Esconderam os retratos dentro dos livros. E os livros
nas gavetas. E fizeram as camas para sempre de lavado.
O que aqui me fustiga é o teu nome, rente aos lábios,
mas quase sempre por dizer; e as sombras inquietas que
contra mim se amotinam atrás de cada porta, desafiando
os calendários. Sou uma máscara recortada nos vidros e
regresso para visitar um teatro vazio depois das palmas.
Os cenários estão mortos e, junto ao palco, já nenhuma luz
ilude ou alucina. Só mesmo a memória do teu nome, soletrado
agora por uma outra voz, longe daqui, ou a imagem de uma mão
a despir-te de todos os mantos, devolvendo-te ao primeiro
frio de ternura - como a espuma da onda mordendo lentamente
na areia o corpo do amante que, ao fim da tarde, ferido
pelos punhais do abandono, veio para se entregar à praia.
Maria do Rosário Pedreira, A Casa e o Cheiro dos Livros, Gótica, Lisboa, 2002, p. 72
4 comentários:
Triste. De uma enorme beleza.
Numa palavra...PUNGENTE!!!
Neste livro, em especial, Maria do Rosário Pedreira, escreve sobre a perda resultante de uma partida provavelmente sem regresso: a memória que o tempo não apaga, o chamamento triste, a saudade, a esperança fruste, a dúvida sobre o regresso, o sentimento da ausência, o temor do esquecimento.
Mas "pungente" ...Oh, Manuela, eis um termo que em mim põe campainhas a tocar. Pungente = que causa dor moral. Eu preferiria talvez o ideia de "coisas por dizer".
Pensei...pensei...
P-"coisas por dizer"?
R- "VIRE ESSA BOCA P'RA LÁ!!!"
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