Situada na história, a Igreja está aberta a colaborar com quem não marginaliza nem privatiza a essencial consideração do sentido humano da vida. Não se trata de um confronto ético entre um sistema laico e um sistema religioso, mas de uma questão de sentido à qual se entrega a própria liberdade. O que divide é o valor dado à problemática do sentido e a sua implicação na vida pública. A viragem republicana, operada há cem anos em Portugal, abriu, na distinção entre Igreja e Estado, um espaço novo de liberdade para a Igreja, que as duas Concordatas de 1940 e 2004 formalizariam, em contextos culturais e perspectivas eclesiais bem demarcados por rápida mudança. Os sofrimentos causados pelas mutações foram enfrentados geralmente com coragem. Viver na pluralidade de sistemas de valores e de quadros éticos exige uma viagem ao centro de si mesmo e ao cerne do cristianismo para reforçar a qualidade do testemunho até à santidade, inventar caminhos de missão até à radicalidade do martírio.
Bento XVI, ontem, à chegada a Lisboa.
quarta-feira, 12 de maio de 2010
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7 comentários:
E porque não?
É sempre revigorante assistir a uma nova forma de colocar as questões. Ratzinger é muito inteligente: antes que outros adiantassem a questão, fê-lo ele. Mas do seu ponto de vista. A laicidade foi uma libertação para a Igreja. E porque não?
- Isabel X -
Belíssimo texto. Que o leia a Igreja Católica. Diria mais, brincando a sério.Que oleia a Igreja Católica. Alguma, ao menos. (Hilariante, o título)
Apenas dois pontos.
1º É necessário limites, tanto no estado quanto na Igreja.
2º Inventar caminhos de missão?
Por acaso, alguém inventou as veias, alguém inventou as correntes oceânicas, e, por aí a fora.
Caminhos desde sempre existiram, e, ão de axistir.
Quem tem que se inventar é o missionário, enquanto fuga, desejo ou, vocação.
A necessidade para com a plenitude nasce tão somente da humanidade, que busca entre defeitos e qualidades, as melhores perspectivas para seu sistema de valores, não isentando a relação mística pela causa.
Parece que a ética das intenções esqueceu-se de bater à porta da realidade.
Onde a novidade?
A estranheza não pode deixar de ser sentida, obviamente, por quem confunda "laicidade" com "laicismo".
Julgo que "laicismo" é a doutrina que defende a não intromissão (recíproca) da Igreja e do Estado e que "laicidade" é a forma de institucionalização dessa doutrina.
O laicismo também pode referir-se à participação dos leigos em matéria religiosa, mas tem-se perdido mais esse sentido.
Mesmo assim, e no caso de eu ter razão, parecem-me conceitos mais afins (etimologicamente, pelo menos) e, por isso, mais compreensivelmente confundíveis do que laicidade e tolerância.
- Isabel X -
Caro chantre, fiquei intrigado com o incremento semântico que parece surpreender, neste contexto, na distinção dos dois conceitos.
A separação Estado-Igreja(s), valor político decisivo ensaiado pelas sociedades modernas ocidentais a partir do séc. XVII, pode ser lida de dois pontos de vista.
Um deles considera a mesma separação como "condição necessária da liberdade religiosa" (dimensão antropológica fundamental): não só porque o Estado é incapaz de cuidar daquilo que apenas a cada indivíduo diz respeito (a "salvação" ou a "danação"), como porque a confessionalidade do mesmo violentaria essa liberdade. Esta perspectiva, teorizada sobretudo pelo iluminismo inglês, em parte a partir da sua experiência hitórica, supõe que a mesma separação "previne do poder do Estado as igrejas", reservando àquele o estabelecimento das condições formais (não substantivas) do livre exercício de todas elas. Estamos no domínio da "laicidade" que inscreve o contentamento do Papa no texto supra.
O outro ponto de vista, que entronca no iluminismo francês, e que inspirou a Primeira República Portuguesa, considera essa separação como válida enquanto "liberta definitivamente o Estado das igrejas", tidas de modo paternalista como resíduo preverso e a superar, já que impedimento de liberdade e de progresso - propriamente, "laicismo".
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