio em 1995. Desde 1973 que eu não tinha contacto com Borges de Macedo. Fora seu aluno nas cadeiras de Teoria de História, História da Cultura Moderna e Contemporânea e História Moderna e Contemporânea de Portugal, cadeiras de bacharelato, entre 1967 e 1970. O nosso relacionamento nesse período mantivera-se relativamente distante. O professor Jorge de Macedo era indubitavelmente dos mais bem preparados docentes de História da Faculdade de Letras de Lisboa, superiormente informado e de uma inteligência fulgurante. A esta invulgar estatura intelectual, que inspirava respeito e admiração, contrapunha-se uma personalidade truculenta e um gosto pelas atitudes desconcertantes que, atenta a distancia entre docente e discente, perturbava e embaraçava muitos de nós. Em 1971/72 inscrevi-me na cadeira de 5º ano que orientava, o chamado Seminário. Com uma periodicidade semanal, passei a ouvi-lo dissertar sobre metodologia da investigação histórica, História de Portugal na primeira metade do século XIX (uma espécie de prolongamento da cadeira de História Moderna e Contemporânea, do 3º ano, a qual não ultrapassava os tempos do Marquês de Pombal). Era no âmbito do Seminário que se realizava a escolha do tema de dissertação, a tese, indispensável para se obter a licenciatura. O tema de tese era sugerido pelo Professor, e eu não escapei a essa prática, tendo aceite realizar uma investigação sobre as ideias económicas de António de Oliveira Marreca, um dos fundadores do Partido Republicano nos anos 70 do século XIX. O ambiente de Seminário e as sessões de orientação dos trabalhos de tese aproximaram-me da pessoa de Jorge de Macedo, originando uma cordialidade que até então não se pudera desenvolver. Em 1973, porém, poucas vezes nos encontrámos, tendo ele passado a desempenhar funções na equipa reitoral. Em 74 soube que fora saneado, acção que lamentei embora percebesse a inevitabilidade do acto. Não mais o encontrei. O professor Jorge de Macedo foi reintegrado na Faculdade de Letras nos anos 80, numa altura em que eu próprio ali leccionava como assistente, mas não nos chegámos a cruzar, tendo eu saído em 1984
O escultor José Manuel Aurélio era autor das gárgulas do novo edifício da Torre do Tombo inaugurado em 1990. Impressionantes na sua dimensão e projecção arquitectural, aqueles monólitos foram esculpidos nas imediações das pedreiras de onde tinham sido arrancados, em Porto de Mós. Nos anos seguintes, o autor reuniu a documentação relativa ao seu formidável trabalho – desenhos, fotografias, registos diversos – e intentou publicá-la em livro. Para isso considerou desejável que o Director da Torre do Tombo escrevesse um texto de apresentação. Para tal, pediu uma audiência ao Professor Jorge Borges de Macedo. A realização da entrevista arrastava-se, porém. O Director anuía, marcava e desmarcava, por este ou aquele motivo imprevisto. Um dia, queixando-se destas vicissitudes, o escultor perguntou-me: “Ele não foi seu professor? Acha que se nos apresentarmos os dois haverá mais possibilidades de ele nos receber?” Foi assim que entrei neste processo. Uma ou duas tentativas frustradas mais, e eis que finalmente o Professor nos recebe numa manhã de Primavera de 1995.
Na mesa do seu gabinete, o Professor Jorge de Macedo sentou-me à sua esquerda, ficando a seguir o escultor. Virando-se para mim, o meu antigo professor não perdeu tempo com preliminares e encetou uma surpreendente digressão cujo teor não me é possível reconstituir. Lembro-me de que ora versava temas literários, de Kafka a Anaïs Nin e Thomas Mann, ou filosóficos, ora enveredava por assuntos mais confessionais. A certa altura, manifestando eu surpresa pelo testemunho pessoal de uma ocorrência que tivera lugar em Londres, Borges de Macedo contou que apesar da magreza orçamental (“E você sabe as despesas que eu tinha com a minha família!”), nunca deixara de ir a Londres regularmente ao teatro e a concertos. E, olhando-me por cima dos óculos de lentes grossas, rematou enigmaticamente: “Eles não sabiam porquê nem como, mas eu andava sempre à frente deles”.
terça-feira, 4 de janeiro de 2011
O critério do Presidente
O semi-presidencialismo assenta na possibilidade de um Presidente eleito por sufrágio universal exercer a moderação e a mediação políticas de um regime parlamentar. Por isso o critério decisivo do Presidente é sempre o da governabilidade.
A dissolução, que todos os presidentes usaram nos seus mandatos - com excepção do actual -, é sempre um recurso utilizado com cálculo dos efeitos e sentido do risco. Um Presidente fragilizado - por exemplo por uma dissolução de que resultasse uma relação de forças partidária semelhante à anterior - não garante cabalmente o critério da governabilidade.
A consulta ao povo soberano, fora dos prazos ditados pela Lei, deve ser uma decisão do Presidente (e não, por exemplo, do Primeiro Ministro). O dramatismo que necessariamente a envolve implica sempre uma convicção do Presidente de que se esgotou a governabilidade proposta pela maioria em funções, e de que, concomitantemente, há a possibilidade real de encontrar uma nova maioria que renove a governabilidade.
É essa convicção que ele transmite ao eleitorado no acto da dissolução.
A dissolução, que todos os presidentes usaram nos seus mandatos - com excepção do actual -, é sempre um recurso utilizado com cálculo dos efeitos e sentido do risco. Um Presidente fragilizado - por exemplo por uma dissolução de que resultasse uma relação de forças partidária semelhante à anterior - não garante cabalmente o critério da governabilidade.
A consulta ao povo soberano, fora dos prazos ditados pela Lei, deve ser uma decisão do Presidente (e não, por exemplo, do Primeiro Ministro). O dramatismo que necessariamente a envolve implica sempre uma convicção do Presidente de que se esgotou a governabilidade proposta pela maioria em funções, e de que, concomitantemente, há a possibilidade real de encontrar uma nova maioria que renove a governabilidade.
É essa convicção que ele transmite ao eleitorado no acto da dissolução.
segunda-feira, 3 de janeiro de 2011
P'ra aliviar a mente
Aconteceu depois que passando por um caminho ao longo do qual corria um rio muito claro, chegou-me tanta vontade de dizer que comecei a pensar no modo de lhe obedecer: e pensei que falar dela não era conveniente que o fizesse, se eu não falasse a damas em segunda pessoa, mas somente aquelas que são gentis e que não são puras fêmeas. Então digo que a minha língua falou quase como que movida por si mesma, e disse: Damas que haveis intelecção de amor. Estas palavras eu repeti na mente com grande letícia, pensando em tomá-las por meu começo; pelo que depois, regressado à cidade acima mencionada, pensando uns quantos dias, comecei uma canção com este começo, ordenada do modo que se verá abaixo na sua divisão. A canção começa Damas que haveis.
Damas que haveis inteleccção de amor,
eu quero a vós da dama mia falar,
não porque eu creia o seu louvor esgotar,
mas discorrer p'ra aliviar a mente.
[...]
Dante Alighieri, Vida Nova. Tradução, introdução e notas de Jorge Vaz de Carvalho. Lisboa, Relógio d'Agua, 2010.
Damas que haveis inteleccção de amor,
eu quero a vós da dama mia falar,
não porque eu creia o seu louvor esgotar,
mas discorrer p'ra aliviar a mente.
[...]
Dante Alighieri, Vida Nova. Tradução, introdução e notas de Jorge Vaz de Carvalho. Lisboa, Relógio d'Agua, 2010.
Henry Holiday, Dante meet Beatrice, 1883.
domingo, 2 de janeiro de 2011
Comemorações República (1)
O período consagrado às comemorações republicanas oficiais ainda não se esgotou, mas já podemos esboçar um balanço provisório.
A primeira nota que me ocorre prende-se com a calendarização escolhida. Decidiu o Governo, logo em 2005, que as comemorações deviam ter lugar em 2010 (entre 31 de Janeiro e 5 de Outubro, com possibilidade de prolongamento até Agosto de 2011, data da entrada em vigor de primeira Constituição Republicana). As reticências que manifestei na altura a propósito deste entendimento sobre o timing comemorativo mantenho-as. Em bom rigor, o ano do centenário inicia-se com o ponto de partida e não o ponto de chegada (começamos a comemorar o centenário de um regime que tinha 99 anos!). As Universidades, pela República criadas (Lisboa, Porto, o Técnico) ou reformada (Coimbra) em 1911, só terão verdadeiros programas comemorativos a partir deste ano de 2011. O Parlamento republicano só comemora o centenário da sua formação por via eleitoral em 28 de Maio de 2011 e a Lei Fundamental da República é como vimos de Agosto de 1911.Por outro lado, a programação das comemorações cruzou-se com o calendário eleitoral, tanto no que respeita a eleições legislativas como a eleições presidenciais, o que ganharia em ter sido evitado.
O que sobressai de mais interessante na programação efectuada até agora é o conjunto de exposições. Com a excepção da Exposição sobre o Ensino que abrirá em breve, todas as restantes cumpriram o calendário e deixaram um rasto de competência científica e técnica. Os catálogos aí estão para o evidenciar. A articulação deste programa com as escolas foi no essencial conseguida e esse aspecto foi positivo. Menos empenhada terá sido a participação dos municípios e freguesias neste processo.
O primeiro objectivo da Comissão encarregada de definir e efectivar o plano das comemorações do Estado era o de contribuir para uma revalorização da cultura histórica. Creio que o atingiu, embora só seja possível medir com rigor o impacte de realizações deste tipo mais tarde, com as manifestações de curiosidade pela história do século XX e o desenvolvimento da investigação.
O legado das comemorações certamente o conheceremos mais em concreto, quando a Comissão tornar público o balanço do seu mandato: um Museu, um programa cultural e científico de futuro, uma realização urbanística significativa?
A primeira nota que me ocorre prende-se com a calendarização escolhida. Decidiu o Governo, logo em 2005, que as comemorações deviam ter lugar em 2010 (entre 31 de Janeiro e 5 de Outubro, com possibilidade de prolongamento até Agosto de 2011, data da entrada em vigor de primeira Constituição Republicana). As reticências que manifestei na altura a propósito deste entendimento sobre o timing comemorativo mantenho-as. Em bom rigor, o ano do centenário inicia-se com o ponto de partida e não o ponto de chegada (começamos a comemorar o centenário de um regime que tinha 99 anos!). As Universidades, pela República criadas (Lisboa, Porto, o Técnico) ou reformada (Coimbra) em 1911, só terão verdadeiros programas comemorativos a partir deste ano de 2011. O Parlamento republicano só comemora o centenário da sua formação por via eleitoral em 28 de Maio de 2011 e a Lei Fundamental da República é como vimos de Agosto de 1911.Por outro lado, a programação das comemorações cruzou-se com o calendário eleitoral, tanto no que respeita a eleições legislativas como a eleições presidenciais, o que ganharia em ter sido evitado.
O que sobressai de mais interessante na programação efectuada até agora é o conjunto de exposições. Com a excepção da Exposição sobre o Ensino que abrirá em breve, todas as restantes cumpriram o calendário e deixaram um rasto de competência científica e técnica. Os catálogos aí estão para o evidenciar. A articulação deste programa com as escolas foi no essencial conseguida e esse aspecto foi positivo. Menos empenhada terá sido a participação dos municípios e freguesias neste processo.
O primeiro objectivo da Comissão encarregada de definir e efectivar o plano das comemorações do Estado era o de contribuir para uma revalorização da cultura histórica. Creio que o atingiu, embora só seja possível medir com rigor o impacte de realizações deste tipo mais tarde, com as manifestações de curiosidade pela história do século XX e o desenvolvimento da investigação.
O legado das comemorações certamente o conheceremos mais em concreto, quando a Comissão tornar público o balanço do seu mandato: um Museu, um programa cultural e científico de futuro, uma realização urbanística significativa?
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