No passado sábado, ouvimos a Ministra da Educação afirmar que na instância negocial criada com os Sindicatos - a chamada Comissão Paritária - não tinham sido apresentadas situações que exigissem ponderação e alteração dos dispositivos da avaliação de desempenho. No domingo seguinte, ouvimos o dirigente sindical desmentir a Ministra, argumentando que tinha entregue um relatório a 14 de Outubro.
Espero ter ouvido mal. Um Sindicato entrega um documento crítico a 14 de Outubro e convoca uma manifestação para 3 semanas depois? A 14 de Outubro não estava já em cima da mesa a data de 8 de Novembro? Mais: a manifestação de 8 de Novembro foi agendada pelo Sindicato para responder à resposta dada pelo Ministério ao documento de 14 de Outubro, ou para garantir uma antecipação relativamente a uma outra manifestação de professores convocada por entidades não-sindicais para dia 15 de Novembro?
O que é hoje para mim evidente é que o Sindicato não soube assegurar nem conduzir o processo negocial sobre a avaliação.
Pode perguntar-se, legitimamente, se um Sindicato de Professores tem essa capacidade, ou seja, se a matéria implicada no tema da avaliação é de natureza sindical. A meu ver é uma matéria com incidência sindical, mas é duvidoso que seja predominantemente sindical, uma vez que respeita tanto ao estatuto e carreira docente, como à organização das escolas.
Mas mesmo que admitamos estar perante uma matéria fundamentalmente sindical, o que me parece é que o Sindicato dos Professores desenvolveu nos últimos 30 anos uma perspectiva de trabalho limitada aos temas estritamente sindicais: remunerações e regimes de trabalho e progressão dos professores. Durante estas três décadas, o Sindicato dos Professores conduziu a sua acção sindical na lógica da Frente Comum dos Sindicatos da Função Pública (e, de forma mais ampla, na da CGTP). Daí resultou um afunilamento da condição de professor, na visão e na prática sindical, na condição de funcionário público.
E serão os professores funcionários públicos? A meu ver, a pergunta e o debate subsequente fazem sentido.
E fazem tanto sentido, que posso adivinhar no protesto dos professores um grito, porventura difuso, mas real, contra o que pode ser entendido como um processo de funcionalização da actividade docente! Assim sendo, a revolta dos professores dirige-se, em partes equivalentes, contra o Ministério e contra o Sindicato.
O Sindicato falhou como instância de mediação. E falhou porque os objectivos e estratégia a que se subordinou não lhe permitem intervir nos novos termos em que se equaciona hoje a condição de professor. O Sindicato não é interlocutor para a mudança e não protagonizou, dos anos 1980 até hoje, qualquer proposta inovadora sobre a organização e o quotidano escolar.
De modo que o desafio que está colocado aos professores e às escolas é como transformar a vitória da mobilização de rua em ganhos na escola - ganhos que permitam qualificar o trabalho docente e o papel da escola na sociedade.
Esse é um desafio bem complexo e exigente. Os professores teriam a vida mais facilitada, neste aspecto, se as relações com a tutela não estivessem inquinadas por um discurso tão "anti-professor", como aquele que é veiculado pelos próceres do Ministério da Educação. É preciso portanto descobrir, para professores e, sobretudo, para as escolas, interlocutores noutras áreas da sociedade e da vida institucional.
7 comentários:
Olá João Serra.
Vou, se me permite, linkar este texto para o meu blogue.
Abraço do Paulo Prudêncio.
Mais do que claro, este texto é clarividente! Ser professor, após anos de esvaziamento dessa função, é o que está em causa. Que fazer?
Sindicato e Ministério são as duas faces da mesma moeda e é uma moeda má.
Obrigada, João.
Isabel X
Ontem, o triste espectáculo dos alunos!
E agora?
O comportamento dos alunos é resultado de uma legislação em que uma aluna que faz quimioterapia tem as suas faltas equiparadas às de um colega que joga no Caldas e falta para ir aos treinos. Sabiam? Passa-se na Bordalo Pinheiro, aqui nas Caldas.
Os professores de Geometria Descritiva estão a ser avaliados por colegas de Ginástica, os de História de Arte por licenciados em Economia, uma professora de Francês relatou ontem que vai avaliar TIC, mas confessou que costuma pedir que lhe liguem o computador... Muitos dos avaliadores são mais novos, menos graduados e menos experientes que os avaliados.
As entrevistas da ministra são amontoados de falsidades que provam que ela não está enganada, está de má fé.
E agora? Agora que os comissários políticos já estão nas Escolas, as reuniões de professores estão a ser proibidas, os lideres da contestação a ser intimidados? Tudo menos recuar. Os professores são hoje uma ilha de resistência contra um governo de direita, autoritário e autista, "disfarçado" sob uma desbotada bandeira do PS.
JJ, refiro-me ao arremesso de ovos aos Secretários de Estado!
Os fins justificam quaisquer meios?
Um ministério lançou um decreto em que um aluno que está doente (e o caso que relato é verídico) tem as suas faltas equiparadas às de um que falta para jogar futebol! Sem NENHUMA diferença.
Os autores desta imbecilidade estiveram dentro dum carro onde choveram uns ovos. Só me indigno porque me parece realmente pouco para o que eles mereciam...
Tem TODA a razão quanto às faltas! Os Professores também terão as suas!
Mas...arremessar ovos?
Melhor era que TODOS(M.E. incluído)juntassem os ovos que têm e cozinhassem uma boa omeleta.
O auror do artigo em apreço-"Os professores ganharam a rua. E agora?"- põe o dedo em algumas feridas e como que aponta um caminho.
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