sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Robinson Crusoe e a olaria


Seria, certamente, motivo digno de riso e, ao mesmo tempo, de lástima, contar ao leitor os meios estranhos de que me vali para preparar o barro; as coisas caprichosas, desengraçadas e feias que fiz; a frequência com que se dividiam em bocados, pois a argila não era bastante firme para resistir ao seu próprio peso, ou então as que estalavam por tê-las exposto com demasiada precipitação aos grandes ardores solares, e as vezes que as minhas vasilhas se quebraram porque as usava antes de estarem completamente secas ou quando já o estavam de mais. Em suma: depois de me ter custado um trabalho infinito encontrar a argila, extraí-la, amassá-la, transportá-la e laborá-la, consegui apenas, após dois meses de trabalho, duas informes massas de barro, a que mal me atrevo a chamar dornas.
Apesar de tudo, estando aquelas duas vasilhas bem endurecidas pelo sol, cheguei a pô-las em pé e colocá-las em duas grandes canastras de vime que lhes tinha preparado para não se partirem, e como enchi com palha de cevada e arroz o espaço vazio que havia entre o cesto e a vasilha, julguei que as duas dornas, conservando-se sempre secas, poderiam servir-me para guardar o grão enxuto, e ainda talvez a farinha quando o pisasse.
Embora tivesse obtido tão mau êxito na confecção das vasilhas grandes, fiz com o maior acerto grande número de pequenas, como tachos, pratos, cântaros e alguidares e todas as coisas que podia construir; o ardor solar dava-lhes uma dureza extraordinária. Mas ainda não havia atingido o meu fim principal, que era possuir uma grande dorna capaz de conter líquidos e de ir ao lume, porque não dispunha de qualquer outro utensílio para este serviço. Algum tempo depois, tendo ateado um grande fogo para preparar a comida, encontrei ao retirar os carvões um pedaço dos meus cacos perfeitamente cozido, tão duro como a pedra, e da cor das telhas. Isto deu-me uma grande satisfação e pensei que as vasilhas poderiam ser cozidas inteiras, já que os pedaços separados tinham saído tão bem cozidos.
Meti-me, assim, a estudar a maneira como poderia dispor o lume para cozer as vasilhas. Não tinha qualquer ideia, nem da construção dos fornos de que se servem os oleiros, nem do verniz com que revestem as suas obras, embora tivesse chumbo para o fazer. Mas formei um montão de grandes cântaros e e três potes, dispondo cinza por baixo, e acendi à sua volta um grande lume de lenha, cujas chamas cobriam o meu vidrado por todos os lados, até que vi as vasilhas adquirirem uma cor vermelho-clara sem se racharem. Mantive esse calor durante cinco ou seis horas, no termo das quais vi uma que, pareceu-me, não estalava mas se derretia, pois a areia que estava misturada com a argila fundia-se com a intensidade do calor e ter-se-ia convertido em vidro se tivesse conservado aquela temperatura. Então abrandei gradualmente o meu lume, até que as vasilhas perderam a cor vermelha, e velei toda a noite para evitar que esfriassem repentinamente. No outro dia de manhãzinha possuía três cântaros muito bons, embora não muito formosos; outros dois potes, tão cozidos como eu queria, e um terceiro, que a fundição de areia tinha coberto de verniz. Não é preciso dizer que depois deste prova fiquei a saber fabricar todas as vasilhas que me pudessem ser úteis; mas devo confessar que não se distinguiam pela forma pois não tinha, na verdade, nenhuma das coisas necessárias para este género de trabalho, e procedia como as crianças que fazem figuras de barro, ou como uma mulher que quer fazer pastéis sem ter aprendido a manusear a massa.
Jamais alegria humana igualou a que senti ao ver que chegara a fabricar uma panela de barro que podia levar ao lume. Quase não tive paciência para esperar que arrefecesse; e assim que tal aconteceu enchi-a de água para cozer a carne, o que obteve um êxito feliz.

Daniel Defoe, As Aventuras de Robinson Crusoe. Lisboa, Leya, 2009. p. 112-114.

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