O senhor não repare. Demore, que eu conto. A vida da gente nunca tem termo real.
Eu estendi as mãos para tocar naquele corpo, e estremeci, retirando as mãos para trás, incendiável; abaixei meus olhos. E a Mulher estendeu a toalha, recobrindo as partes. Mas aqueles olhos eu beijei, e as faces, a boca.
Adivinhava os cabelos. Cabelos que cortou com tesoura de prata… Cabelos que, no só ser, haviam de dar para abaixo da cintura… E eu não sabia por que nome chamar; eu exclamei me doendo:
— ‘Meu amor!…’
Foi assim. Eu tinha me debruçado na janela, para poder não presenciar o mundo.
João Guimarães Rosa, Grande Sertão Veredas. 1958.
1 comentário:
Confesso-me irremediavelmente rendida e de tal forma e tanto, que sabendo amanhã o fim do mundo me anima o propósito de levar o portátil para o além para que o João (G.R.) possa transcrever o texto no presente. Repare quão belo não soaria aos meus ouvidos: Ela é. (Ah! Eu nem precisaria de mais. Esta frase só, basta!) Tal que assim se desencanta… é uma mulher…. É uma mulher como o sol não acende a água do rio… (Não! O poeta diz que “a vida não basta” – é melhor não dispensar o devaneio literário) :)
Ah! Morta ou viva tanto faria se fosse de mim que se falasse!:)
E ando eu a vociferar (literalmente a “embirrar” com o dito senhor) por conta do termo “Estórias”. Bem diz o outro (P. C: Luft) que o termo só resulta bem no universo da linguagem rosiana. Dá para perceber porquê…
Pronto! Cá deixei uma pegada de rinoceronte na magnífica, encantadora e sublime rota literária que “andou”. Conto, não só com a sua boa vontade, como com o seu espírito natalício, para ser perdoada (sobretudo com o espírito natalício, que nem sei se a boa vontade não se terá já esgotado...).
Fico na expectativa do que lhe falta andar, fazendo votos que não lhe falte o ânimo para caminhar.
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