domingo, 31 de outubro de 2010

José Relvas: o discurso imaginário da varanda da Camara de Lisboa a 5 de Outubro de 1910

José Relvas morreu a 31 de Outubro de 1929. Assinalando a data, a Câmara de Alpiarça presta hoje homenagem a este seu ilustre patrono, com uma romagem e uma evocação. Para esta última, tentei imaginar o discurso que poderia ter feito na varanda da Câmara Muniicpal de Lisboa na manhã de 5 de Outubro de 1910.


Portugueses,

Desta varanda da Câmara Municipal de Lisboa, quero anunciar, em nome do Partido Republicano Português, a vitória das forças revolucionárias e a formação de um novo Governo. Findou a monarquia, o rei vencido abandonou o país, as autoridades monárquicas serão destituídas. Um novo regime nasceu hoje, portugueses. É a República!

Viva a República!
Viva Portugal!

Em breve vos anunciaremos a composição do novo Governo. Com ele será restabelecida a ordem, anunciada nos actos com o que povo de Lisboa já celebra a vitória: com generosidade e respeito para com os derrotados, com júbilo e confiança na República e no futuro de Portugal.

Este é um momento histórico. Uma mudança sem precedentes, em que o povo, cansado de séculos de dominação, tomou em mãos o seu destino. Hoje enterrámos um regime de falsidade, de proveito de alguns, um regime iníquo e manchado pela tirania, e começamos a erguer um regime da transparência e da honradez, um regime da democracia. Um regime patriótico.

A revolução não teria sido necessária se a Monarquia tivesse sabido velar pelo bem comum, se tivesse garantido a independência da Pátria, se tivesse defendido o bom nome de Portugal e dos portugueses junto das outras nações.

A República que hoje começamos a construir há-de realizar a esperança que animou os revolucionários nas ruas e praças de Lisboa e do resto do País. Esperança no renascimento dos nossos campos e das nossas fábricas, na vitalidade dos nossos municípios, na força das nossas instituições representativas. Esperança no vigor libertador das nossas escolas, da nossa ciência e da nossa cultura. Esperança na competência, rectidão moral, patriotismo e espírito de serviço público dos nossos governantes e representantes políticos. Esperança, em suma, no ressurgimento da pátria e na dignificação dos portugueses.

Portugueses,
A República é de todos. Todos são responsáveis pelos seus êxitos ou pelos seus fracassos. Por isso, nesta hora de alegria, em que dos nossos corações brotam os mais nobres sentimentos, é justo pedir a todos vigilância, colaboração, generosidade. A vigilância, colaboração e generosidade tão abundantemente evidenciadas nestes dias em Lisboa. Cada um de vós é, a partir de agora, um cidadão e não um súbdito. Tem direitos e tem deveres. A Lei, assente no princípio da igualdade, há-de garantir os vossos direitos. Ninguém, na República, está acima da lei.
Mas agora quero também apelar ao vosso sentido do dever cívico. É com ele e por ele que faremos uma República forte, admirada e respeitada.

Portugal conta na sua história secular com momentos em que um grande desígnio nacional pode unir o povo e os governantes numa epopeia de fé e coragem. Estamos agora a atravessar de novo um desses desafios que a todos galvaniza.
Acreditamos que e regeneração de Portugal é necessária e possível. Mas não há tempo a perder. A monarquia legou-nos uma economia frágil e umas finanças desacreditadas. Uma escola incapaz e um exército sem meios e sem orientação. Uma justiça servil para com os fortes e autoritária para com os fracos. Uma politica de costas voltadas para o povo e uma imprensa aprisionada pela intriga. Uma sociedade civil adormecida e uma opinião pública manipulada. Temos que inverter esta situação rapidamente e com grande determinação. Havemos de ganhar de novo a confiança do povo na economia, nas finanças, na escola, na força armada, na justiça, nas instituições politicas, na administração, na imprensa.

Portugueses,
Vou agora hastear nesta varanda tão simbólica uma bandeira da República.
Nela podeis ver o verde dos nossos campos e o vermelho do nosso trabalho, o verde da nossa esperança e o vermelho da nossa revolução, o verde dos nossos ideais e o vermelho das nossas acções. Sobre ele, as nossas mãos escreveram: “esta é a ditosa pátria minha amada”.

Viva a República!
Viva a República!
Viva Portugal!
Viva Portugal!

1 comentário:

Chantre disse...

Excelente na forma. Quanto ao conteúdo, o 3º parágrafo é um delírio particularmente significativo.