Foi ali que se formou, logo a seguir ao 25 de Abril, um importante núcleo docente de produção de ideias e práticas inovadoras, que iam do sindicalismo à actividade pedagógica, da organização da escola à critica da função social do ensino e do professor.
Os professores que integraram esse grupo plural tinham origens intelectuais, politicas e geracionais distintas. O papel motivador foi no entanto exercido por quem não teria muito mais que trinta anos e uma posição caracterizada por uma grande autonomia relativamente à acção dos aparelhos partidários.
O meu encontro com este grupo deu-se na véspera do 1º de Maio de 1974, quando conheci, na garagem de um prédio na rua em que morava, alguns colegas que discutiam as palavras de ordem do cartaz que pretendiam levar à manifestação do dia seguinte. No Liceu do Padre António Vieira, onde eu leccionava, tomara conhecimento de que os Grupos de Estudo do Ensino Preparatório e Secundário, hegemonizados pelo Partido Comunista, convocavam os professores sob uma palavra de ordem reivindicando uma associação para a classe. Parecendo-me recuada esta posição, procurei encontrar quem estivesse disposto a questioná-la, e assim fui conduzido a esse local, onde rapidamente chegámos à formula sob a qual viríamos a desfilar entre a Avenida Almirante Reis e o Estádio 1º de Maio: Por um Sindicato dos Professores. Destacava-se desse grupo alguém que não conhecia pessoalmente mas que era já uma referência - do teatro, da literatura -: Eduarda Dionísio. Ali principiou entre nós um companheirismo intelectual, uma solidariedade militante, um activismo sindical e politico partilhado que duraria décadas. Pouco mais de um mês depois estávamos implicados no primeiro processo de eleição sindical no pós-25 de Abril: eleições para a Comissão Directiva do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa.
No anos seguintes – de 1974 a 1980 – nenhuma movimentação significativa, nenhuma proposta inovadora, nenhuma experiência original ou pioneira, contra a corrente ou antecipadora, no ensino secundário, deixou de ter como epicentro no Liceu Camões ou ser aí objecto de reflexão pertinente.
Não sei que é feito hoje dessa cultura de interrogação critica, de trabalho e de rigor científicos, de procura de novos caminhos para a escola, mas temo que não tenha resistido à “normalização” da década final do século passado, ou simplesmente não tenha garantido continuidade inter-geracional. Este livro não segue esse percurso, que hoje se desdobrou em múltiplos percursos individuais, mas ajuda a perceber o caminho anterior: os depoimentos que apresenta esboçam um ambiente, apontam as personagens e caracterizam as singularidades dessa memória do Liceu Camões.
quarta-feira, 14 de abril de 2010
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2 comentários:
A crítica da cultura vive a inquietude de seus dias. Nada pode ser como era, quando em sua descoberta ou, sentido. O mundo dos medos, não mais inocente, tão pouco vale causas em valores pré-estabelecidos.
Este Liceu, certamente honrou a elegancia Camoniana, a defesa dos valores e, vingou seus frutos por gerações.
Adaptar-se é sorrir para vida.
Ver flores ao amanhecer e trazer na esperança os segredos que o tempo insiste em tragar.
Feliz, daquele que tem história para contar...
Do "liceu" não sei grandes notícias mas a Eduarda segue nessa "cultura de interrogação critica, de trabalho e de rigor científicos, de procura de novos caminhos e de comunicação inter-geracional. Fora da escola, naturalmente!
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