quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Feriados


Consta que o feriado de amanhã vai ser erradicado, juntamente com o feriado do 5 de Outubro. Há quem pense tratar-se de uma medida que visa combater o desperdício, recuperando para o trabalho normal dias que perderam a significação simbólica mobilizadora que originou o sua consagração como feriados. Adicionalmente, ter-se-ia logrado um certo equilíbrio distributivo na medida, pois a um feriado comemorado por monárquicos somou-se um outro de comemoração republicana. 
Sucede que ambos - 5 de Outubro e 1º de Dezembro - tinham obtido consagração pela República, que em ambos viu ensejo de exaltação da Pátria e dos valores de integração politica nacional.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

À janela de Henri Matisse

Henri Matisse  (Le Cateau-Cambrésis 1869–1954 Nice), The Three O'Clock Sitting, 1924.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Uma singular crónica da Segunda Guerra Mundial

Criada em 1927, a “Olaria” de Alcobaça teve na origem Joaquim Vieira da Natividade, António Vieira da Natividade e Silvino da Bernarda. Da louça utilitária tradicional, a empresa rapidamente abriu novas linhas de produção, o que incluia réplicas de louça antiga, a par da louça inspirada na de Coimbra, pintada e estampilhada. Nos anos 40, e sobretudo na segunda metade da década, a fábrica responde a um aumento da procura com uma significativo investimento na modernização tecnológica e dos processos de fabrico. Encerrou em 1984.
O "Armazém das Artes", um centro cultural de iniciativa particular (da inspiração e investimento do artista plástico José Aurélio) inaugurou no Sábado, uma exposição singular de 31 pratos produzidos entre 1940 e 1945 na “Olaria”. São pratos de suspensão com as dimensões da produção corrente, entre 20 e 30 centímetros de diâmetro.
O centro destes pratos era normalmente preenchido com pinturas (paisagens, cenas rurais, galantes ou de costumes) ou quadras ou provérbios de cariz popular. Os 31 pratos que o "Armazém" reuniu agora tratam de um tema absolutamente inesperado: acontecimentos marcantes da evolução do confronto político-militar que opôs, entre1939 e 1945, as potencias Aliadas (Inglaterra) às do Eixo (Alemanha).
Trata-se de uma autêntica crónica dos sucessos da Guerra, reflectindo a perspectiva aliadófila, apoiando expressamente a Inglaterra, o seu principal dirigente politico, Winston Churchill, a sua mais emblemática força militar, a RAF, um dos seus mais carismáticos chefes militares, Bernard Montgomery, as suas instituições parlamentares.
As inscrições no centro dos pratos são completadas ou reforçadas com legendas que surgem no reverso das peças, um recurso invulgar. Há indicações de que esta produção possa ter atingido várias centenas.






domingo, 27 de novembro de 2011

À janela de Eça


E, todavia, Deus sabe que elle não é agradavel, esse inverno de Londres! De manhã, ao acordar, tem-se deante da janella uma sombra opaca, espessa, parda, arripiadora e sinistra: é necessario fazer a barba, com o gaz flammejando; almoça-se com todas as velas do candelabro accesas, e a carruagem que nos conduz é precedida de um archote. Ao meio dia esta decoração de inverno muda; a sombra perde o tom pardo e, por gradações odiosas, ganha um amarello de óca e começa a exalar um vapor fetido. Respira-se mal, a roupa toma um pegajoso humido sobre a pelle, os edificios que nos cercam apparecem com as linhas vagas e chimericas das cidades malditas do Apocalypse, e o estrondo de Londres, este rude, tremendo estrepito, que deve lá em cima incommodar a corte do ceu, adquire uma tonalidade surda e roncante como um fragor n'um subterraneo.

Eça de Queirós, Cartas de Inglaterra1905.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

À janela de Anton van Dyck

Anton van Dyck, La Coronación de espinas, 1618-1620

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Não seria adequado comentar

A ex-ministra das Finanças Manuela Ferreira Leite disse ontem que há poucos incentivos ao crescimento económico na proposta de orçamento do Estado para 2012. 
"Eu, pela parte que me toca, não vi lá grande coisa sobre crescimento económico", disse a ex-líder do PSD hoje em Lisboa durante uma conferência organizada pela Ordem dos Economistas.
Na sua intervenção, Ferreira Leite frisou repetidamente a importância do crescimento económico para o equilíbrio das finanças públicas.
"Muitas das decisões a tomar para o crescimento económico não dependem completamente do Estado", disse a antiga líder social-democrata à imprensa. "Mas o Estado tem de criar condições para que isso seja possível", acrescentou.
Confrontado com as declarações de Ferreira Leite, o atual ministro das Finanças, Vítor Gaspar, escusou-se a fazer comentários, argumentando que não assistiu à intervenção da sua antecessora, e que portanto "não seria adequado comentar".

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

À janela de Pessoa

Era a ocasião de estar alegre. Mas pesava-me qualquer coisa, uma ânsia desconhecida, um desejo sem definição, nem até reles. Tardava-me, talvez, a sensação de estar vivo. E quanto me debrucei da janela altíssima, sobre a rua para onde olhei sem vê-la, senti-me de repente um daqueles trapos húmidos de limpar coisas sujas, que se levam para a janela para secar, mas se esquecem, enrodilhados, no parapeito que mancham lentamente.

Bernardo Soares, Livro do Desassossego. 1982.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

À janela de Robert Campin

Robert Campin, Santa Bárbara, 1438

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

À janela de Raul Brandão

[Inauguração, em 1903, do controverso monumento a Eça de Queirós em Lisboa, da autoria de Teixeira Lopes."Sobre a nudez forte da Verdade, o manto diaphano da phantasia".]

Interview com o Snr. Monteiro Milhões. 
- V. Ex.ª que pensa do monumento? 
- Penso que tenho de voltar a frontaria da minha casa, para o Theatro D. Amelia. Imagine que os meus netos estão constantemente a perguntar quem é aquella senhora sem camisa. Já o outro dia lhes disse que era D. Maria II, mas com estes frios, os pequenitos, educados na compaixão, não me largam para que lhe mande dar um cobertor. 
- E que impressão faz das suas janellas a barriga da Verdade? 
- Aqui entre nós (arregalando o olho) é uma d'aquellas barrigas que está mesmo a glorificar a «sensação nova» (irritado). Não era mais condizente á minha camoneana, transferirem o epico immortal aqui para o meu largo, e levarem "aquelle senhor" para as proximidades do Bairro Alto?
- De modo que V. Ex.ª, irritado, nem chega á janella? 
- Emquanto a Camara não mandar pôr, de roda da figura, um resguardo pintado de cinzento.

Raúl Brandão, Memórias. Vol I, 1919.

domingo, 20 de novembro de 2011

Y  lo real es lo que aún no ha sido...

Y lo real es lo que aún no ha sido!
Toda apariencia es una misteriosa 
aparición. En la rama de otoño
no acaba el fruto sino en la velada
promesa de ser siempre que su intacta
forma ofreció un momento a nuestra dicha.
Pues toda plenitud es la promesa
espléndida de la muerte, y la visitación
del ángel en el rostro del más joven
que todos sabíamos que se iría antes
pues escogía el Deseo su sonrisa nocturna.

Fina Garcia Marruz

sábado, 19 de novembro de 2011

À janela de Diego Velázquez

Diego Rodríguez de Silva y Velázquez,  (Taller), El príncipe Baltasar Carlos. Ca 1636.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

À janela de Pieter de Hooch

Pieter de Hooch  (Dutch, Rotterdam 1629–1684 Amsterdam), Leisure Time in an Elegant Setting. 1663-65.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

A crise no discurso cultural

Ontem, no Museu Soares dos Reis, durante a entrega do III Prémio Luso-Espanhol de Arte e Cultura.
Arquitecto Álvaro Siza Vieira (premiado) - "Ouço muito falar de crise como catástrofe e pouco como mudança e transformação".
Ángeles Gonzáles-Sinde (Ministra da Cultura de Espanha): "Neste tempo de crise, marcado pelo individualismo, é preciso reafirmar o valor revolucionário da Arte, e sublinhar o papel da cultura e das utopias colectivas".
Francisco José Viegas (Secretário de Estado da Cultura de Portugal): "É no contexto da crise que temos de reforçar a internacionalização da cultura portuguesa".

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A japoneira do "meu" jardim

Já viram como a japoneira do "meu" jardim floresce em tempo invernoso?

À janela de Júlio Dinis


- Mais duas palavras só - disse ainda Carlos, pegando no chapéo - quando V. Exc.ª chegou, não estava eu aqui dentro; reparou? N'esse momento, minha senhora, acabava de fazer uma singular descoberta.
- Uma descoberta?!
- Muito singular. Ha poucos dias - continuou Carlos, aproximando-se da janella, junto da qual estava já Cecilia - passeiava eu n'aquelles pinheiraes... acolá. Meditava... nem posso bem dizer em quê. Não sei de
que maneira me attrahiu a vista, e depois me occupou a imaginação, uma casa, que avistei d'alli. Tinha a varanda revestida de trepadeiras, uma roseira no intervallo das duas janellas e, no andar de cima, apparecia frequentemente uma senhora, toda occupada em trabalhos domesticos, n'esse lidar modesto, que rodeia, a meus olhos, de suave perfume de poesia as mais bellas figuras de mulher.
Cecilia baixou os olhos, córando, e pareceu entretida a examinar a andarella do castiçal de vidro, que lhe ficava á mão.
- Imagine agora a minha surpreza, quando, ha pouco, chegando aqui, reconheci esta varanda, esta janella, esta roseira, por as mesmas que de tão longe me haviam chamado a attencão. D'ahi - acrescentou,
sorrindo - facil me foi concluir quem era a senhora. Não haverá mysterio n'isto? Não parece que esta roseira queria aconselhar-me de longe o passo que hoje dei? Eu, por mim, estou tentado a crêl-o, e tanto que, por gratidão, peço-lhe licença, minha senhora, para levar commigo uma memoria d'ella. Permitte-me que córte uma d'aquellas flores?
Cecilia só pôde sorrir em resposta, baixando a cabeça.


Julio Dinis, Uma Família Inglesa. Cenas da Vida do Porto. 1868.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

À janela de William Henry Brown

William Henry Brown [attributed to] (American, Charleston 1808–1883 Charleston), Portrait of a Woman before a Window. Ca 1860.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

À janela de Luiz Pacheco

As vezes, palavras duras, definitivas, a luta dos indivíduos (a morte ou a vida), e chacotas pelos fracassos de cada um, e arremessos de mau génio, e vampirismo, pois então. Somos puros. E que falta nos fazem lençóis, fronhas, almofadas? os cobertores, quando os há, estão enegrecidos e com manchas, cheiram ao chichi das criancinhas, quando não a coisas que eu não digo. Mas abrindo a janela, que contraste de perfumes com o ar lavado que vem dos montes da Serra de São Luís! com a florescência das árvores na Avenida! E deixem-me que lhes diga: se é precisa a maior vigilância com as maganas das lêndeas e as brincalhonas pulguitas (especialmente daquelas pequeninas, estilo terroristas, são mesmo uns amores!), a graça que tem a Irene na caça à bicharada, desporto conceituado nas brenhas beirãs onde a fui escolher, e como se alegra dizendo «era uma verdadeira toira!» ou «esta tinha o rabo branco, eram duas às cavalitas», o que só demonstra que na classe agrária, enquanto não chega o dia do tractor e da Reforma, a educação feminina quedou nessas prendas doméstico-venatórias do olho atento, dedos que nem setas, unhas como guilhotinas.

Luiz Pacheco, Comunidade, 1964.

domingo, 13 de novembro de 2011

By the book

Tarde chuvosa. Chegada, enfim, das manas Billy, para um encontro há muito prometido e sempre adiado, com as irmãs mais velhas. Confraternização ruidosa entre manobras de redistribuição de espaços e funções. Transporte ao colo de corredor para escritório e de escritório para corredor, que as meninas não gostam de ser empurradas e não se deslocam por si próprias. Absorvidas as diversas pirâmides de livros e vistas espalhadas pela casa, as manas pediram para ver os quadros e ajudaram a escolher os sítios onde deverão ser dependurados. Tarde amena, em suma, salvo uma ou outra tensão topográfica ou tecnológica. Gracias, companheiras.

Um após outro

Foi o da Bélgica, o da Irlanda, o de Portugal e o da Grécia, agora o de Itália. Será em breve o da Espanha. Mais à frente, quem sabe se o da França. A crise do Euro lá vai derrubando, um a um, primeiros ministros europeus.

sábado, 12 de novembro de 2011

À janela de Carlos de Oliveira

Uma cabaça de vinagre despejada, os resíduos ácidos que escorrem com dificuldade pelo interior do bojo até pingarem do gargalo, espessos, vagarosos; a mão na espuma que lhe azedava os lábios; boiar numa onda incerta de enjoo e ter sede de repente como se tivesse de repente uma dor; o orvalho da noite poisava-lhe na nuca; podia erguer a cabeça tombada para fora da janela, virar a cara para o céu e beber daquela frescura suspensa pelo espaço; voltou-se com dificuldade e a moinha da água bateu-lhe ao de leve na fronte, nas pálpebras fechadas, foi- se acumulando gota a gota, deslizou em seguida pela face, encarreirou nas asas do nariz, veio depositar-se-lhe ao canto dos lábios; abriu a boca e sorveu a humidade lentamente; de súbito, qualquer lembrança remota parecida com aquilo, dias de chuva, a cabeça de fora da janela, a boca aberta a aparar as goteiras do telhado, um perfil de criança recortado ao longe; a cinza da morrinha embaciava a distância, o tempo, mas havia por baixo de tudo, ao fundo das coisas, esse fulgor inapagável, o seu próprio perfil de criança, e muito mais, uma ternura dispersa pela casa paterna, por campos e pessoas, por bichos e por estrelas; o coração talhado numa grande pureza já perdida, a alma ainda livre da condenação do fogo, o corpo onde não acordara ainda o medo à morte, porque lhe era fácil então estender-se para fora da janela e beber alegremente das goteiras. Agora não. O vento impelia o marulho da treva, vinha salpicá-lo numa poeira húmida de ruínas; as costas doíam-lhe de encontro ao peitoril; mudou de posição, fez um esforço para se endireitar, fincando as mãos no rebordo da janela, e ficou cambaleante, de olhos abertos para a noite, negra de lado a lado: o luar nunca existiu, as estrelas também não, mas onde diabo terei eu visto já luar e estrelas, se nada vejo agora? O vento arrastava a poeira, apagava os astros, sumia tudo e na escuridão as coisas fermentavam. apodreciam. Sabia-lhe mal a boca, um soluço flatulento e choco agitava-o. Deu-lhe vontade de chorar, chorar apenas, sem saber de quê. Esfregando os olhos, compreendeu confusamente que estava diante da janela aberta, entontecido e indisposto, que tinha a noite pela frente e que a noite fazia bater os dentes devagar, cheio de frio.

Carlos de Oliveira, Uma Abelha na Chuva, 1953

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Resposta aos detractores de Guimarães 2012

Faz sentido, no actual contexto desistir de Guimarães 2012, abandonar o projecto da Capital Europeia da Cultura?
- questão de timing; com o grau de contratualização atingido, sairia mais caro não fazer; a poupança obtida seria largamente excedida pelas compensações e encargos resultantes dos contratos assinados;
- Portugal está hoje sob uma apertada vigilância internacional; o compromisso de fazer uma Capital Europeia da Cultura em Guimarães foi assumido pelo Governo perante as instituições da União Europeia; não cumprir esta obrigação seria desastroso para o prestígio externo do País;
- o modelo de financiamento da Guimarães 2012 assenta largamente em recurso provenientes de fundos estruturais, o FEDER;
- não foi a cultura que gerou a crise financeira em que nos encontramos, não pode ser ela a principal penalizada do emagrecimento reclamado do Estado;
- a cultura não é parte do problema, e pode até ser parte da solução.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

À janela de Goya

Goya (Francisco de Goya y Lucientes),  (Spanish, Fuendetodos 1746–1828 Bordeaux)
They Got the Confessor to Climb in by the Window, 1796-97

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Sarcozy

As piruetas de Sarcozy perante a chancelerina alemã têm um único objectivo: distrair as agências da notação que ameaçam retirar à França os AAA. Por quanto mais tempo resultarão?

Plano B

O nosso Plano B é mesmo sair do Euro?

terça-feira, 8 de novembro de 2011

À janela de Frank Lloyd Wright

 Frank Lloyd Wright  (American, Richland Center, Wisconsin 1867–1959 Phoenix, Arizona).
Window. By 1912-1915

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

À janela de Liberale da Verona

Liberale da Verona (Liberale di Jacomo), (Italian, Veronese, 1445–1527/29).
The Chess Players, ca 1475

domingo, 6 de novembro de 2011

Comissão para o Futuro

Em 1992, o Parlamento finlandês adoptou uma resolução apresentada por 166 deputados em que se requeria ao Governo a elaboração de um relatório contendo as opções de longo prazo para o país envolvido numa depressão. Nessa altura decidiu criar uma comissão parlamentar com o encargo de avaliar esse relatório e fazer propostas a propósito do respectivo conteúdo. Surgiu assim a Comissão para o Futuro que, em 2000 foi convertida de comissão eventual em comissão permanente.
Compõem-na 17 deputados em representação proporcional de todos os partidos, articula directamente com o gabinete do Primeiro Ministro, e adquiriu um grande prestígio como plataforma de reflexão sobre os grandes desafios e orientações estratégicas da política pública finlandesa. Esteve ligada, por exemplo, à definição do modelo de economia criativa que comandou a reconversão da Finlândia após a grave crise originada pela implosão da União Soviética.
A Comissão para o Futuro é uma experiência pioneira na criação de um organismo dedicado à prospectiva criado no interior de uma entidade política, o Parlamento. Da missão que lhe foi atribuída fazem parte os seguintes encargos:
- preparar respostas ao relatórios sobre o futuro apresentados pelo Governo;
- fornecer contributos aos trabalhos das outras comissões parlamentares, em matérias como o clima, a energia, a sociedade de informação, nomeadamente quando estão em causa tendências de longo prazo;
- discutir as questões relativas aos factores e modelos de desenvolvimento da sociedade finlandesa;
- realizar análises prospectivas sobre a investigação científica e a tecnologia (nomeadamente na área da tecnologia de informação);
- avaliar o desenvolvimento tecnológico e as suas consequências para a sociedade.

sábado, 5 de novembro de 2011

À janela de Mário Dionísio

Ele vai à janela e iça a bandeira todos os anos naquele mesmo dia, os garotos da rua vêm ver, põem-se a rir daquela maluquice, não há bandeiras em mais parte nenhuma, "o que é que o gajo quer"?, iça a sua bandeira, de nenhum país, de nenhuma colectividade, uma bandeira que ele mesmo inventou para que ninguém perceba o que queria que todos percebessem, ano após ano, naquele mesmo dia, por tradição, por respeito, salve-se ao menos o respeito, pela necessidade que ele mesmo desconhece de um solene ritual que vem dos nossos maiores ou qualquer coisa assim, inventamos uma história, precisamos de ter uma história, que não vem nos manuais, com dinastias e reinados próprios, cheia de factos nobres, datas, referências, que talvez os bisnetos venham a ter de aprender na escola, infelizes, revoltados por ser preciso meter aquilo tudo na cabeça, datas, nomes que não lhes dizem nada, é ela que nos liga, que devia ligar-nos, tudo isto em surdina, dito ao ouvido, por casa dos mais velhos, que têm outra história, e dos mais novos que ainda a não conhecem, nós mesmo duvidamos, vamos cedendo, aceitamos que se esqueçam certas datas, é preciso ser justo, a verdade é que então tudo estava ainda muito no princípio, tivemos muitos erros, torna-se urgente compreender a juventude, a juventude ri-se, organiza-se, desorganiza-se, nem quer ouvir falar em toda esta papelada que fomos escrevendo, juntando pelos anos fora, ou vivendo, experimentando, diz que isso já não é com ela, agora a vida é outra, não faltava mais nada senão andar às ordens de pessoas que lhe deixaram em herança este lindo mundo que aí está, estes valores, estou-me nas tintas para os valores, o que eu quero é viver, e quem é que lhes deu o direito de falar em nome da juventude?

Mário Dionísio, Não Há Morte Nem Princípio. Mem-Martins, Europa-América, 1969.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

À janela de Alves Redol


Tudo isso lembrava ao velho Teimas os seus tempos de cavador. E essas recordações tornavam-no mais feliz naquele instante. Era um vicioso da terra e não tinha razões para se arrepender, apesar de outros mais novos pensarem em abalar dali, trocando o Alto Douro por uma viagem ao Brasil. Nunca tal lhe passara pela cabeça; nem nos dias terríveis da filoxera. E, se tinha lágrimas para chorar, também muitas alegrias ficara a dever à terra. Essa terra que os homens cantavam nas cavas, chamando-lhe Maria Cavaca, “a que tinha mais buracos do que janelas tem Roma.”

Alves Redol, Horizonte Cerrado: Port Wine 1.1949.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Triste

Querida amiga,
Daqui onde me encontro, os sinais de vida que posso enviar são aqueles que os meios de partilha electrónica viabilizam e condicionam. Um sms onde se diz “Hei”, um email que principia “Bom dia” ou “Boa Tarde”, um post no facebook que partilha uma foto ou uma música, a mais das vezes ocasionalmente “encontradas na net”.
O telefone móvel é cada vez mais caixa de mensagens escritas sem vírgulas e com muitos kapas. O telefone fixo foi praticamente abolido, tal como as cartas em papel, hoje reservadas a ofícios e outros documentos oficiais. Um amigo meu poupa tempo e energia enviando emails em que só preenche o espaço do “subject”.
O teu belo postal - que o correio teima em depositar no primeiro cacifo que avista do prédio - teve um efeito surpreendente. Evoca um tempo em que lembrar amigos demandava tempo na proporção generosa de uma partilha de afectos. As redes dos amigos eram sem dúvida muito mais concentradas, finas, e por isso mais intensas – e exigentes. Hoje são esta malha larga feita de uma multiplicidade de nós, onde cabe, em pé de igualdade, gente que nem conhecemos e a quem dispensamos um simples “gosto”, quase sempre fácil e ligeiro.
Provavelmente já excedi, nesta breve resposta, em centenas de caracteres os limites do que o telemóvel ou o facebook me concedem. Vou ter que a converter em “mensagem multimédia” ou “nota”, termos estranhos que ainda há pouco tempo tinham outros significados no meu vocabulário.
Querida, recebe um beijo (e não um bj) daquele que não te esquece,
João.
Ilustração de Assunção de Melo. Edição de WHO, agência de talentos criativos

À janela de Abelaira

Pensava em Giovanni. Conseguiria ele despachar-se a tempo? Giovanni não fora logo recebido.
Enquanto esperava, encostou-se à varanda e olhou a rua. De uma janela vinha uma música muito antiga; não música de rádio - uma música soando a cana rachada, música de grafonola, música muito velha, música da sua adolescência; a orquestra de Jelly Roll Morton, a de Fletcher Henderson? Talvez outra.
A janela fechara-se, o resto perdeu-se, deixando nele uma terrível impressão de vazio.

Augusto Abelaira, A Cidade das Flores. 1984.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Encontros no cemitério

Vilarinho, concelho de Santo Tirso, 1 de Novembro de 2011, 15 horas.

À janela de Saramago


Presas no alto gorro ou na própria disciplina, levam fitinhas de cores, cada um a sua, e se a mulher eleita que à janela anseia de angústia, de piedade pelo amador sofredor, senão também de gozo a que só muito mais tarde aprenderemos a chamar sádico, não souber, pela fisionomia ou pelo vulto, reconhecer o amante na confusão dos penitentes, dos pendões, do povinho derramado em pavores e súplicas, do vozear das ladainhas, do bambear desacertado dos pálios, dos cabeceamentos bruscos das imagens, adivinhará ao menos pela fitinha cor-de-rosa ou verde, ou amarela, lilás, se não vermelha ou cor do céu, é aquele o seu homem e servidor, que lhe está dedicando a vergastada violenta e que, não podendo falar berra como o toiro em cio, mas se às mais mulheres, da rua, e a ela própria, pareceu que faltou vigor ao braço do penitente ou que a vergastada foi em jeito de não abrir lanho na pele e rasgões que cá de cima se vejam, então levanta-se do coro feminil grande assuada, e possessas, frenéticas as mulheres reclamam força no braço, querem ouvir o estralejar dos rabos do chicote que o sangue corra como correu o do Divino Salvador, enquanto latejam por baixo das redondas saias, e apertam e abrem as coxas segundo o ritmo da excitação e do seu adiantamento. Está o penitente diante da janela da amada, em baixo na rua, e ela olha-o dominante, talvez acompanhada de mãe ou prima ou aia, ou tolerante avó, ou tia azedíssima, mas todas sabendo muito bem o que se passa, por experiência fresca ou recordação remota, que Deus não tem nada que ver com isto, é tudo coisa de fornicação, e provavelmente o espasmo de cima veio em tempo de responder ao espasmo de baixo, o homem de joelhos no chão, desferindo golpes furiosos, já frenéticos, enquanto geme de dor, a mulher arregalando os olhos para o macho derrubado, abrindo a boca para lhe beber o sangue e o resto.

José Saramago, Memorial do Convento.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

À janela de Eduarda Dionísio

Os chefes e os heróis andavam pelas ruas. Podíamos conhecê-los e quase falar com eles. Eram vitoriados nas janelas onde apareciam, só mais tarde começaram a subtrair-se às multidões, às fotografias a aos jornalistas, a programar as aparições, a calcular os fatos e as gravatas, a fazer-se conduzir incognitamente de forma a que toda a gente soubesse minutos depois, deixaram de poder fazer compras e ir a restaurantes, ir ao café ao pé de casa, ao barbeiro porque - diziam - se tinha tornado ao mesmo tempo incómodo e perigoso, porque começavam na cidade a reaparecer algumas perseguições clandestinas, homens encontrados com bombas que por vezes explodiam nas próprias mãos e que se destinavam aos chefes e aos heróis e ouvia-se no escuro de vez em quando tiros repetidos e carros que arrancavam violentamente.
Os chefes e os heróis eram conhecidos pelo que afirmavam. Ninguém sabia como se alimentavam e se dormiam - algumas pessoas entusiasmavam-se quando os viam.
Os heróis que conhecíamos eram todos os que privavam em reuniões e em casas com estes outros chefes e heróis.

Eduarda Dionísio, Retrato dum Amigo Enquanto Falo. Lisboa, Armazém da Letras, 1979