Perguntavas-me
(ou talvez não tenhas sido
tu, mas só a ti naquele tempo eu ouvia)
porquê a poesia,
e não outra coisa qualquer:
a filosofia, o futebol, alguma mulher?
Eu não sabia
que a resposta estava
numa certa estrofe de
um certo poema de Frei Luis de Léon que Poe
(acho que era Poe)
conhecia de cor,
em castelhano e tudo.
Porém se o soubesse
de pouco me teria
então servido, ou de nada.
Porque estavas inclinada
de um modo tão perfeito
sobre a mesa
e o meu coração batia
tão infundadamente no teu peito
sob a tua blusa acesa
que tudo o que soubesse não saberia.
Hoje sei: escrevo
contra aquilo de que me lembro,
essa tarde parada, por exemplo.
Manuel António Pina, Poesia Reunida, Lisboa, Assirio & Alvim, *2001
1 comentário:
Já uma vez soube que o poeta escreve a vida em vez de a viver. Aprendi agora que escreve contra aquilo de que se lembra que viveu. Como quem bebe para esquecer? A memória e o esquecimento, o eterno mesmo...
-Isabel X -
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