sábado, 31 de março de 2012

Midnight in Paris

1. Um livro, um filme
Há de facto um livro na origem do filme, o livro que Gil quer concluir em Paris. Gil é um guionista de filmes bem sucedido em Holywwod, mas nunca escreveu um livro a sério. Esse é o seu problema.
Desse livro sabemos apenas como começa:
Do passado” era o nome da loja e o que vendia eram memórias. O que tinha sido prosaico, até vulgar, para uma geração, transformara-se, com a simples passagem dos anos, em algo mágico e excepcional”.

2. Um filme sobre cidades
No cinema, a cidade raramente é um mero cenário. A cidade é um actor, mesmo quando se trata de uma cidade literária.
O cinema nasce de e com a metrópole moderna.  Num certo sentido, o cinema, a sétima arte, é a arte da cidade. o seu objecto não é apenas mostrar, é tornar visível o que o não o era na cidade. Tal como a pintura.
“As vezes penso: como poderia alguém criar um livro, um quadro, uma sinfonia, uma escultura, que concorra com uma grande cidade? Impossível. Porque cada rua, cada avenida, é uma forma artística especial” - diz Gil Pender, protagonista do filme.
Uma cidade é uma sobreposição de layers. Mais pesados e mais duros, uns, mais leves e soltos outros. Nem todos se deixam ver, alguns escondem outros. "As cidades como os sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda que o fio condutor do seu discurso seja secreto, que as suas regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas e que todas as coisas escondam uma outra coisa" -  escreveu Italo Calvino.

3. Paris, cidade singular
Diálogo inicial:
- “Mas que maravilha. Não há cidade igual no mundo. Nem nunca houve”.
- “Até parece que nunca cá  estiveste”.
- “Não venho vezes suficientes, é esse o problema”.
E noutro passo: “E pensar que no gélido, violento Universo, por vezes sem significado, existe Paris, estas luzes...? Nada acontece em Júpiter, em Neptuno! Mas do espaço, vêem-se estas luzes, os cafés, as pessoas bebendo, cantando...Paris bem pode ser o local mais excitante do Universo”.

4. Uma homenagem a Gertrude Stein
Allen fez de Gertrude, judia como ele, uma personagem central do filme.
O primeiro dos Stein a chegar a Paris foi Leo, em finais de 1902. Vinha tentar uma carreira de pintor. No ano seguinte, juntou-se-lhe a irmã mais nova, Gertrude, escritora. Michael chegou em 1904, com sua mulher Sarah.  Michael era o garante financeiro da família, com actividade na ferrovia e imobiliário em S. Francisco.
 “Cultos, sensíveis, criados numa família de judeus cosmopolitas, pouco atreitos a convenções sociais, mais próximos da boémia artística que da grande burguesia americana, os Stein vão revelar-se coleccionadores audaciosos e atípicos, desenvolvendo um mecenato inseparável da cumplicidade artística e intelectual”. Compraram Picassos e Matisses, logo em 1905. Gertrude tornou-se amiga de Picasso, que pintou o seu retrato em 1906. Leo ajuda Matisse. Sarah acompanha de perto a obra artística deste ultimo. Compram também Cézanne e Renoir. Em 1914 eram já possuidores de colecções de toda a vanguarda artística. Sem eles, muitos artistas não teriam ido tão longe nas suas propostas mais radicais.
Esta história é uma história de aculturação. Uma família de rendimentos que em termos americanos eram médios, mas em termos europeus altos, adquirem em Paris uma nova identidade cultural, a partir do gosto e da convivência com círculos boémios, recheados de expatriados e estrangeiros de passagem, fomentando círculos informais de artistas e  seus amigos. Pelas suas casas passa semanalmente essa turba numerosa para ver as obras dos pintores de vanguarda comentadas por Leo, Sarah ou Gertrude.
No filme de Allen, Gertrude é retratada como uma matriarca, comentando e discutindo quadros com Picasso, apreciando textos de Hemingway. É ela quem valida o longo romance de Gil Pender intitulado “Do Passado”.

5. Mundos paralelos
O filme de Allen é também um exercício sobre mundos paralelos. Desde logo, entre os planos diurno e nocturno. Aquele é o plano dos hotéis e do turismo, este o da arte e dos artistas, aquele o da Paris dos clichés, este o da Paris surpreendente e mágica. As dicotomias podem ampliar-se: mundo de pedantes, incultos, gente instalada e conservadora, mundo de autenticidade, boémia e entrega.
Gil descobre a passagem de um para o outro mundo, o que evidentemente o perturba, mas que os surrealistas não acham estranho. Man Ray, personagem do filme, exclama: “É isso mesmo, Habitas dois mundos. Para já não vejo nada de estranho.”
No fim, a passagem é afinal uma ponte e o novo romancista pode ter encontrado um novo romance. À chuva, claro.

sexta-feira, 30 de março de 2012

À janela de Woody Allen

Emily Mortimer and Jonathan Rhys-Meyers,  Match Point

quinta-feira, 29 de março de 2012

Memória dos livros

Mundos Paralelos. Exemplos
Recapitulando: se a ficção, por mais realista que se apresente, é constituinte de mundos paralelos, os livros ensinaram-me a transitar entre eles. Com essa chave, que comecei a aprender a manejar em livros aos quadradinhos adquiridos por força de artimanhas várias, tornei-me progressivamente um bibliodependente. Intelectualmente, emocionalmente. Fisicamente. Não é recomendável, eu sei, mas não consegui evitar. Conforme combinado, chegou a hora dos exemplos. Escolhi três. Se já conhecerem algum deles (com a idade, a auto-vigilância sobre a repetição das memórias abranda), passem de imediato ao seguinte.

Amores de perdição
Nunca antes me sentira assim perturbado pela leitura de um livro. Entusiasmara-me com as histórias de Os Cinco e deixara-me encantar pelas aventuras de Gulliver, de Robinson Crusoé ou do Rei Artur com os seus cavaleiros da Távola Redonda. Mas aquele era um livro absolutamente diferente, falava de pessoas e de problemas que eu jamais imaginara e cuja significação, aliás, estava longe de atingir por completo. Uma mulher absolutamente adorável irradiava a sua beleza e o seu amor sobre os homens de uma cidade fascinante, Paris. Um jovem, Armando Duval, enamorava-se dela, e a sua paixão, ingénua mas vigorosa, incómoda mas pura, vencia todos os obstáculos com a coragem que só o amor pode alimentar. Mas não lograva evitar a morte da sua amada, Margarida Gautier, vítima de tuberculose, uma doença incurável no século XIX. Armando aplicou o resto da sua vida a recordar esse seu amor dorido pela mulher cuja beleza o autor do romance (Alexandre Dumas, Filho) espelhava na face de pele aveludada como um pêssego que permaneceu intocado, nos grandes olhos negros, nas sobrancelhas em arco, no nariz fino e direito, nas narinas ligeiramente abertas por uma aspiração de vida sensual (fosse o que fosse que isso pudesse querer dizer), numa boca cujos lábios se abriam graciosamente sobre dentes brancos como leite. À medida que progredia na leitura, apercebia-me confusamente que estava a franquear uma porta até aí fechada, dando entrada num mundo novo, de personagens e de sentimentos até aí ignorados. Ocultava cuidadosamente o livro e só me atrevia a lê-lo à noite, depois de me assegurar que os meus Pais se tinham recolhido ao quarto. No silêncio da velha casa, eu incarnava Armando perdido de amores por Margarida. Suspenso da trama, nem me dei conta, um dia, que o meu Pai abrira a porta do quarto, inquirindo do motivo da luz acesa a hora tão tardia. Não tive tempo de esconder o livro, antes que a lesta mão paterna o tomasse. O meu Pai nem queria acreditar: o seu filho com A Dama das Camélias debaixo do travesseiro. Num misto de estupefacção e irritação, perguntou: onde é que foste buscar este livro? – No sótão, Pai, na arca dos livros que eram do Tio Padre – respondi com a inocência dos 12 anos. Num gesto brusco, o meu Pai recolheu o livro e rumou ao seu próprio quarto, no passo hesitante de quem se interroga sobre como lidar com o incidente.

Tigres no Atlântico
As notícias, vincadas pela voz grave do locutor da Emissora Nacional, não punham em dúvida que se tratava de um acto da mais despudorada pirataria. Um navio de transporte de passageiros, um paquete, tinha sido ocupado pela força e obrigado a desviar o seu rumo. Os motivos dos assaltantes eram pouco explícitos. Sentia-me vagamente tocado pela indignação das autoridades, mas intrigava-me a classificação de piratas dada aos autores. Estávamos em finais de Janeiro de 1961 e eu acabava de dar passos na minha educação literária sobre o fenómeno da pirataria. Emílio Salagari entrara, pelo Natal, na minha estante, conquistando de imediato uma prateleira de primeiro plano. As extraordinárias aventuras relatadas nos seus livros decorriam nos mares distantes da Malásia, onde o corso teria sido prática corrente. Os piratas de Salgari moviam-se por razões nobres, a autonomia e liberdade do povo de Monpracem, subjugado por um poder colonial dominador, servido por governadores sem escrúpulos. Era difícil assimilar ao caso do Santa Maria o que aprendera com a leitura do Tigre da Malásia. Eu procurava encontrar as similitudes, mas as incógnitas superiorizavam-se às certezas. Que território queriam, neste caso, os piratas libertar? Acaso as autoridades portuguesas podiam ser equiparadas às da Inglaterra do século XIX? A pergunta era em si mesma perturbadora, e eu estremecia só de pôr a hipótese. O episódio acabaria depressa, nos primeiros dias de Fevereiro, quando os supostos piratas entregaram o navio às autoridades brasileiras. Pareceu-me então desproporcionada a auto-satisfação do Governo pela vitória alcançada. A verdade é que, tal como os ingleses nunca conseguiram aprisionar Sandokan, a recuperação do Santa Maria não foi acompanhada da detenção nem de Henrique Galvão, o comandante da operação, nem de Humberto Delgado, o chefe dos revoltosos.

Pedro Grande
Quando ele apareceu, logo no primeiro volume, eu soube que ele seria o meu herói. Era um homem grande e desajeitado, que entrava nos salões da aristocracia russa como um elefante na loja das porcelanas. Como todos os meus heróis, a partir daí, era bom e infeliz, generoso e por isso desfrutável, apaixonado e consequentemente incompreendido, absolutamente amável mas destinado a sofrer perante a indiferença e frieza de amantes e falsos amigos. Pedro estava disposto a sacrificar-se até ao fim da vida pelos mais sublimes ideais: o derrube dos tiranos e dos opressores, a paz e a harmonia entre os homens, a igualdade e a fraternidade, a irrecusável liberdade da pátria. Não era um militar mas era um valente, não era um estratega mas era um puro. Encontrei-me com Pedro, aliás Pierre Bézoukhov, em dias que precediam provas exigentes. Guerra e Paz era o que a professora Branquinha tinha para me emprestar quando lhe pedi uma sugestão de leitura naquele momento esquinado. – Preciso de ler qualquer coisa para contrariar o nervosismo, expliquei. Ao entregar-me os cinco volumes da edição Minerva, preveniu-me: - É um grande romance, mas talvez esta altura de exames não seja a mais indicada para o ler. Porque não o guardas para as férias? Não esperei, evidentemente. Pierre não me deixou. Ele sentia-se instrumento de um destino e com essa segurança enfrentava os maiores riscos e desafios. Ao pé dos dele, os meus eram bem mais simples e fáceis. Herdeiro de uma imensa fortuna, que realmente não sabia gerir segundo as regras da acumulação da fortuna, lançou-se na utopia de transformar o mundo. Entendeu começar pelo que estava ao seu alcance: o mundo rural, onde afinal se sentia mais à vontade. O objectivo de emancipação do homem aplicou-o então aos seus camponeses, a quem ofereceu ilustração, liberdade e dignidade. Foi animado por esse exemplo que enfrentei os exames do 5º ano do liceu.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Memória dos livros

Primeiro, na aula do Capitão Dario, à Avenida, onde fiz o primeiro ano, foram os pequenos livros de cowboys. Os mais populares, da colecção “Mundo de Aventuras”, cabiam no bolso das calças e podiam esconder-se sob a capa de um caderno diário. Nas prateleiras onde acondicionávamos as pastas, por baixo dos tampos das mesas compridas, o tráfico desses livritos era intenso. Os mais novos (eu, o Clemente, o Preto Ramos) desenvolvemos um método de os surripiar aos mais velhos, usando um elástico com um gancho que prendíamos ao objecto cobiçado. A história era sempre a mesma, o desfecho seguro e certo, a ilustração eloquente, o herói era valoroso e o vilão um safado, a rapariga atraente e frequentemente bem decidida. Esta leitura tinha todos os ingredientes para se tornar compulsiva.
Rapidamente adquiri o vício. O financiamento – 15 tostões por exemplar – foi assacado ao meu avô. O expediente usual eram os trocos dos pagamentos das tarefas de que ele me incumbia: adquirir uma revista para a minha avó, comprar os bilhetes da camioneta, preencher e entregar - a partir de 1961 - o totobola. Ninguém mo tinha dito, mas desde sempre me convenci que se tratava de prática não recomendável. Evitava que o meu Pai tomasse conhecimento da dependência e das suas sequelas. Ocultava o resultado deste movimento aquisitivo num caixote de madeira, no sótão, até que fui miseravelmente descoberto, numa incursão raticida comandada pela minha mãe.
Como esperava, a reacção paterna foi negativa. Estava em causa o que parecia um gasto excessivo e injustificado, uma atracção por matérias duvidosas e um conflito inaceitável entre formas nobres ou ignóbeis de ocupação do tempo. Apesar de antecipado, o castigo que o meu Pai me infligiu pareceu-me, porém, desproporcionado e excessivo. Fiquei envergonhado e revoltado. Por uma noite dormi fora de casa.
A segunda fase fez entrar na voragem outro tipo de livros, livros com lombada e autor, livros a sério. O meu Tio ajudou a gerir a crise da repressão sobre o consumo de trash cowboyesco e a transição de acesso à literatura. Dava instruções e orientava pessoalmente as compras em épocas especiais: aniversários, passagens de ano e natais. Continuei a ser um devorador de livros, mas o vício tomou uma forma menos clandestina e aparentemente menos exclusivista. As fontes de abastecimento diversificaram-se, passando a incluir além de aquisições e presentes, o empréstimo de amigos e familiares, a procura desenfreada dos salvados das antigas bibliotecas dos padres (ou candidatos mal sucedidos ao sacerdócio) Bonifácios e a biblioteca Gulbenkian sita nos Pavilhões do Parque.
O impulso consumista manteve-se alto e abarcou diferentes géneros: a literatura para adolescentes (Condessa de Ségur, Enid Blyton, Emílio Salgari), a novela policial, o romance de aventuras. E, por fim, o romance, o grande romance (Camilo, Dumas, Eça). Falarei dessa progressão não linear a seu tempo, se a benevolência do gestor deste blogue [João Jales, Antigos Alunos do Externato Ramalho Ortigão] o autorizar e a paciência dos leitores o tolerar.
É verdade que, como nas boas famílias tradicionais sempre se soube, o risco que corria era elevado. Os meninos que liam de mais acabavam a tresler. Foi, mais ou menos, o que se passou comigo. É certo que já lá vai quase meio século desde os acontecimentos que relato e consegui abafar o caso e disfarçar as suas consequências. Mas de facto, a passagem da literatura de cowboys à literatura propriamente produziu uma alteração radical de valores. Uma subversão do real. Como se diz em brasileiro, o mundo pontacabeça.
Ou seja, enquanto li livros de cowboys, tudo bem. Eu percebia que aquilo não existia. Mas quando comecei a ler romances, aconteceu uma coisa surpreendente: uma cortina de névoa, cada vez mais espessa, isolava-me de tudo o resto à minha volta. Ao alcance do meu olhar, por vezes até das minhas mãos, quando não dos restantes sentidos, ali estavam personagens que deviam ser imaginários, cenas que deviam ser virtuais, objectos que deviam ser imateriais. Mas não eram: tinham espessura, cheiro, vida. Não, não se tratava de representação, de projecção da alegoria das cavernas. O que se passou comigo foi simplesmente isto: mundos paralelos. Conhecem a teoria? Ao lado do mundo que nós julgamos real, há outro, com outras regras, outros personagens, outra história. Ambos os mundos são reais, mas prosseguem lógicas distintas, ignoram-se mutuamente. Pois bem: eu aprendi a transitar entre um e outro, graças aos livros.

terça-feira, 27 de março de 2012

Na próxima Sexta-Feira

O Presidente da Fundação Cidade de Guimarães, João Serra convida-nos a passar Meia-noite em Paris, dia 30 de março, às 21h30m, no auditório da Casa de Camilo, em Vila Nova de Famalicão
Convidado:
João Bonifácio Serra é Professor Coordenador da Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha do Instituto Politécnico de Leiria e investigador do Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Foi vogal executivo da Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República (2008-2009) e é actualmente Presidente da Fundação Cidade de Guimarães, a entidade responsável pelo projecto Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura. Entre Setembro de 2009 e Agosto de 2011 foi Administrador Executivo da mesma entidade, com o pelouro da programação artística e cultural. É autor de diversos estudos sobre questões de história política portuguesa dos séculos XIX e XX, publicados em Portugal e no estrangeiro. Colaborou em obras colectivas sobre história da República e do republicanismo. Foi comissário de exposições relativas à mesma temática. Exerce funções de direcção científica na Casa dos Patudos de José Relvas – Museu de Alpiarça. Foi assessor e Chefe da Casa Civil do Presidente da República Jorge Sampaio (1996-2006), integrou a Comissão Nacional para as Comemorações do Dia de Camões e das Comunidades Portuguesas, foi membro do Conselho de Imprensa. Detém diversas condecorações estrangeiras e nacionais (Ordem da Liberdade e Ordem Militar de Cristo). É desde 2011 membro do Conselho Nacional das Ordens Honoríficas Nacionais. Filme a exibir: Meia Noite em Paris
Realizador: Woody Allen
Sinopse: Comédia de Woody Allen que decorre em Paris e conta a história de uma família que viaja até lá em negócios, e de um casal, prestes a casar, que durante a sua estadia vai viver um conjunto de experiências que lhes muda a vida. É ainda a história do amor de um jovem pela cidade de Paris, e da ilusão, que quase todos partilhamos, de que a vida dos outros é sempre melhor do que a nossa. Meia-Noite em Paris é o postal de namorados de Allen à cidade da Luz, uma cidade que ele coloca, em estima, ao nível de Nova Iorque.

segunda-feira, 26 de março de 2012


O espectáculo de espaço público apresentado em 21 Janeiro e 24 de Março em Guimarães resultou de um concurso em que se apresentaram vários proponentes. O caderno de encargos exigia além de um orçamento muito comedido, uma forte participação de estruturas locais e a marcação de 5 momentos dos ciclos de programação: abertura, Março, Junho, Setembro e encerramento . O projecto escolhido pelo júri apresentava a particularidade de desenvolver uma narrativa, inspirada numa história de Guimarães, desdobrada em 5 episódios. O consórcio vencedor é representado pelo CCTAR (Centro para a Criação de Teatro e Artes de Rua) e pelos La Fura Dels Baus.
O cenário escolhido para o segundo episódio foi o da vertente exterior da antiga muralha de Guimarães, entre os Largos do Toural e da Mumadona. Os elementos da narrativa foram apresentados em sucessão, ao longo do espaço, obrigando os espectadores a deslocarem-se, acompanhando a exposição dos actores e objectos cénicos.
No pano de muralha que ostenta a inscrição Aqui Nasceu Portugal, desceu uma figura humana alada, sob projecção de um movimento simulando o voo. Anunciava um nascimento. O processo doloroso da criação, num ambiente líquido que se tingiu de vermelho, desenrolou-se em seguida. Do transporte da criação assim lograda se encarregou o cortejo, onde avultava a fanfarra de Vizela e um grupo de marjoretes.

É essa criação que desperta o transformer, acordado do seu sono profundo e lhe confere humanidade e dá vida à roda que se eleva, iluminada, nos céus, antes de percorrer o longo caminho, de novo guiada pela muralha, até ao Largo da Mumadona. 


O cavalo, símbolo como vimos no episódio anterior, da história e da tradição, é igualmente tocado pela presença da roda da criação. Soergue-se e caminha até ao palco central, onde introduz um espectáculo que pretende, sob direcção de Clara Andermat e a execução do Grupo Folclórico de Serzedelo, efectivar um dialogo criativo entre folclore e dança e musica contemporâneas. No final, o cavalo parte para o Castelo (onde decorrerá o próximo episódio, a 24 de Junho.

Este espectáculo, além da participação do Rancho e da Fanfarra locais, obteve o concurso de 65 voluntários que intervieram em operações fundamentais como a descida do anjo, a manipulação do transformer e do cavalo, a movimentação da roda.
Na apreciação global desta performance e do seu efeito visual, todos estes aspectos deverão ser tidos em conta.

domingo, 25 de março de 2012

sábado, 24 de março de 2012

sexta-feira, 23 de março de 2012

quinta-feira, 22 de março de 2012

quarta-feira, 21 de março de 2012

À janela de Orson Welles

Orson Welles e Joseph Cotten, Citizen Kane, 1941

terça-feira, 20 de março de 2012

segunda-feira, 19 de março de 2012

domingo, 18 de março de 2012

Edson Athayde

Edson Athayde esteve ontem, na Biblioteca Municipal Raul Brandão, na primeira sessão pública da residência de escrita que iniciou há duas semanas. Brasileiro e português, com poiso intermitente em Barcelona e Los Ângeles, reside há duas semanas em Guimarães. Falou do seu novo livro, Jonas vai morrer, que será concluído na Capital Europeia da Cultura.
Algumas frases do seu diálogo com o público presente:

- Vou dar a ver os rascunhos do livro que estou a escrever. O leitor tem direito a espreitar o livro que se está a escrever? Talvez não, mas o livro não é uma catedral onde para entrar seja preciso vestir o melhor fato.
- Os contos populares tem núcleos simples: o herói sofre um dano ou tem uma carência. As tentativas de recuperação do dano ou superação da carência constituem o corpo da narrativa.
- Todos os alfabetizados podem contar uma história.
- Para contar uma boa história que se passe em Paris ou Londres não é preciso ser parisiense ou londrino. É o caso de Woody Allen.

Decálogo de escrita

As 10 regras de Elmore Leonardo reescritas por Edson Athayde

1 - a meteorologia não interessa
2 - evite prólogos
3 - nos diálogos só use o verbo "dizer"
4. - decididamente, fuja dos advérbios
5 - cuidado com as exclamações
6 - nada acontece "de repente"
7 - seja ávaro com os regionalizemos, carago!
8 - não explique os seus personagens em demasia
9 - não explique os cenários em demasia
10 - corte o que nem você leria.

sábado, 17 de março de 2012

Uma deusa na cama de um homem

De seguida lhe respondeu Tétis, vertendo lágrimas:
"Hefesto, haverá alguma das que são deusas no Olimpo
que tenha sofrido no espírito dores funestas, como as que,
além de todas as outras, Zeus Crónida me deu a mim?
Entre as filhas do mar fui eu que ele deu a um mortal
para me subjugar, a Peleu Eácida, e aguentei a cama
de um homem, contrariada. Por causa da velhice funesta
jaz ele acabado no palácio, mas outras são as minhas dores."

Homero. Ilíada. Trad. de Frederico Lourenço. Lisboa, Edições Cotovia, 2005. p 380

sexta-feira, 16 de março de 2012

Registo

Estamos prestes a terminar um ciclo de Guimarães 2012 e iniciar outro. Uma nova “abertura” da Capital Europeia da Cultura vai ocorrer, daqui a uma semana, a 24 de Março. Haverá, como em todas as transições, continuidades e mudanças.
Estamos aqui para falar de ambas. Dar conta do que aí vem, sem deixar de fazer um balanço dos quase dois meses de programação cumpridos.
Encerramos um ciclo, Tempo para Encontrar. Na narrativa que propusemos, um tempo para calibrar a relação entre novos projectos e estruturas existentes, para cruzar experiências e colocar em contexto as propostas oriundas do exterior, para provocar a fronteira entre o público e o privado, para testar a capacidade de seduzir novos públicos e somar audiências de Guimarães 2012.
O balanço que fazemos, verificado por diversos indicadores, é positivo e estimulante. Confirma, tudo o indica, as apostas da programação que anunciámos e Dezembro, mesmo as mais ousadas.
Há, em primeiro lugar, que sublinhar que a produção, nas condições exigentes dos calendários e ritmos previstos, foi exemplar. Realizamos todos os eventos programados, mais de centena e meia (nem um só foi cancelado).
Na sua diversidade, a programação percorreu todas as áreas disciplinares anunciadas e a todas elas trouxe novas criações. Apresentamos estreias e obras expressamente elaboradas para a Capital Europeia da Cultura, no cinema, no Teatro, na Dança, na Música, nas Artes Plásticas. Todas as áreas de programação foram mobilizadas, da Comunidade aos Tempos Cruzados, do Pensamento à Cidade. Catálogos e outras publicações vieram a lume. O património histórico-cultural vimaranense foi aprofundado. O movimento associativo dinamizado. Os festivais da cidade reforçados. Criadores nacionais e internacionais cruzaram-se em Guimarães, como tinha sido prometido.
Com este pano de fundo, é justo salientar alguns aspectos mais significativos e que pretendemos sejam adquiridos para o futuro:
- uma entusiástica adesão à Capital por parte dos vimaranenses e um empenho no seu sucesso por parte dos mais diversos parceiros, institucionais, empresariais, da sociedade civil;
- um reconhecimento generalizado de Guimarães 2012 como uma iniciativa pertinente e merecedora de confiança e aplauso;
- a qualidade artística e cultural de projectos de montagem complexa, como a Orquestra, o Centro para os Assuntos da Arte e da Arquitectura, os grandes espectáculos performativos em espaço público, e a ASA
- um destaque especial para este último, um espaço de criação e exibição que coloca Guimarães no plano das grandes cidades da Europa, resultado de uma parceria com promotor privado e que além de salas de ensaio e apresentação de artes performativas, tem agora a decorrer um Laboratório internacional de curadoria, duas grandes exposições de nível excepcional;
- uma adesão persistente dos públicos, garantindo o sucesso da marca Guimarães 2012.



[texto da intervenção inicial da Conferencia de Imprensa realizada a 16 de Março, no espaço ASA]

quinta-feira, 15 de março de 2012

À janela de Luciano Emmer

La Ragazza in Vetrina, filme de 1961, realizado por Luciano Emmer.

quarta-feira, 14 de março de 2012

À janela de João de Araújo Correia

A procissão passava, com a Senhora no alto do andor, trémula de susto ou contentamento. Levada sobre ombros desiguais e em mau piso, tremia cheia de graça ou temor próprio de coração melindroso. Fosse como fosse, ora pro nobis... Também o alfaiate, mais trémulo de ano para ano, ia remoendo um pouco debruçado na janela, que era um leque de várias cores, o desgosto de não ser estimado nem admirado, como quem era, na sua terra natal - escondida entre pinheiros bravos, oliveiras cobertas de ferrugem e colossais cabeças de granito.
- Esta minha terra só tem fidalgarias. Mas se a Câmara quisesse, eu dava-lhe dinheiro para coisas úteis. Ponto é que se lembrasse de mim com alguma consideração... Dava-lhe uma escola e até lhe dava um hospital. Mas, não me está no ânimo fazer festas a galego - como se costuma dizer.
[...] Pois é ... Se a Senhora Câmara quisesse, tudo se poderia arranjar. Eu pagava o chafariz. Mas, em vez de chafariz, ficava melhor, no meio da praça, a minha estátua - com a fita estendida entre as mãos, no acto de tirar medidas. Não era preciso mais nada. Quero dizer: eu até pagava a relva do monumento, água para a regar e jardineiro capaz de a trazer espontada. Por minha morte, só para a relva, para a renovar e meter de permeio umas florinhas, deixaria eu o preciso - uma continha calada.
De ano para ano, tantas vezes olhou para o tremendo busto do soldado, que deixou de o ver. No lugar do corpanzil de trincheira, com a espingarda encostada ao peito, viu-se a si próprio, com a fita estendida no acto de tirar medidas.
[...] De tanto se ver, no lugar do soldado, começou a ser feliz, cada vez mais feliz de ano para ano.
[...] Areou-se-lhe o juízo. Mas, passou a alfaitaria sem impedimento. Casou com a actriz, vendeu a quinta do Sul e veio acabar os seus dias à cidade Natal - escondida entre pinheiros bravos, reboludos penedos de granito e oliveiras comidas de ferrugem. Sem sair da janela, que era ali o seu poiso, debruçava-se sob o rossio e deixava cair, sobre o passeio, um fio de baba glorioso.

João de Araújo Correia, "O Grande Alfaiate", in Tempo Revolvido. Régua, Douro Editora, 1974p.  57-61. 

terça-feira, 13 de março de 2012

De Raul Brandão para Columbano: "gente feliz, corada e palreira"

Columbano
[...] Guimarães é uma cidade perfeitamente Idade Média, com palácios, igrejas e casas minhotas curiosíssimas. Tudo isto tem um aspecto de que você deve gostar muito. Os arredores, a paisagem, até nos dias de chuva, são admiráveis. Lindas raparigas e vinho verde magnífico a cinco mil réis a pipa; acrescentado isto, fica você percebendo que esta terra basta para  a minha felicidade. Estou portanto contente. Não vejo à minha volta senão gente feliz, corada e palreira - e a alegria é, como sabe, comunicativa.
Aluguei uma cada fora da cidade com um enorme quintal e um telheiro. De lá, nestas duas últimas tardes de calor, amodorrado olho a Penha - uma montanha eriçada de penedia e as árvores que separam os campos, cobertas de vinha. Trabalho da uma ás quatro meia. Depois passeio, como e durmo. Uma vida de abade.
Cá o espero sem falta no fim de Agosto com a  sua senhora. Vou dispondo tudo para isso. É preciso que não falte. Se você se puder habituar ao vinho verde, não há-de querer sair mais de cá. Conto com isso.

16 de Junho de 1898

Manuel Mendes, Raul Brandão & Columbano. Lisboa, 1959.

segunda-feira, 12 de março de 2012

De Columbano para Raul Brandão: "você não me tinha dito nada"

Meu amigo:
[...] Vi há dias num jornal que estava para breve o seu casamento com uma senhora de Guimarães. Fiquei espantado, você não me tinha dito nada a tal respeito. Se assim é, daqui lhe envio as minhas felicitações, desejando-lhe as maiores felicidades e fazendo votos para que encontre uma mulher que o compreenda, que o admire e que o respeite como você merece. Desculpe-me pelo muito que peço e que desejo. Há quem diga que o artista não deve casar. Eu penso o contrário, o artista mais do que ninguém precisa de ter a seu lado quem lhe seja afeiçoado, ainda que o não entenda, ainda que o não admire tanto quanto merece mesmo. É ainda o único refúgio que temos no meio vivo, e dolorosos sofrimentos por que passamos, encontrar uma criatura amiga sincera e dedicada, um coração com quem desabafar as muitas amarguras com que somos mimoseados tanto a miúdo. Isto por si constitui já enorme felicidade! Creia. Porque o artista tem o coração como uma estalagem, e é desse sofrimento que tem de tirar partido, para rejozijo dos outros.

22 de Outubro de 1896.

Manuel Mendes, Raul Brandão & Columbano. Lisboa, 1959. p. 49-50.

domingo, 11 de março de 2012