Lamento, cara Isabel Alçada, mas se interpretei bem, nem o objectivo político, nem a fórmula usada para o expressar, nem a metodologia enunciada me parecem adequadas.
Como aqui defendi, à nova ministra pedia-se que, beneficiando da expectativa favorável que o seu nome provoca, mudasse a agenda e trouxesse a escola para o centro do debate da educação em Portugal.
Mas se acha, como os sindicatos, e os partidos a reboque, que se deve começar por estabilizar a relação com os professores, por via sindical, talvez conviesse clarificar propósitos.
Ouvir para depois decidir. Mas não está já tudo dito sobre carreiras e avaliação? O Ministério quer estabelecer um acordo com os sindicatos? Nesse caso, recomendar-se-ia que tivesse uma proposta nova relativamente às matérias em discussão. Que a faz acreditar que a decisão a que chegar depois de ouvir os sindicatos tem o acordo dos professores?
Neste caso, só há uma maneira de tornar útil e eficiente a metodologia que adoptou. Voltar atrás. Recomeçar. Se acredita que depois de ouvir vai chegar a uma decisão aceitável por todos, então o ponto de partida não pode ser o ponto de chegada anterior. Tem de recuar. Até que a situação fique a zeros.
16 comentários:
Viva caro João.
Concordo que começar do zero seria a melhor opção. Todavia, receio que com este primeiro-ministro nada disso será possível.
Vamos aguardar mas as expectativas são mesmo muito baixas depois dos primeiros dias de exercício deste executivo.
Abraço.
Começar do zero... Como é que isso é possível, seja em que caso for?
As coisas que aconteceram, entretanto, aconteceram de facto. Já não voltam atrás. E marcaram quem as viveu. Que fazer quanto aos professores que se reformaram precocemente? Nada. É o facto consumado. Que fazer quanto às leituras políticas da "luta" dos professores que em muito extravasaram o campo que era naturalmente o seu? Nada.Já está feito.
Que fazer dos professores titulares, aos quais o título calhou, e que habituados a ele, provavelmente não o vão querer largar?
Repôr a chamada "gestão democrática", que não o era mais do que a que passou a vigorar - (que me desculpem - mas é o que penso), é pura e simplesmente uma impossibilidade. Só professores nos órgãos das escolas? já não vai ser outra vez assim.
Talvez porque na escola onde trabalho estive ligada à experimentação de um modelo de gestão que não vigorou, o de Roberto Carneiro, que considero uma oportunidade perdida, mais parecido com o que o ministério anterior repôs, penso ser indispensável que os professores se "conformem", que há outros protagonistas que não podem ser outra vez afastados. Já seria a segunda vez... Às três é de vez, e lá se vai a escola.
Os professores, a "formação" que realizaram, os centros onde ela se fazia, os programas novos, os novos manuais, os ministros, etc., etc., empenharam-se anos e anos em desvalorizar o papel pedagógico do professor; desvalorizaram o saber próprio de quem ensina; quiseram que os professores fossem meros propiciadores de aprendizagens autonomamente feitas pelos alunos, ou seja, criaram um vazio que substituisse sistematicamente o papel único que só o professor pode cumprir: ensinar. Ensinar passou a ser uma expressão tabu. É como se os pais se negassem a educar os seus filhos: os deixassem educar por si mesmos. Pusemos por nossa própria iniciativa a cabeça no cepo e veio alguém e cortou...
Os sindicatos já não representam os professores. Só se representam a si mesmos. Há uma revolução silenciosa em marcha: os blogues e respectivos comentários, os sms meio anónimos dos telemóveis.
Os órgãos representativos são-no cada vez menos, não apenas entre os professores, mas muito particularmente entre os professores. Não há inocentes em toda esta história muito pouco edificante.
Salvam-se as belas aulas que, mesmo assim, muitos professores que não se demitiram do seu papel, ensinam aos seus alunos; as visitas de estudo que fazem, e que são, muitas vezes, ocasiões únicas de alguns alunos visitarem o que quer que seja; as semanas culturais e suas actividades; os projectos desenvolvidos pelos colegas mais "carolas" que logo são alvo de críticas e más-vontades de outros colegas menos "carolas".
Salva-se tudo menos os sindicatos e as suas voltinhas à volta das carreiras dos professores; os ministérios que somos nós todos e nem sequer temos a noção disso; as políticas de "diálogo", palavra esvaziada de qualquer sentido porque é usada em todos os sentidos.
Peço que me desculpem aqueles que ainda acreditam em lutas, em resistências, em começar do zero, em ministras da educação, em aventuras...
Só acredito em cada um de nós, cada professor, cada aluno, cada pai, e em boas vontades que possam construir se se juntarem com boa vontade. Com a condição de não se enredarem nas redes que todos os outros protagonistas nos lançam quando julgamos formar um conjunto que, infelizmente, ainda não soubemos ser.
- Isabel Xavier -
Viva Caro João.
Como o blogue não aceita um comentário com tantos caracteres vai por partes.
Parte I
Viva caro João.
O comentário da Isabel X suscita um conjunto muito importante de reflexões que têm ocupado grande parte da minha produção escrita dos últimos anos, através da publicação de textos no meu blogue e afins. Sinto, por isso, um natural estado de redundância. Mas como o governo é o mesmo, e as políticas também, só nos resta insistir.
Concordo com grande parte da argumentação da Isabel X, nomeadamente com a importância que ela atribui ao ensino e à sala de aula. É mesmo a partir daí que tenho sustentado toda a argumentação em defesa da escola pública, do seu poder democrático e do compromisso com o ensino e com as salas de aula, salientando a necessidade de se derrubar o muro (outro muro e vinte anos depois) de burocracia que asfixia as escolas e a possibilidade do ensino. Não é fácil, bem pelo contrário. Trata-se de derrubar uma indústria que move milhões e que é tentacular. Mas, a exemplo do de Berlim, quem não desistiu e continuou a lutar assistiu ao desmoronar de uma barreira que "era "apenas" uma linha traçada no solo".
Parte II
Nada do que aconteceu nos últimos quatro anos é definitivo; e o que é injusto merece sempre cair. Seja o concurso de titulares – é certo que será difícil ressarcir os professores que fugiram da “loucura” com penalização e isso dói -, com os seus aberrantes critérios, seja o inaplicável modelo de avaliação ou mesmo o modelo de gestão.
Embora estes três diplomas se articulem, centremos a discussão no modelo de gestão e nas varáveis mais polémicas e que podem ser corrigidas.
Nunca defendi a existência de assembleias (agora conselhos gerais e antes conselhos de escola) compostas apenas por professores. Nunca foi assim e concordo com esse princípio. Do que discordo é da trapalhada para escolher o director: um concurso que acaba em eleição para encaixar na desrespeitada lei de bases. O caderno eleitoral é muito reduzido e faz recordar o iraniano "conselho de guardiães". Pode ser alterado. Também não concordo com os requisitos para se ser director que são os mesmo que existiam para se ser presidente de Conselho Executivo: o ter-se um mandato ou mesmo uma qualquer formação na área nada garante: sabemos que as melhores lideranças escolares resultaram de professores comprometidos com o ensino e com as salas de aula; e isso só uma comunidade reconhece. Pode ser alterado.
Parte III
Mais: o actual modelo de avaliação requer titulares para avaliadores: ora o director como avaliador-mor pode não o ser para agradar a muita clientela: trapalhada que até pode ficar como está se caírem os titulares.
Por falar em avaliador-mor, importa referir o seguinte: o modelo de gestão tem um processo de que discordo de selecção do director, e tem, para este, um conjunto de funções inenarráveis e inaplicáveis.
Sabe-se que avaliação de professores é composta por duas componentes: a científico-pedagógica, avaliada pelo coordenador, e a funcional, avaliada pelo director; também se sabe que o modelo prevê avaliar os professores todos nos anos todos. Ora, na componente funcional inscrevem-se autênticos atentados ao bom senso: dois exemplos: compete ao director pontuar e seriar, com quotas e tudo, todos os professores na dimensão ética (pontuar a dimensão ética e cívica de um grupo de indivíduos ?!!!) e na participação em reuniões. É muito grave. Pode ser alterado.
Parte IV
Mais: o director nomeia todas as lideranças intermédias que eram, até aqui, eleitas pelos seus pares. É muito grave também. Sabe-se que este modelo de gestão se inspirou num conjunto de teses que ruíram e que negavam valor ao exercício cooperativo: defendiam que unipessoal era sinónimo de eficácia e de eficiência e que o colegial gerava desperdício e lideranças fracas. Um erro, como se sabe. Sabemos que mais do que os modelos contam as pessoas e há as que lideram bem em qualquer modelo. Mas também se percebe que neste os tiranetes têm mais caminho aberto para o seu despautério. Afinal, foi em democracia que as sociedades mais se desenvolveram. Podemos perguntar assim: quem tem medo da democracia? Ou mesmo: quem tem vergonha da democracia?
Nunca nos devemos esquecer: a ministra da Educação responsável por estas politicas defendeu publicamente que o poder democrático das escolas era dispendioso em termos financeiros e que a lógica subjacente às suas politicas previa uma hierarquia férrea na administração do sistema escolar onde as escolas se integravam numa lógica de repartição pública e em que os directores seriam uns burocratas investido de poderes de chefe de serviços e de repartição.
Isto já vai longo e não vos quero maçar mais.
Isabel X: esta luta é antiga e longa e vivemos apenas mais um episódio; é certo que custa sentir que assistimos nos últimos 4 anos ao maior ataque ao poder democrático da escola e ainda por cima perpetrado pelo partido socialista.
Abraço.
Adenda:
Há, pois, motivos mais do que suficientes para pôr tudo a zeros :)
Isabel: se reparar bem, há uma expressão que nunca usei - começar do zero. Claro que não é possível começar do zero, mas eu não defendi essa tese. A tese que defendi foi esta (repito) e dirigindo-me sempre à nova Ministra.
1. Prioridade à escola versus prioridade aos professores;
2. Prioridade aos sindicatos como interlocutores versus prioridade aos partidos;
3. Prioridade à negociação versus prioridade à mera consulta;
4. Prioridade à apresentação de propostas próprias de revisão do estatuto versus prioridade à audiência seguida de decisão;
5. Prioridade ao por a situação a zeros versus prioridade a salvar tudo o que pode ser salvo:
A opção que advoguei nestes pares de opostos foi sempre a primeira contra a segunda.
Eu disse "começar do zero" influenciada, talvez, pela frase do comentário do Paulo que acabara de ler e que cito: "Concordo que começar do zero seria a melhor opção."
De facto, o João não diz assim.
Escrevi no calor da emoção, um texto mais sentido do que pensado, depois de muito calar sobre o assunto.
Não me posso comparar, é visível e notório, com o Paulo Prudêncio, cujo grau de preparação sobre este assunto é tal que confessa: "Sinto, por isso, um natural estado de redundância."
O Paulo tem vivido tudo isto muito mais intensamente do que eu. Compreendo-o, mas lamento que um homem de boa vontade como é o Paulo, confesse isso logo à partida. Esse estado de alma, digamos assim, parece-me em si mesmo inoperante e pouco capaz de gerar alternativas. Insistir sempre no mesmo por uma questão de coerência, de resistência, não me parece a melhor opção.
Quanto às atitudes que o João propõe no seu comentário, colocadas em alternativa, de modo claro, concordo. Parecem-me ditadas pelo bom senso que, embora se julgue o contrário, é sempre o mais dificil de alcançar. É prova de inteligência. O pôr a situação a zeros neste outro contexto, julgo, tem que ver com evitar acordos mais ou menos ínvios entre o governo e o CDS, que é o que nos aguarda. Aliás, nos seus post, o João tem-se dirigido directamente à ministra.
O que eu quis dizer é que o problema da educação é muito mais profundo, que não se resolve apenas voltando atrás, voltando ao que era antes das decisões do ministério do governo anterior.
Mas deixo o assunto, definitivamente, a outros colegas muito mais habilitados do que eu.
Lembro-me de, numa entrevista a Jorge Luís Borges, tê-lo ouvido dizer quanto admirava a atitude dos japoneses ao ouvirem o outro, quando o ouviam expor um assunto: Primeiro procuravam concordar com ele, tentavam aderir aos seus pontos de vista, tanto quanto possível desprendidos das ideias próprias tidas antes. Só depois de muito bem terem compreendido, por este método, o que o outro dissera, contrapunham argumentos alternativos, comparavam modos de ver e teciam críticas.
Nós, já não nos ouvimos uns aos outros, mesmo quando dizemos concordar com o outro, dizemos outra coisa diferente do que ele disse. Preocupamo-nos mais com a coerência com posições assumidas anteriormente do que com a autenticidade necessária a um começar de novo, seja do zero, ou de qualquer outro algarismo.
- Isabel Xavier -
Viva meus caros.
Obrigado pelas suas palavras Isabel X e peço desculpa pelo meu "começar do zero" em vez do "pôr tudo a zeros". Mas o primeiro comentário foi mesmo a correr.
Isabel X: é injusto, pode crer, que diga: "Compreendo-o, mas lamento que um homem de boa vontade como é o Paulo, confesse isso logo à partida. Esse estado de alma, digamos assim, parece-me em si mesmo inoperante e pouco capaz de gerar alternativas. Insistir sempre no mesmo por uma questão de coerência, de resistência, não me parece a melhor opção."
Partilho, e pratico, pode crer, a versão "japonesa" que referiu. Quem me conhece bem sabe que é assim. Procuro ser coerente mas ouço os outros com atenção e sou muito dedicado na aplicação das ideias que são melhores do que as minhas. E nunca parto do mesmo algarismo.
Quando reconheço a redundância é apenas pela natural saturação de refutar os erros que este governo teimosamente e obstinadamente - e sempre com "populares" alfinetadas a todos os professores - repetiu durante anos a fio. Foi um governo arrogante e foi necessária muita persistência, e uma repetição exaustiva de argumentos, para combater uma maioria absoluta dirigida por um "animal feroz" que desprezava a delicadeza "japonesa" do diálogo e fazia gala disso. Com queria a Isabel X que fizesse? Que desistisse? Que me conformasse? Quem é que hoje não reconhece que os professores tinham razão?
Isabel X, apresentei nos anteriores comentários uma série de alternativas, poderia ficar aqui o resto da noite a produzir raciocínios semelhantes que já me obrigaram a milhares de textos que estão no meu blogue. Como se compreende é duro combater um adversário que não ouve ninguém e depois ser acusado de "inoperante e pouco capaz de gerar alternativas. Insistir sempre no mesmo por uma questão de coerência, de resistência, não me parece a melhor opção."
E com já referi, é uma luta antiga e longa e cá continuarei.
Abraço e obrigado por me lerem.
Caro João Serra
Obrigada por todo o debate construtivo que este post gerou. Para mim conta como conhecimento e estudo de um assunto que nem sempre estive bem esclarecido.
Um abraço
João Ramos Franco
Eu é que a todos agradeço esta participação informada, vinda de quem viveu e vive o tema da crise da escola com particular intensidade e preocupação.
Sem dúvida, este foi um momento alto de debate neste blogue. Obrigado Isabel e Paulo.
Peço sinceras desculpas se de algum modo magoei o Paulo, pessoa que muito estimo, e por quem tenho a maior consideração. Era a última coisa que queria fazer.
- Isabel Xavier -
Viva meus caros.
Francamente Isabel, não tem nada que se desculpar. Os debates são mesmo assim e não fiquei magoado com o que quer que fosse. Gosto muito da troca de ideias e obrigado pelo oportunidade. Leio sempre com muita atenção os seus comentários.
Também, e confesso de novo, preferiria (qual Bartleby) um governo que não encenasse o inamovível disparate que tão penoso tem sido para a escola e para um grande número de professores.
Abraço e obrigado.
uma prestaçao mediocre, vazia e que faz temer o pior.
isabel alçada e' so' involucro.
sou prof.
E não é que afinal vai ser o PSD e não o CDS, como antes se prefigurava, a evitar a "suspensão" da avaliação dos professores?
Tanto faz, desde que o léxico oficial se mantenha.
- Isabel X -
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