Na exposição industrial, secção das escolas femininas, trabalham à vista do espectador três discípulas da escola de Peniche. Três rendeiras em bancos altos de madeira, tendo na frente a almofada redonda, sobre cavalete adequado.
Nesta almofada, pregado o desenho a seguir na tessitura, e dezenas e dezenas de bilros pendem, em grandes molhos, tendo a linha enrolada numa das extremidades.
A renda vai-se aplicando ao desenho por meio de alfinetes que fazem ponto de apoio, de roda dos quais os bilros giram, bordando os arabescos, os florões, os microscópicos desenhos, com uma ligeireza de fazer vertigens a quem olha.
A destreza que estas operárias no entretecer daquelas tenuíssimas fantasias, é notável; e no jogo dos dedos, os centos de bilros dançam, giram, turbilhonam, indo e vindo, tocados de pequeninos piparotes, tais como os daria um gatinho gaiato numa bola de papel com que brincasse. Mesmo a postura delas é graciosa, curvadas sobre a almofada do feitio dum grande regalo, e seguindo com solicitudes artísticas, preocupações de estética, o encantado trabalho que as estanca e lhes tira a vista aos trinta anos de idade, e nem sequer às vezes lhes dá o estipêndio modesto de que necessitam para sustentar-se.
Elas são três, as rendeiras que trabalham na exposição. Duas mulheres, Benvinda e Georgina, uma loira picante de olhos pálidos, fresca e senhoril, cuja pequena boca, espremida em morango vermelho, parece dizer bastantes coisas acerca da aspiração das mulheres bonitas que ganham dois tostões por dia no trabalho, e têm na fantasia, em núcleo ainda, um rol de despesas para mais de seis mil libras quotidianas. E entre as duas mulheres, uma criança de sete anos, loira também, de grandes olhos, carita original que mexe e se espevita, o queixo breve, a boca em flecha, o nariz um pouco grosso de narinas... Divina cabecita de ave e querubim, agitadiça e vivida, debicando por tudo, sorrindo a tudo! E em cujos pipios, meneios, vivacidades, há reminiscências do céu e do ninho fofo de pintasilgos donde ela, com toda a certeza, debandou. Nome: Maria Angélica Capelas. Levem-lhe bolos.
Aos três anos já começara a fazer renda. [...]
Fialho de Almeida, Vida Irónica. Jornal dum Vagabundo. 2ª edição. Lisboa, Clássica Editora, 1914 [1ª edição, 1892], p. 174-175.
domingo, 10 de janeiro de 2010
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2 comentários:
Ah! Grande Fialho... Tão longe e tão perto está esta descrição. Estas, Benvinda, Georgina e Maria Angélica, são as rendilheiras imortalizadas, neste escrito. É hora de prestar homenagem a muitas outras para quem as rendas foi sustento e a outras que as têm sustentado, impedindo-as de desaparecerem.
Presto homenagem a este post que também para isso contribui.
Obrigado pelo seu comentário, Teresa, Um bom ano para si.
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