Polemista notável – pela argúcia, pela qualidade literária do que escreve (não do que fala), pela pertinência dos tema, pelo desassombro – Vasco Pulido Valente não é um historiador. Os seus textos de cariz historiográfico são sempre crónicas do presente e como tal curiosos e estimulantes exercícios de inteligência e ironia por vezes bem ácida, quase brutal. O que não quer dizer que não ressaltem deles, para a história, intuições geniais, observações inspiradoras. O texto do Público de ontem é um prefácio a uma reedição de O Poder e o Povo, uma obra publicada pela primeira vez em 1976, redigida por um VPV emigrado londrino em 1974 e 1975. Trata-se de uma obra completamente datada e cujo anacronismo é hoje evidente. Influenciado pelos ecos da conjuntura “tumultuosa” que se vivia em Portugal, o autor quis intervir e prevenir as consequências de um desvio radical e encontrou nos dois primeiros anos da República o exemplo que lhe pareceu adequado. Escreveu uma história sobre Álvaro Cunhal a quem chamou Afonso Costa e sobre a ala esquerda do Movimento das Forças Armadas e o movimento popular hegemonizado pelo PCP e pela Esquerda Revolucionária a que chamou ala jacobina e radical do Partido Republicano Português. Não creio que possa ser levada a sério, intelectualmente falando.
É problemático estabelecer como critério de seriedade intelectual o acordo de algum registo com o ponto de vista que maioritariamente colhe. Por outro lado, a desqualificação de uma proposta que ultrapassa claramente o âmbito historiográfico - estamos, sobretudo, num quadro de apreciação política - porque o seu autor é estrangeirado (como se o não fossem os principais mentores da republica que se "celebra" ...e como se o deixasse de ser quando faz do salazarismo um esboço que se subscreve) ou porque, quanto ao que historicamente se aprecia, as suas limitações sejam convenientes, parece, isso sim, de problemática seriedade - intelectualmente falando, claro.
Não tem razão, Chantre, na crítica que me faz. Há que distinguir comemorações e República. Se você é anti-republicano - e tudo indica que é - abomina a Primeira, a Segunda, a Terceira, a Quarta... O debate sobre o republicanismo está aberto, integra as opções das sociedades plurais. Outra coisa é fazer da história um tribunal. Isso eu recuso. Recusarei sempre. Não é papel da História, não é História. VPV pode escrever o que quiser, julgando-os, sobre personagens do passado. Mas não e história, é opinião, é crítica, é polémica, o que quiser. O que não é sério é fazer passar por exercício de História o que não passa de juízo contemporâneo.
a) Absolutamente em desacordo: o "celebrado", mas mutilado, republicanismo não integra as opções da nossa sociedade - é, absurdamente numa "respublica", uma imposição; b)totalmente de acordo: há que distinguir "comemorações" e "República". Infelizmente, essa distinção dificilmente tem sido acautelada; sobretudo por quem pretenderia, saudavelmente, pensar a República, situar historicamente a República, fazer alguma pedagogia a propósito da data: exercício que suporia um distanciamento crítico que pouco se encontra - não, não será apenas em VPV. Não sou anti-republicano (podendo sê-lo), menos ainda monárquico (em nada me minimizando a possibilidade de o ser). Mas, parece-me, o maniqueísmo ético, político, moral que tem servido de grelha para, dicotomicamente e em contraponto com a opção monárquica, agigantar o ideário e a estatura ética e política dos lideres da nossa aventura republicana de há 100 anos, esbarra demasiado com os factos. Também com a inteligência. Sobretudo, aliás, com a inteligência.
5 comentários:
Há 100 anos, de facto. E passível de leituras muito diferentes. A de Vasco Pulido Valente no "Público" de hoje pode, e deve, ser considerada.
Polemista notável – pela argúcia, pela qualidade literária do que escreve (não do que fala), pela pertinência dos tema, pelo desassombro – Vasco Pulido Valente não é um historiador. Os seus textos de cariz historiográfico são sempre crónicas do presente e como tal curiosos e estimulantes exercícios de inteligência e ironia por vezes bem ácida, quase brutal. O que não quer dizer que não ressaltem deles, para a história, intuições geniais, observações inspiradoras.
O texto do Público de ontem é um prefácio a uma reedição de O Poder e o Povo, uma obra publicada pela primeira vez em 1976, redigida por um VPV emigrado londrino em 1974 e 1975. Trata-se de uma obra completamente datada e cujo anacronismo é hoje evidente. Influenciado pelos ecos da conjuntura “tumultuosa” que se vivia em Portugal, o autor quis intervir e prevenir as consequências de um desvio radical e encontrou nos dois primeiros anos da República o exemplo que lhe pareceu adequado. Escreveu uma história sobre Álvaro Cunhal a quem chamou Afonso Costa e sobre a ala esquerda do Movimento das Forças Armadas e o movimento popular hegemonizado pelo PCP e pela Esquerda Revolucionária a que chamou ala jacobina e radical do Partido Republicano Português. Não creio que possa ser levada a sério, intelectualmente falando.
É problemático estabelecer como critério de seriedade intelectual o acordo de algum registo com o ponto de vista que maioritariamente colhe.
Por outro lado, a desqualificação de uma proposta que ultrapassa claramente o âmbito historiográfico - estamos, sobretudo, num quadro de apreciação política - porque o seu autor é estrangeirado (como se o não fossem os principais mentores da republica que se "celebra" ...e como se o deixasse de ser quando faz do salazarismo um esboço que se subscreve) ou porque, quanto ao que historicamente se aprecia, as suas limitações sejam convenientes, parece, isso sim, de problemática seriedade - intelectualmente falando, claro.
Não tem razão, Chantre, na crítica que me faz. Há que distinguir comemorações e República. Se você é anti-republicano - e tudo indica que é - abomina a Primeira, a Segunda, a Terceira, a Quarta... O debate sobre o republicanismo está aberto, integra as opções das sociedades plurais. Outra coisa é fazer da história um tribunal. Isso eu recuso. Recusarei sempre. Não é papel da História, não é História. VPV pode escrever o que quiser, julgando-os, sobre personagens do passado. Mas não e história, é opinião, é crítica, é polémica, o que quiser. O que não é sério é fazer passar por exercício de História o que não passa de juízo contemporâneo.
Caro professor
a) Absolutamente em desacordo: o "celebrado", mas mutilado, republicanismo não integra as opções da nossa sociedade - é, absurdamente numa "respublica", uma imposição;
b)totalmente de acordo: há que distinguir "comemorações" e "República". Infelizmente, essa distinção dificilmente tem sido acautelada; sobretudo por quem pretenderia, saudavelmente, pensar a República, situar historicamente a República, fazer alguma pedagogia a propósito da data: exercício que suporia um distanciamento crítico que pouco se encontra - não, não será apenas em VPV.
Não sou anti-republicano (podendo sê-lo), menos ainda monárquico (em nada me minimizando a possibilidade de o ser). Mas, parece-me, o maniqueísmo ético, político, moral que tem servido de grelha para, dicotomicamente e em contraponto com a opção monárquica, agigantar o ideário e a estatura ética e política dos lideres da nossa aventura republicana de há 100 anos, esbarra demasiado com os factos. Também com a inteligência. Sobretudo, aliás, com a inteligência.
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