Ponderado o
inêxito do dia anterior, a sexta-feira dediquei-a conhecer as paisagens
costeiras entre Ponta Delgada e Ribeira Grande. Evitando as zonas montanhosas,
ocultadas pelos bancos de neblina, inclui na rota as Furnas.
A seguir a
Lagoa, Vila Franca do Campo, onde me detive particularmente no porto da
Caloura, em Água de Pau. Tirando partido da configuração das rochas e da guia
da rampa portuária, foi construída uma piscina de mar. Sentados no muro do
largo, uma plateia de homens observava e comentava. Sem legendas, não consegui
perceber o que diziam. O restaurante anunciava tuna, boca-negra e peixe espada,
mas era ainda manifestamente muito cedo para me sentar à mesa. Fiz mal.
Nas Furnas, parei nas margens da Lagoa, antes de entrar na localidade. Havia famílias a iniciar a refeição - o cheiro das carnes e couves cozidas sobrepunha-se no parque de merendas ao do sulfuroso expelido da terra - enquanto outras esperavam a hora prevista para retirar a panela das entranhas da terra.
Nas Furnas, parei nas margens da Lagoa, antes de entrar na localidade. Havia famílias a iniciar a refeição - o cheiro das carnes e couves cozidas sobrepunha-se no parque de merendas ao do sulfuroso expelido da terra - enquanto outras esperavam a hora prevista para retirar a panela das entranhas da terra.
Hoje é dia
de Raul Brandão que viu esta paisagem com espanto, admiração e receio
confessado. " Desço as Pedras do Galego e abre-se diante de mim, entre
contrafortes temerosos, o esplêndido vale das Furnas. É uma bacia rodeada de
montes - o Pico do Bode, a Lagoa Seca, o Pico de Ferro, o Pico do Cavaleiro. No
fundo da cratera casinhas escondidas na verdura e um grande contraste entre os
contrafortes cor de lousa e alguns campinhos de milho muito tenro por onde
apetece passar a mão acariciando-os; entre a bacia cheia de árvores e de água,
com o vulcão canalizado e reduzido a alguns penachos de fumo que saem de muros
redondos de resguardo, e as grandes serras que ele vomitou e produziu. Agora
está ali só para nos dar alguma inquietação - para a volúpia ser maior... Sobre
a crosta que calcamos, e que terá alguns metros de espessura, o inferno
naturalmente continua: basta escavar na terra com a ponta da bengala para abrir
uma chaminé. Este calor e esta humidade constantes explicam os jactos
impetuosos de verdura em massas de prodígio. O que noutros sitos leva séculos a
desenvolver-se faz-se aqui em alguns anos - mas o que noutros sítios dura
séculos acaba aqui num instante, farto de deitar raízes, de atirar pernadas
pelos ares, de se desentranhar em folhas e flores”.
Paro na localidade, procurando onde comer. Já passa das 15 horas, pelo que me decido por um estabelecimento de esquina onde se anunciam hamburguers. Em lugar da bifana que encomendo, surge, meia hora mais tarde, algo que mais parece cartão prensado, seco e de cor duvidosa, que nem à força de sucessivas camadas de mostarda é possível tragar.
Paro na localidade, procurando onde comer. Já passa das 15 horas, pelo que me decido por um estabelecimento de esquina onde se anunciam hamburguers. Em lugar da bifana que encomendo, surge, meia hora mais tarde, algo que mais parece cartão prensado, seco e de cor duvidosa, que nem à força de sucessivas camadas de mostarda é possível tragar.
Seguem-se
no meu périplo da tarde, a localidade de Povoação, Água da Retorta e Faial da
Terra. As estradas, muito cuidadas, rompem túneis de verdura. Aqui e ali, abrem
sobre plataformas verdes onde se acumulam vacas à espera da ordenha. Por vezes,
também, é o mar largo que deixam entrever. A descida até Faial da Terra é
singular, nesta vertigem de paisagens que proporciona. A povoação, como as
anteriores surgida à ilharga de uma levada, desemboca no mar mas não se
debruçou sobre ele: não tem praia nem porto.
Amigo Raul Brandão, como descreveste tu esta viagem há 90 anos?
Amigo Raul Brandão, como descreveste tu esta viagem há 90 anos?
"A
estrada sobe em lancetes entre árvores que lançam raízes nos alicerces da Serra
do Trigo. Plátanos enormes, eucaliptos, acácias. Um vale selvático ao lado, e
defronte um monte e um contraforte a pique. Isto tem o ar de floresta, onde só
se encontra de quando em quando uma serração de madeira, que enche todo o
caminho de cheiro a resina. E à medida que o automóvel segue, redemoinham os fundos
e as matas, modificam-se os vales, deslocam-se os montes cheios de verdura, que passam por mim e desaparecem.
Nem tenho tempo de ver os frescos novelões que revestem os taludes nem aquela garganta apertada que
abre para os fundos. Mal posso fixar um grupo de homens que deita abaixo uma
árvore, uma mulher que passa com o taleigo para a fornada, o movimento
pitoresco do caminho... Paredões alargam-se e estreitam-se no mesmo instante.
Subimos sempre... De repente, por um rasgão descubro o mar azul entre escarpas
verdes. Logo a estrada começa a descer e logo reaparecem as culturas, os campos
de milho, as eiras douradas com a palha debulhada".
Pensei jantar em Ribeira Grande. Peço conselho via IPad e o "Alabote" é o indicado. Ocupa um edifício recente, de arquitectura cuidada, fronteiro ao mar. O serviço é simpático e os preços aceitáveis. Mas o cozinheiro maltrata os peixes e os mariscos, cujo sabor esconde por entre camadas intermináveis de cebola, tomate e pimento.
Pensei jantar em Ribeira Grande. Peço conselho via IPad e o "Alabote" é o indicado. Ocupa um edifício recente, de arquitectura cuidada, fronteiro ao mar. O serviço é simpático e os preços aceitáveis. Mas o cozinheiro maltrata os peixes e os mariscos, cujo sabor esconde por entre camadas intermináveis de cebola, tomate e pimento.
1 comentário:
Não ousamos comentar a prosa de Brandão.
Podemos, apenas, destacar a beleza das imagens, sobretudo daquela, absolutamente despojada, onde se reúnem três das mais nobres matérias de que o planeta se fez e faz: as rochas, a pira de madeiras e o Mar. Mar largo!
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