- Esta
minha terra só tem
fidalgarias. Mas se a Câmara quisesse, eu dava-lhe dinheiro para coisas úteis. Ponto é que se lembrasse de mim com
alguma consideração...
Dava-lhe uma escola e até lhe dava um hospital. Mas, não me está no ânimo fazer festas a galego -
como se costuma dizer.
[...]
Pois é ...
Se a Senhora Câmara
quisesse, tudo se poderia arranjar. Eu pagava o chafariz. Mas, em vez de
chafariz, ficava melhor, no meio da praça, a minha estátua - com a fita estendida entre as mãos, no acto de tirar medidas.
Não era preciso mais nada. Quero
dizer: eu até
pagava a relva do monumento, água para a regar e jardineiro capaz de a trazer espontada.
Por minha morte, só para a relva, para a renovar e meter de permeio umas
florinhas, deixaria eu o preciso - uma continha calada.
De ano
para ano, tantas vezes olhou para o tremendo busto do soldado, que deixou de o
ver. No lugar do corpanzil de trincheira, com a espingarda encostada ao peito,
viu-se a si próprio,
com a fita estendida no acto de tirar medidas.
[...] De
tanto se ver, no lugar do soldado, começou a ser feliz, cada vez mais feliz de ano para ano.
[...]
Areou-se-lhe o juízo.
Mas, passou a alfaitaria sem impedimento. Casou com a actriz, vendeu a quinta
do Sul e veio acabar os seus dias à cidade Natal - escondida entre pinheiros bravos, reboludos
penedos de granito e oliveiras comidas de ferrugem. Sem sair da janela, que era
ali o seu poiso, debruçava-se sob o rossio e deixava cair, sobre o passeio, um fio
de baba glorioso.
João de Araújo Correia, "O Grande
Alfaiate", in Tempo Revolvido. Régua, Douro Editora, 1974. p.
57-61.
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