Presas no alto gorro ou na própria disciplina, levam
fitinhas de cores, cada um a sua, e se a mulher eleita que à janela anseia de
angústia, de piedade pelo amador sofredor, senão também de gozo a que só muito
mais tarde aprenderemos a chamar sádico, não souber, pela fisionomia ou pelo
vulto, reconhecer o amante na confusão dos penitentes, dos pendões, do povinho
derramado em pavores e súplicas, do vozear das ladainhas, do bambear
desacertado dos pálios, dos cabeceamentos bruscos das imagens, adivinhará ao menos
pela fitinha cor-de-rosa ou verde, ou amarela, lilás, se não vermelha ou cor do
céu, é aquele o seu homem e servidor, que lhe está dedicando a vergastada
violenta e que, não podendo falar berra como o toiro em cio, mas se às mais
mulheres, da rua, e a ela própria, pareceu que faltou vigor ao braço do
penitente ou que a vergastada foi em jeito de não abrir lanho na pele e rasgões
que cá de cima se vejam, então levanta-se do coro feminil grande assuada, e
possessas, frenéticas as mulheres reclamam força no braço, querem ouvir o
estralejar dos rabos do chicote que o sangue corra como correu o do Divino
Salvador, enquanto latejam por baixo das redondas saias, e apertam e abrem as
coxas segundo o ritmo da excitação e do seu adiantamento. Está o penitente
diante da janela da amada, em baixo na rua, e ela olha-o dominante, talvez
acompanhada de mãe ou prima ou aia, ou tolerante avó, ou tia azedíssima, mas
todas sabendo muito bem o que se passa, por experiência fresca ou recordação
remota, que Deus não tem nada que ver com isto, é tudo coisa de fornicação, e
provavelmente o espasmo de cima veio em tempo de responder ao espasmo de baixo,
o homem de joelhos no chão, desferindo golpes furiosos, já frenéticos, enquanto
geme de dor, a mulher arregalando os olhos para o macho derrubado, abrindo a boca
para lhe beber o sangue e o resto.
José Saramago, Memorial do Convento.