quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Raul Proença e a tese da ditadura limitada e transitória

Em Março de 1923 constitui-se um agrupamento cívico formado por membros dos grupos Seara Nova e Integralismo Lusitano que se propunha mobilizar a opinião pública a favor da formação de um Governo Excepcional de Salvação da República. Segundo Sottomayor Cardia, a União Cívica "pretendia suscitar a adesão de variados sectores partidários e ideológicos para uma tentativa de acalmia entre os republicanos e para a realização de um conjunto de medidas governativas contidas num extenso Apelo à Nação".
De acordo com os seus defensores, o Governo Excepcional seria um expediente político conjuntural, exigido pelas evidentes dificuldades em criar um quadro político-partidário que, no respeito das regras constitucionais em vigor, concebesse e executasse o corpo de reformas nacionais adequadas à salvação da República. Este Governo começaria por dar garantias de não temer nem ceder quer aos militares quer aos funcionários públicos.
Basílio Teles defendera uma solução política semelhante para o imediato pós-5 de Outubro de 1910. Propugnara uma ditadura legitimada pelos órgãos de vontade democrática e coroando uma verdadeira revolução, isto é uma ditadura que prestasse contas junto da opinião pública e das elites democráticas.
De acordo com a teoria constitucional do constitucionalismo monárquico, o regime de ditadura correspondia ao espaço de tempo no qual um Executivo governava sem controlo parlamentar. Tratava-se, usualmente, de um período limitado, uma vez que o Rei, a quem competia dissolver o Parlamento, no acto de dissolução indicava também a data de realização de novas eleições. Ao novo Parlamento, com a sua legitimidade refrescada, competiria logo nas primeiras sessões apreciar os actos ditatoriais do Governo e ractificá-los (esse acto era designado por Bill de Indemnidade).
Raul Proença adaptou esta figura ao do recurso a uma ditadura republicana, limitada e transitória, para efectivar as reformas estruturais reclamadas pelo país. Esta solução, embora à margem do Parlamento, devia contar com o apoio empenhado do Presidente da República. As condições que enumera para que uma ditadura limitada e transitória posse ser definida e aceite seriam as seguintes: ser uma ditadura protagonizada e apoiada por republicanos avançados e não por conservadores, uma ditadura exercida com o beneplácito do Parlamento (que aceitaria transferir durante um período de tempo razoável e mediante autorizações legislativas o mais amplas possível, poderes de lançamento de reformas estruturais), uma ditadura que culminasse um processo de mobilização política do país (surgindo como último recurso perante o não acatamento pelo Governo em funções dos anseios expressos por essa mobilização, uma ditadura que não ponha em causa as liberdades cívicas e que conte com o incentivo e a vigilância do Presidente da República.

6 comentários:

Anónimo disse...

Muito bem, Sr. Professor Coordenador: uma lição de história das ideias em favor da explicação da "gafe" de Manuela Ferreira Leite.
Ontem os comentários dividiam-se entre os que achavam que a senhora estava a fazer ironia e os que achavam que ela está lélé da cuca.
No seu caso, você acha que ela está a propôr um Governo Excepcional da iniciativa do Presidente?
MT

J J disse...

Sim, a lição veio a propósito.
Mas estas conversas são sempre perigosas: no restaurante onde costumo almoçar, o grande debate situava-se ontem à volta dos seis meses de "intervalo", que a maioria dos intervenientes considerava muito curto para "pôr isto no sítio"! Ninguém falou em "ironia" nem em "lélé da cuca". Dá que pensar.

Anónimo disse...

O súbito e surpreendente apoio da MFL à suspensão da Avaliação dos Professores insere-se nessa estratégia? Soprar a onda do descontentamento e instabilidade sócio-profissional (dos professores, dos militares, da comunicação social e outros que estão para chegar...), para o PR intervir?
Não creio...mas que as há....há!
Abraço.

J J disse...

A Ministra da Educação é um cadáver incómodo no Governo. Até MFL, que intimamente a deve apoiar já que são da mesma "escola" de autoritarismo, arrogância, autismo e prepotência, percebeu isso e, depois de a apoiar há seis meses, tenta agora capitalizar na sua queda política.
Não creio que Cavaco tenha qualquer intenção, neste mandato, de uma intervenção desse género.

João Ramos Franco disse...

Lendo toda a tese, e revendo-me entre partidários ideológicos, não pelo que disse a MFL, penso que tudo continua a depender do meio que pretendemos para atingir os fim, Salvaguardando sempre os ideais democráticos
João Ramos Franco

Anónimo disse...

Concordo com o J R F, que realça o fulcro da questão com grande clareza. AA