Em Colombo (Sirilanka)
No interior de um templo, cuja fachada não tem grande carácter, saem os sons vibrantes duma orquestra bizarra. Não nos deixam entrar; mas da porta vemos acocorados a um canto seis índios tocando clarinete, pratos, campainhas e atabales. Ídolos fantásticos repousam em pedestais de pedra isolados uns dos outros. O tecto, baixo, é sustentado por colunas de pedra; ao fundo, muito no escuro, ardem dois lumes em frente de um pequeno nicho sobreposto a um altar.
Perto deste fica um outro templo. A sua fachada é muito característica e toda coberta de milhares de figuras em alto relevo, representando alguns dos trezentos e sessenta milhões de deuses do panteão índico pintados de verde e vermelho. Três arcos rotos dão ingresso a uma espécie de varanda, de onde, por uma bela porta de madeira almofadada e guarnecida de belas ferragens de bronze dourado, se entra no templo. Os alisares são de madeira finamente trabalhada. O tecto, baixo, de rica talha miudinha, é sustentado por belas colunas também de madeira. Lâmpadas de cristal iluminam o templo. Ao fundo fica o altar.
Dentro de um recinto murado levanta-se um templo de Buda onde, a troco de uma rupias, entrámos. Nada notável, debaixo do ponto de vista artístico. Uma espécie de claustro, ou, melhor, um corredor, circunda o templo principal onde uma lâmpada arde em frente ao altar de Buda.
Num dos corredores laterais, dentro de um recinto envidraçado, dorme o grande Buda, de uns cinco ou mais metros de comprido, disforme, de uma só peça de pedra, e pintado de amarelo, vermelho e azul. Sobre uma pequena mesa estão espalhadas as brancas flores de champaca oferecidas pelos índios. pegámos numa para lhe aspirar o perfume e, ao colocá-la de novo, o índio que nos acompanha observa-nos que, profanada por nós, não podia ficar mais aos pés do Buda. Contentes, ornámos com ela a botoeira da nossa quinzena.
Aos pés do monstro, acocorada, reza uma mulher, e tão presa da sua oração, que nem sequer repara em nós, que tropeçámos nela.
Noutro corredor admira-se, toscamente pintada na parede, a história de Buda.
Ai sairmos do templo, na vasta rua ensombrada, a multidão que a povoa abre alas, cheia de religioso respeito, a um doido que vem correndo, aos pulos, segurando nas mãos, com os braços estendidos, um grande pano branco preso por uma fita em volta do pescoço. Do lado explicam-nos que este doido se imagina ave. Realmente, visto assim, parece um enorme albatroz ferido que a custo tenta levantar um voo baixo e lento. [p. 63-64]
O Conde de Arnoso (Bernardo Pinheiro Correia de Melo, 1855-1911) fez parte, em 1887, de uma missão portuguesa a Pequim. A duração da viagem, que se iniciou em Marselha, foi de 9 meses. Em 1895, o autor publicou o relato da viagem sob o título Jornadas pelo Mundo. 1 - Em Caminho de Pekin. 2 - Em Pekin. Porto, Magalhães & Moniz Editores, 1895.
quinta-feira, 28 de outubro de 2010
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2 comentários:
Belíssima cortesia do Conde Arnoso, faz-se respeito pela decisão de interpretar entre Buda e a ave que resgata ao seu monumento uma homenagem:
Victor Hugo - Père Lachaise - Paris 1850
“Só pensamentos sérios e elevados podem encher todas as almas, quando um espírito elevado majestosamente penetra em outra vida, quando um dos entes que por longo tempo com as asas visíveis do gênio pairou sobre as multidões, de repente abre as "outras" asas que se não podem ver, e desaparece no incógnito “!
Eis um texto delicioso!
A delimitação dos espaços, a descrição dos gestos dos protagonistas, a interpretação dos acontecimentos e da atmosfera em que decorrem, a narrativa do insólito apenas entrevisto, tudo aqui se encontra.
É de imagens que se trata, afinal. Imagens para imaginar, através de uma sugestiva interpretação, em vez de imagens para ver.
Por isso é que eu não adiro facilmente a frases feitas como "uma imagem vale mais que mil palavras", como se imagens e palavras fossem opostas!
Como se as palavras não invocassem imagens, ou pudéssemos saber o que são as imagens sem as palavras para as nomear...
Esse tipo de frases repetidas até à exaustão só aprisionam o pensamento em vez de o libertar.
- Isabel X -
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