segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

A Professora Alda

Tínhamos 13 ou 14 anos e os nossos professores andavam pela idade dos nossos pais. Como o interesse que demonstravam pelas nossas ínfimas pessoas era ocasional e passageiro, a distância que nos separava deles não tinha medida. Partilhávamos um espaço físico e ocupávamos conjuntamente uma larga fatia de tempo, mas habitávamos mundos paralelos. Sabíamos pouco sobre eles (e esse pouco era limitado às idiossincrasias mais aparentes), e eles ignoravam-nos como pessoas. Havia excepções, claro: quem, de entre nós, transitasse com facilidade até ao mundo de um ou outro professor, mas percebia-se que se estaria perante uma situação singular, derivada de uma idêntica pertença tribal. E havia quem, por circunstâncias igualmente muito específicas, se esforçasse por manter abertos corredores pelos quais nos pudéssemos aproximar do outro mundo, mas esses propósitos não logravam continuidade nem produziam efeitos duradouros.
Quando a nova professora entrou pela sala de aula para leccionar Ciências, toda a turma pressentiu a diferença. A Dr.ª Alda Lopes, minha professora do 3º ou 4º ano, nos princípios da década de 60, no Externato Ramalho Ortigão das Caldas da Rainha, não fazia parte de um mundo paralelo. Ou melhor: todos achámos que iríamos tomar parte no seu mundo. 
E como isso nos pareceu então simples e natural! Não por determos qualquer chave que abrisse portas habitualmente reservadas, mas porque ela nos fazia sentir assim. Olhava-nos como se nos conhecesse desde sempre e sorria-nos como se fosse a nossa irmã que viera dar-nos uma ajuda para crescermos mais depressa. A sua simpatia não era defesa, a sua elegância não era pedestal. Durante aquele ano decisivo das nossas vidas insignificantes, a Dr.ª Alda foi o motivo do nosso orgulho de sermos alunos, e inesperada razão da confiança de sermos adolescentes.
Nota:
O blogue dos antigos alunos do Externato Ramalho Ortigão, coordenado por João Jales, tem registado diversos depoimentos sobre a Dr.ª Alda Lopes. Podem ser lidos aqui e aqui. Foi nele que encontrei esta magnífica fotografia da professora, na varanda do Externato, pertencente à colecção de Júlia Ribeiro.

7 comentários:

Anónimo disse...

Sou ex-aluna do E R O mas foi como colega que tive a excelente oportunidade de conviver com tâo maravilhosa pessoa. M R

Anónimo disse...

Apetece começar à maneira antiga, Amor é... dizer 'Olhava-nos como se nos conhecesse desde sempre e sorria-nos como se fosse a nossa irmã que viera dar-nos uma ajuda para crescermos mais depressa.'

Magnífico!

J J disse...

Esta é uma professora do ERO que só tive o prazer de conhecer muito depois de ambos termos saído do Colégio. Mesmo MUITO depois...
Tanto ou mais que a simpatia e a afabilidade que senti na Dr.ª Alda, impressionou-me a forma emotiva como o habitualmente circunspecto meu colega João Bonifácio Serra se refere à sua professora. Tem que ser seguramente uma Senhora muito especial.
João Jales

Anónimo disse...

O mínimo que posso dizer como "comentadora residente" (que já me considero deste blogue) é que só uma pessoa especial podia ter criado uma onda de ternura à sua volta, que meio século depois permanece intacta.
MT

João Ramos Franco disse...

João Serra
A revolução do contacto Professor - Aluno, está aqui muito bem retratada por ti.
Lê-se nas tuas palavras, o que se passava na minha geração e dás-nos a conhecer o que se começa a passar na tua, com o caso da Dra. Alda Lopes.
O assunto toca-me especialmente porque, ele retrata a razão porque no meu tempo, muitos alunos, a partir de uma determinada idade, passavam ao estatuto de assistentes no ERO e os pais os colocavam em Professores particulares, exemplo (Cap. Dário), ou para outro colégio.
Um abraço, amigo
João Ramos Franco

Paulo G. Trilho Prudêncio disse...

Muito bonito, muito bonito mesmo.

Abraço.

Júlia disse...

Que dizer da Drª alda?Tudo o que disser é uma pequena parte do que representou para mim,das recordaçóes que tenho,da admiração que nutro por ela e da Amizade que a cada dia vai crescendo.