quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Haiti=desesperança

Peço licença a A. P. para transcrever aqui parte da carta que ontem enviou aos amigos dando conta da situação no Haiti, onde vivem e trabalham familiares seus:

O Haiti já era de uma pobreza terrível e com um sismo desta amplitude, a luta por medicamentos e
comida, qualquer tipo de bens transaccionáveis, deve ser ainda mais desesperada.Trata-se de um país onde nem nas cidades existem redes de distribuição de água, electricidade ou esgotos. Os rios atravessam-se a vau porque as pontes estão destruídas ou não existem. A violência é brutal, com crianças e mulheres a serem sistematicamente batidas e violadas. Quase  não há vida de comunidade. A solidariedade ou a noção de corresponsabilização social são-lhes estranhas. Há roubo, vandalismo, lutas de gangs. Vivem das remessas dos haitianos emigrados no EUA ou Canadá. Pouco ou nada produzem.
Transmito-lhes o que me têm contado, evidentemente. [...] O Haiti é incomparavelmente mais pobre e, pior do que isso, desestruturado. Nada funciona: escolas, tribunais, hospitais. Imaginem, por exemplo, depois de muitas reuniões com os notáveis locais, que fica decidido fazer o esforço de constituir uma pequena esquadra de polícia. Depois da formação cívica e técnica dos futuros agentes da lei, da dotação de algum material para a esquadra, passado um mês desapareceu tudo porque papel, cadeiras, mesas, armas, foi tudo vendido e, para tornar a coisa mais clara, incendeiam o que fica!
Rodeado pelo magnífico Mar das Antilhas, nenhuma praia é utilizada: não há tratamento de esgotos - não há mesmo esgotos, é tudo a céu aberto e os detritos acumulados na areia são óptimos para a criação de porcos! Um mar que não sustenta quase nenhuma pesca, note-se. Com clima tropical húmido faz impressão não ver árvores em muitas áreas da ilha, todo o relevo despido de qualquer vegetação, cortado por ravinas que carreiam todo o solo arável para o mar.

Bairo de Martissant na capital do Haiti, Porto Príncipe
O brutal regime de Duvalier e os seu Tomtom Macoute reforçaram uma religiosidade cruel, baseada em práticas de vodu, que não hesitam em mutilar ou sacrificar crianças e jovens nos seus rituais.
Escrevo tal e qual como o tenho ouvido [...]. Escrevo também para que avaliem melhor o efeito de um sismo de tal grandeza e destruição nesta sociedade onde não existe nada senão desesperança.

2 comentários:

Isabel X disse...

As palavras não chegam para comentar as descrições contidas neste texto. Impressiona ser sobre um povo com uma vida tão trágica que cai mais esta tragédia. Como se sofrimento trouxesse sofrimento; como se o sofrimento (ali) nunca fosse suficiente.

É de louvar os que vão ajudar (já começaram a ir); é horrível ver quanto nada era possível fazer face à catástrofe (enquanto essa ajuda não chega) porque só as mãos, literalmente, serviam para escavar os escombros e procurar quem estava soterrado.

É uma visão do Inferno ver tanta gente prostrada pelo sofrimento mais atroz, tantos mortos amontoados pelas ruas. Outros passando já indiferentes (?) por entre os feridos e os mortos porque, para sobreviver, cada um tem que cuidar de si primeiro. Como se já tivessem aprendido uma anestesia qualquer.

Deviam chover lágrimas de sangue, deviam revoltar-se as águas e os ventos, deviam soçobrar montanhas, deviam voltar-se do avesso todas as vontades do mundo.

Mas não... limitamo-nos (talvez) a mudar de canal televisivo, a comentar (talvez) o sensacionalismo das notícias e a esquecer (talvez) até ao próximo cataclismo "natural". As consciências sempre tranquilas, ou com um pequeno e adequado sobressalto de vez em quando.

Só que nós somos aquelas pessoas. Cada um de nós é (também) cada uma daquelas pessoas. O que acontece lá, acontece em todo o lado, modifica a realidade inteira, do mundo inteiro, por pouco perceptível que isso nos seja.

Afinal, também já aprendemos uma qualquer anestesia... e sobrevivemos enquanto nos for possível fazê-lo.

- Isabel X -

J.L. Reboleira Alexandre disse...

O Haiti foi a primeira república negra independente, há cerca de 200 anos. No Haiti não há mulatos, a Republica Dominicana ali ao lado é constituida maioritariamente por mestiços....

Não há estradas entre os dois paìses!

A Governadora Geral do Canadá (representante de Sua Majestade Britânica - a nossa Rainha) é nativa de Port au Prince. Grandes escritores do Quebec são Haitianos.

A Comunidade Haitiana do Quebec, é geralmente constituída por Médicos, Enfermeiras e Taxistas. Também há os inadaptados que engrossam os gangs de rua. Muito visiveis devido à côr da pele.

Aqui são, de uma forma geral respeitados e trabalhadores.

Tiveram de abandonar o seu País.
Muitos mais vão agora chegar, em aviões fretados, que já começaram a ponte aérea para esta cidade. Porquê perguntarão, porque a lingua deles depois do Creolo é o Francês, e não aquela espécie de Inglês que falam para as câmaras de TV.

Et voilá, l autre coté de Haiti.