Leitura no avião Lisboa-Funchal, hoje: Simone de Beauvoir, A Cerimónia do Adeus. Lisboa, Cotovia, 2008 [edição francesa 1981].
De 23 de Março a 16 de Abril [de 1975], estivemos [a autora, 1908-1986, Jean Paul Sartre, 1905-1980] em Portugal onde tinha tido lugar um ano antes, a 25 de Abril de 74, aquilo a que se chamou a “revolução dos cravos”. Depois de cinquenta anos de fascismo, alguns oficiais - descontentes, entre outras coisas, com a guerra em Angola - tinham-se revoltado. Mas não se tratava apenas de um golpe de Estado militar: era o povo inteiro que tinha despertado e que apoiava o M. F. A. (Movimento das Forças Armadas). Sartre tinha vontade de conhecer mais de perto aquele acontecimento singular. À partida, inquietava-se: "Será que consigo mesmo ver Lisboa?" Mas não tardou a esquecer esta preocupação, Ficámos hospedados num hotel central, muito barulhento, perto de um grande mercado ao ar livre. Estava bom tempo, mas soprava um vento violento e não podíamos demorar-nos nas grandes varandas contíguas aos nossos quartos; andávamos pelas ruas, por onde deambulava uma multidão alegre, sentávamo-nos nas esplanadas do Rossio. Para Sartre, tratava~se principalmente de uma viagem de informação. Acompanhado por Pierre Victor e às vezes por Serge July, teve numerosas conversas com membros do M.F.A. Almoçou no "quartel vermelho", de que pouco tempo antes uns oficiais putschistas tinham tentado apoderar-se. Fez uma conferência perante estudantes que o desiludiram pela falta de reacção às perguntas que fez. Ficou com a impressão de que se sujeitavam à revolução mais do que a faziam. Em contrapartida, teve muito bons contactos com os operários de uma fábrica em auto-gestão, próximo do Porto. Participou numa reunião de escritores que se interrogavam, de uma forma embaraçada, sobre o papel que doravante teriam de desempenhar.
De regresso, Sartre fez na rádio uma boa emissão sobre Portugal e o Libération publicou, entre 22 e 26 de Abril, uma série de entrevistas redigidas por July com Sartre, Gavi e comigo: 1ª, "Revolução e militares"; 2ª, "As mulheres e os estudantes"; 3ª, "O povo e a auto-gestão"; 4ª, "As contradições"; 5ª, "Os três poderes". Sartre concluía exprimindo o seu apoio crítico ao M. F. A.
Sobre Jean Paul Sartre ver este site da Biblioteca Nacional Francesa.
2 comentários:
Lembro-me da vinda de Sartre a Portugal em 1975. Achei que ele já não era o Sartre que eu admirara (sem o compreender plenamente) na juventude. A ligação dele aos maoistas nesse anos 70 pareceu-me um sinal de desorientação. Na altura, devo mesmo ter achado que o homem estava senil. Percebo agora que fui injusta. Apesar de fisicamente envelhecido, Sartre teve uma boa percepção do que se passava.
MT
Já por vezes tenho escrito citações retiradas da vasta obra Sartre. Todavia não me dá o conhecimento razões de criticas políticas. Teria muito mais que aprender com ele, criticar o homem por determinada atitude, talvez...
Mas o Filosofo Sartre, teria pensar e viver como ele, e mesmo assim, só após um sério debate com intelectuais, talvez arriscase...
João Ramos Franco
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