Rafael Bordalo Pinheiro e os seus jovens colaboradores
A história das relações entre Rafael Bordalo Pinheiro e o centro cerâmico caldense está recheada de equívocos e ideias falsas. Alguns remontam ao período em que o artista se instalou, com a Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha, nesta vila, em 1884. Outros são o resultado de uma visão celebracionista do passado que sobre ele projecta o aplauso e o consenso que beneficiam certas figuras algumas décadas após o seu desaparecimento.
Uma ideia falsa, por exemplo, foi declinada por Júlio César Machado e Ramalho Ortigão, à época do próprio Bordalo: a de que a cerâmica caldense se encontrava, antes da chegada de Rafael Bordalo Pinheiro, numa situação de decadência, caracterizada pela ausência de inovação e actualização decorativa.
Um equívoco, por exemplo, foi transmitido por José Queiroz, numa obra editada pouco depois da morte de Rafael: a de que o meio cerâmico caldense teria provocado sabotagens na laboração da Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha.
Uma terceira ideia falsa é a de que Rafael Bordalo Pinheiro se inseriu sem sobressaltos de maior no meio cerâmico caldense de que se tornaria de imediato o protagonista mais admirado e respeitado. A forma entusiástica como foi recebido na vila, pelas autoridades locais e pelo povo apinhado nas ruas, quando regressou do Brasil onde tentara colocar a Jarra Beethoven, em finais do século, não tem equivalente na desconfiança de favoritismo e concorrência desleal que enfrenta nas Caldas em 1887/1888.
Este foi o tema da minha intervenção na sessão final do Congresso Internacional "Rafael Bordalo Pinheiro no seu tempo": identificar e discutir cada um destes "erros" históricos e traçar a respectiva biografia (origens, desenvolvimentos).
Apesar da tolerância da mesa, o tempo de que dispus ficou aquém do que precisaria para cumprir este programa. Mas quem fala pouco tempo tem certamente menos hipóteses de ficar a falar sozinho.
Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha: vista do Depósito e Loja, ponte e Parque das Faianças
2 comentários:
Estava eu a pensar interpelar o autor do blogue pelo facto de omitir o seu próprio papel no Congresso sobre Bordalo Pinheiro, reportando-me ao post anterior, quando vejo que já aqui está a resposta antes de eu colocar a questão.
Tive o gosto de assistir às conferências. Achei graça à perspicácia da Sra. Vereadora que apresentou o João como caldense, embora sem usar a expressão "tal e qual".
O João começou logo por dizer que lhe cabia a parte mais ingrata (não com estas palavras), a de ter que referir os aspectos menos agradáveis, diversos do que a História oficial (digo eu, à falta de melhor expressão), sistematicamente repete.
Aprendi muito porque o João tem a rara capacidade de, cruzando informações que a outros olhos (os meus) surgem díspares, descobrir o nexo que as liga, e lhes confere o significado que configura uma realidade própria. Fornece um quadro explicativo claro, que era exactamente aquele que faltava para que também nós pudéssemos ver claramente.
A presença de Bordalo Pinheiro foi fundamental para as Caldas, mas conheceu fases diversas e algumas bem atribuladas. Daí (talvez) a vénia com que o próprio se figurou perante os caldenses, no regresso do Brasil, de onde voltou sem a jarra Beethoven.
Por sua vez, também os ceramistas caldenses tinham os seus motivos para se sentirem injustiçados por ocasião da sua fixação nas Caldas. E mais ainda devido a algumas ideias então veiculadas que fizeram tese.
Numa investigação que tenho vindo a fazer sobre as Caldas, tenho notado quanto era demandada a Fábrica de Faianças (já só ateliê)enquanto lugar de visita obrigatória, a par da mata, do parque, das termas, pelos excursionistas que aqui se deslocavam às centenas de cada vez. E quanto essa demanda aumentava nas alturas em que Bordalo aí se encontrava a trabalhar. Parece-me ser uma realidade pioneira esta de que as Caldas foi cenário.
Se pensarmos que também se deveu à Fábrica de Faianças a extensão do caminho-de-ferro até aqui, sem o qual as excursões nem sequer poderiam ter lugar, poderemos começar a formar uma ideia da diversidade de repercussões provenientes da sua decisiva presença nas Caldas.
- Isabel X -
o sentido de humor e o vanguardismo de Rafael deve ter "ruborizado" em muitos aspectos a cidade conservadora das Caldas da Rainha.
imagino que o proteccionismo que deve ter tido, por ser quem era, também deverá ter gerado as invejas do costume, principalmente no ramo...
mas hoje são tudo coisas menores, felizmente. e viva Rafael!
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