sexta-feira, 29 de maio de 2009

Só posso pensar no mar

Começo agora a entrever o porquê destas substituições inconscientes e inevitáveis e empreenderia explicar-lhas se o flagelo de calores a que o Algarve vai sucumbindo me não delisse a vontade. É que é pavoroso e toda a inventiva se esvai na tarefa de lhe mitigar os horrores! Sonho a delícia de me sepultar, vivo, dentro de uma amorangada melancia... Vale-me a presença do mar e só posso pensar no mar... Que grande castigo seria passar sem ele! Eu não vivo contente em sítio donde lhe não veja luzir o azul por entre as árvores... É um segundo céu mais sugestivo por certo do que o outro. A gente do sertão não tem mais do que um céu, e o mais pobrezinho... A proximidade do mar é o único lenitivo possível à torreira do sol e a aragem que ele bafeja torna-se a benção do Verão. Era dever meu, preferindo tudo, celebrar condignamente o gosto de comer fruta dentro dum bote, à sombra do toldo branco, no mar do Algarve, e encarecer esse mar nos seus múltiplices aspectos e nas risonhas cenas de que é o duradoiro teatro iluminado, mesmo quando feito ria, na calma dos estuários monótonos.
[Portimão, Julho de 1901]

M. Teixeira Gomes, Agosto Azul. Obras Completas, vol I. Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2009. p. 389-390.
Rosa Nunes, Janela oceânica.

1 comentário:

Anónimo disse...

TEXTO e IMAGEM,duas homenagens ao MAR,inesgotavelmente merecedor da admiração do HOMEM!
RP