segunda-feira, 29 de novembro de 2010

"...não virá o Presidente da República"

Em 1974, a Fábrica de Porcelana Vista Alegre perfazia 150 anos. Tocado pelo significado da data e da sua projecção comemorativa, o Director fabril, Engº Alberto Faria Frasco decidiu escrever um diário. Não podia adivinhar que acontecimentos históricos para o País se viriam a repercutir na vida da empresa e no próprio curso das celebrações.
Por iniciativa das filhas do Autor, esse diário foi agora editado, vindo a lume no dia em que no Museu Albert Sampaio foi inaugurada uma exposição de porcelanas da colecção do próprio Faria Frasco.

2 de Maio [1974]
Retomou o serviço o Encarregado da Lambugem doméstica. Esteve dois dias ausente e os resultados pioraram consideravelmente. Vamos ver se ele consegue repor a qualidade ao nível do que desejamos. Para já há que actuar no fabrico de travessas cuja qualidade tem deixado muito a desejar.
Também retomou o serviço a telefonista Preciosa, há meses internada num hospital de Lisboa. Ainda não está boa e receio bem que venha a recuperar. Dada a sua dificuldade de locomoção, autorizei que entre e saia pela portão principal para evitar o longo trajecto pelo interior da Fábrica.
Saiu hoje do forno a primeira amostra da “renovada” placa comemorativa dos 150 anos da Fábrica. Perfeita. Não saiu assinada pois sendo a composição de Leonel Cardoso e a execução de Carlos Calixto, pensei que o melhor era não aparecer nenhuma assinatura ou então aparecerem as duas. A placa seguiu para Lisboa para decisão da Administração quanto ao problema da assinatura.
Aprovei hoje a decoração para a louça que vai servir no almoço dos 150 anos. É simples, bonita e cheia de significado.
A talha 150 especialmente concebida para os sócios está em execução na olaria. Espero ter amostra na próxima semana.
Fiquei francamente surpreendido com o telefonema hoje recebido do Eng. José Pinto Basto, transmitindo-me a ideia da Administração quanto a alteração do programa comemorativo dos 150 anos, porque não virá o presidente da República! É espantoso como se pode pensar em alterar um programa de uma festa da gente da Fábrica por causa de uma pessoa! É evidente que discordei totalmente e penso que o bom senso prevalecerá e nada será alterado. Pelo menos assim o creio...
Seguiu hoje para Lisboa o relatório a apresentar à Cidla, reclamando quanto aos maus resultados devido à deficiente qualidade do gás e quanto ao preço, pois é inadmissível que o butano custe o mesmo que o propano quando, do ponto de vista calórico, é menos valioso.
Continuamos a ter dificuldades com a exportação. Além do atraso de um embarque é provável que outros se sigam pois, segundo me informou Lisboa, na Alfândega as caixas são revistadas para evitarem possíveis fugas de valores para o estrangeiro. A situação é tão grave que temos um embalador na Alfândega para desembalar e voltar a embalar todas as caixas que pretendem abrir. Compreendo a decisão, mas quem sofre somos nós que não enviamos outros valores que não sejam as nossas próprias peças...
Recebi pessoal. Destaco uma enorme quantidade de vidradores e enfornadores que vieram falar comigo por causa de um prémio que, segundo me disseram, tem baixado quando deveria subir. Prometi averiguar e logo que o assunto esteja estudado chamá-los-ei novamente para, democraticamente, discutirmos o assunto. Tudo se passou, como habitualmente, dentro do maior respeito e da melhor compreensão.

Alberto Faria Frasco, Vista Alegre. Diário 1974. Famalicão, Ed. Autor, 2010. p. 63-64.

1 comentário:

Cláudia disse...

Pelas memórias do Sr. Engº Faria Frasco

Porcelana

O que não tocaste,
Fora porcelana bem guardada.
Teu sonho de fada,
No armário, adormecera.

Na desenhada porcelana,
Das horas, honras...
Tão branca e bela a donzela,
No armário, adormecera.

O que não tocaste,
Esquecida ao tempo,
Ficara...

Ora, anuncia cantante,
Ainda que escondida,
A demora do jantar.