Este edifício singular, da autoria do arquitecto Victor Figueiredo (1929-2004) teve um processo de construção atribulado. Sempre ouvi dizer que o projecto original tinha sofrido alterações e amputações graves arbitrariamente decididas pelo dono da obra, sem o acordo do projectista. Sei que a obra esteve parada muito tempo, aparentemente por falência do empreiteiro, motivo invocado aliás para proceder a alterações quando o curso dos trabalhos pode ser retomado. O certo é que o próprio Victor Figueiredo, descontente com o rumo da edificação, ter-se-á, segundo me referiram, recusado a participar na cerimónia em que o prémio de arquitectura atribuído em 1998 pela Secil à sede da ESAD das Caldas da Rainha seria entregue. Em 2002, participando num colóquio na cidade, o arquitecto apontou o dedo ao empreiteiro sem escrúpulos, à fiscalização que não funcionara e ao dono da obra que se deixara influenciar pelo primeiro.
Ao longo do seu tempo de utilização, pouco mais de uma década, o edifício tem sido alvo de críticas por parte de professores e alunos. Recentemente (2007), uma auditoria de higiene e segurança no trabalho produziu um relatório demolidor. Os professores e alunos sempre se queixaram das péssimas condições acústicas das salas de aulas e das falhas graves de conforto térmico. A auditoria apontou o dedo à ventilação ineficiente, à estrutura térmica também ineficiente e gerando desconforto, à iluminação insuficiente, ao desrespeito das normas de segurança. Apesar de relativamente recente, o edifício apresenta sinais internos e externos de degradação: fissuras nas paredes, falhas na pintura, ferrugem na caixilharia. Algumas intervenções entretanto ocorridas, por exemplo nas condutas de ar, produziram resultados com impacte na coerência estética dos alçados.
Não vou usar o argumento demagógico de que a estas queixas e motivos de reparo nunca a Ordem dos Arquitectos deu eco e que não consta que tenha chamado a atenção do Instituto Politécnico de Leiria, até Setembro do ano passado, para a necessidade de evitar a degradação do edifício e promover a sua reabilitação. Mas não devo deixar de sublinhar que a Ordem só levantou a sua voz porque tomou conhecimento de que estava a concurso uma obra e nele não estava previsto o seu acompanhamento por uma equipa de arquitectos. O seu alerta tem pois uma obvia motivação corporativa, muito embora ela seja acondicionada por uma justa menção à importância do edifício no panorama da arquitectura contemporânea portuguesa. Deve dizer-se que a empreitada a que esta polémica se reporta resulta de uma candidatura do Instituto Politécnico de Leiria ao Programa Operacional de Valorização do Território, cumprindo naturalmente as suas clausulas, nomeadamente quanto à qualificação das equipas de projecto e de acompanhamento, cuja tramitação obteve o visto do Tribunal de Contas.
Mas a questão de fundo que aqui se deve equacionar é simples: não podem os edifícios excepcionais contemporâneos sofrer obras de adaptação e modernização? O respeito pela singularidade de um edifício do século XX impede-nos de substituir os vidros simples por duplos e implantar tectos falsos para melhorar a acústica? Mais: a caixilharia em ferro não pode ser substituída pelos materiais actuais, menos sujeitos à oxidação e corrosão? O processo normal de adaptação de espaços interiores, conversão de salas e ocupação ou reconversão de salões e corredores está vedado aos edifícios premiados?
E nesta matéria, do que pode e não pode legitimamente ser feito, é a Ordem dos Arquitectos a entidade à qual devemos confiar a definição do conceito e dos critérios de intervenção?
Quantas alterações não foram assinadas por Victor Figueiredo ao edifício original do Hospital de Santo Isidoro (1893) cuja recuperação projectou para o adaptar aos Serviços Sociais e Galeria da ESAD?
Uma escola não é um museu. Mas até os museus sofrem modificações e adaptações ditadas pelas exigências de segurança e conforto e possibilitadas pela tecnologia. Velar pela singularidade de uma obra não é fixá-la no tempo. Nunca foi assim, nunca será assim. Nenhuma das Catedrais que nos maravilham ficou incólume desde a sua fundação. O património é sempre cumulativo.
Foto Diana Vieira (aqui)
1 comentário:
Subscrevo com absoluta inteireza esta posição e já me foi há uns dias pedida a oportunidade de defendê-la institucionalmente. Recordo com divertimento um certo colóquio portuense que reuniu patrimonialistas de todas as origens e escolas. Muito se debatia esta questão até se perceber que, por vezes, vivem pessoas dentro destas casas. Como? Instalar elevadores nos edifícios ribeirinhos do Porto?
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