Um Dia de Vergonha na Assembleia
Ontem foi um dia de vergonha para o Parlamento e para o sistema político. Numa estranha coligação táctica, PSD, PP, Bloco e PCP juntaram-se para revogar uma das políticas emblemáticas do Governo, o modelo de avaliação dos professores. Num ápice, a pulsão destrutiva da maioria parlamentar sobrepôs-se a anos de estudos, de discussões, de negociações, de manifestações e de greves. Não se sabe muito bem se a mola real desta coligação foi o desejo de cativar a força eleitoral da classe docente, mas adivinha-se, isso sim, que vai alimentar a ideia de que as políticas públicas estão reféns dos interesses conjunturais e das estratégias partidárias. E se nesta triste história de facilitismo os partidos dos extremos do sistema político se mantiveram fiéis às suas teses, a memória do PSD neste processo exigiria outra atitude. Em primeiro lugar porque o PSD sempre se distanciou das tentativas de revogar a avaliação; em segundo, porque, mesmo querendo mudar, o partido tinha de saber esperar pela próxima legislatura. Dizem os seus responsáveis que a votação de ontem estava agendada, que nada teve a ver com o novo contexto criado com a demissão do Governo. Talvez, mas ao nada fazer para suspender a votação, o PSD e os seus parceiros de manobra acordaram numa revogação à socapa, talvez esperando colher a satisfação dos professores e o alheamento dos restantes cidadãos. Não é isso que acontecerá, nem é isso que deve acontecer. Matar um modelo de avaliação e pedir hipocritamente ao Governo que negoceie com os sindicatos um substituto num prazo de seis meses é hipócrita, irresponsável e indecente. Como o gesto digno de José Pacheco Pereira teve o condão de revelar.
Editorial de O Público, edição de hoje.
domingo, 27 de março de 2011
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7 comentários:
Há coisas que, chegando a determinado estado, já não têm maneira de ser senão uma vergonha. Qualquer solução ou desfecho são vergonhosos.
A mim também me envergonha a questão da avaliação dos professores e aquilo que tem gerado à sua volta, tanto mais que sou professora.
A mim também me envergonha o estado geral a que o país chegou, de que a avaliação dos professores é apenas um dos aspectos, e certamente não o mais relevante.
Envergonha-me que os dirigentes políticos de outros países falem de Portugal com o à vontade com que o fazem e que nós ainda venhamos acrescentar mais vergonha à vergonha, subscrevendo-os.
Envergonha-me que Pacheco Pereira, tão cheio de "gestos dignos", diga a quem o quiser ouvir que toda esta crise política foi forjada por José Sócates para se livrar de responsabilidades, e que o PSD se limitou a caír na ratoeira que lhe foí armada.
Será que também essa análise de P.P. corresponde a um "gesto digno"?
- Isabel X -
Prof João Serra,
Mas há muito que sabemos que as políticas públicas estão reféns dos interesses conjunturais e das estratégias partidárias. Não é novidade. O próprio PS não é inocente. Queremos então o quê? Um novo regime? O fim dos partidos?
Viva caro João.
Como decerto sabe, esta decisão do parlamento foi considerada por muitos (dos que estão nas escolas mesmo) uma vitória da cidadania. Levo 5 anos e mais de 400 posts a tentar derrubar uma avaliação que era quase fascismo por via administrativa (sinto-me de perfeita saúde); socorro-me sempre do se passou na France Telecom para ajudar os mais distraídos; mas, confesso, estou a recuperar o fôlego. Interessou-me pouco a cor partidária ou momento da queda; foi na casa da democracia e ainda bem.
Desculpe, e apenas para me poupar, vou colar o post que escrevi na altura em que li esse editorial:
"O deputado Pacheco Pereira votou contra a suspensão da avaliação de professores. É a democracia. Esse facto legitima os que defendem que interessou mais a queda do monstro, e o abalo nas ideias subjacentes, do que as cores partidárias que votaram nesse sentido. Se os democratas que apareceram a defender a manutenção do desmiolo o estudassem bem e tentassem perceber o que se passou na France Telecom, talvez se arrepiassem com o que andam a afirmar. A história e o tempo talvez se encarreguem da elucidação.
Os argumentos do deputado do PSD revelam algo que já se suspeitava: há um conjunto de políticos de antiga influência que estão a ver a realidade a fugir-lhes entre os dedos; já foi assim com as análises à geração á rasca e regressa agora. A visão maniqueísta dos bons governantes e dos maus sindicatos é uma disquete do passado. Pacheco Pereira declarou que votou contra para não ver os sindicatos a mandarem de novo nas escolas. O deputado está tão formatado que nem percebeu o que se conseguiu; apesar dos sindicatos, votou-se o fim daquela avaliação. O problema português é também geracional: a das benesses ilimitadas deve ser muito mais humilde para não ficar mal, de vez, na fotografia."
Receba um estimado abraço.
Caro Paulo,
Admiro a sua coragem, o seu empenho e a sua determinação. Não tenho a menor dúvida que as suas convicções em matéria de avaliação de professores são genuínas e fundamentadas
Permita que me repugne a forma como a "casa da democracia" tratou este tema. Como sabe, até já o tratou de diferentes modos. Nenhum deles pode exibir vestígio de superioridade moral.
Abraço amigo,
João Serra
Tenho lido Deleuze, autor que vem a propósito citar. Diz ele, referindo-se à transição da sociedade disciplinar para a sociedade de controlo, o seguinte:
"Entramos em sociedades de controlo que funcionam já não por encerramento, mas por controlo contínuo e comunicação instantânea. (...) Evidentemente, fala-se a todo o momento da prisão, da escola, do hospital: são instituições em crise. Mas se estão em crise, é precisamente em combates de retaguarda. O que se instaura,de modo tacteante, são novos tipos de sanções, de educação, de cuidados. Os hospitais abertos, as equipas dispensadoras de cuidados no domicílo, etc., apareceram já há muito tempo. Pode-se prever que a educação será cada vez menos um meio fechado, distinguindo-se do meio profissional como outro meio fechado, mas que esses dois meios desaparecerão em benefício de uma terrível formação permanente, de um controlo contínuo exercido sobre o operário-liceal ou o quadro-universitário. Tentam fazer-nos crer numa reforma da escola, quando é de uma liquidação que se trata. Num regime de controlo, nunca se acaba com nada."
Dá que pensar, não? E mais adiante acrescenta:
"Acreditar no mundo, é isso que mais nos falta; perdemos completamente o mundo, desapossaram-nos dele. Acreditar no mundo é também suscitar acontecimentos, ainda que pequenos, que escapem ao controlo, ou fazer nascer novos espaços-tempos, ainda que de superfície ou volume reduzidos. Trata-se daquilo a que você chama pietás. É ao nível de cada tentativa que se julgam a capacidade de resistência ou pelo contrário a submissão a um controlo. São precisos ao mesmo tempo criação e povo."
- "Conversações", 1990, Lx, Fim de Século Editores (p.p. 234 -237)
- Isabel X -
Viva João.
Obrigado pelas suas palavras.
Estou de acordo com o seu comentário.
Olho para essa questão do modo que referi no comentário. Para quem tinha como agenda o derrube da coisa era simples; a sua repugnância pertence a outro domínio.
Ainda hoje acrescentei: "(...)A questão é como com os direitos humanos: todos, já e sem mitigações; o modelo era mesmo mau e não conheço quem argumente o contrário a não ser com superficialidades ou generalidades.(...)".
A Isabel X não se vai importar, mas vou levar o conteúdo do seu comentário para mais uns posts sobre o tema :) :)
Aquele abraço.
Ora essa, Paulo, fico bem contente com a perspectiva. Ágradeço.
- Isabel X -
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