Na Idade Media, todos os sábados, os escolásticos faziam as Questiones quodlibetales nas quais os alunos colocavam aos mestres questões inverosímeis, às vezes imbecis; por exemplo, Tomás de Aquino respondeu a questões como "Qual deles tem mais poder: o vinho, a mulher ou a verdade? Ou, "Poderá Deus devolver a virgindade a uma rapariga que a perdeu? Mas através destas questões todo o sistema de um mestre era posto em causa.
Frédéric Lambert:
Não me parece assim tão imbecil esta questão...
Umberto Eco:
Não será imbecil, mas é menor. Não lhe passa pela cabeça ir à Sorbonne perguntar: "Senhor Professor, poderá Deus devolver a virgindade a uma jovem pecadora? Pois não?
Frédéric Lambert:
Mas esta questão é colocada hoje nos médias, nomeadamente porque, no Islão, a mulher deve casar em estado de virgindade com o homem. Existem cirurgias que trabalham para reconstruir a virgindade. Trata-se pois de uma verdadeira questão de sociedade. E além disso o cristianismo ocupou-se deste assunto há já bastante tempo..."
Umberto Eco:
Sim, mas o problema de Santo Tomás não era esse: ele dizia que Deus podia reconstruir a integridade do himen por meio de um milagre (e deste modo a questão cirúrgica ficaria resolvida), ou podia perdoar à rapariga, mas não podia fazer com que o que se passou não se tivesse passado. Veja como, através de uma questão marginal é posto em causa o problema do poder máximo de Deus...
L'Experience des Images. Umberto Eco, Marc Augé, Georgs Didi-Huberman. Paris, INS, 2011. p 28.
Frédéric Lambert:
Não me parece assim tão imbecil esta questão...
Umberto Eco:
Não será imbecil, mas é menor. Não lhe passa pela cabeça ir à Sorbonne perguntar: "Senhor Professor, poderá Deus devolver a virgindade a uma jovem pecadora? Pois não?
Frédéric Lambert:
Mas esta questão é colocada hoje nos médias, nomeadamente porque, no Islão, a mulher deve casar em estado de virgindade com o homem. Existem cirurgias que trabalham para reconstruir a virgindade. Trata-se pois de uma verdadeira questão de sociedade. E além disso o cristianismo ocupou-se deste assunto há já bastante tempo..."
Umberto Eco:
Sim, mas o problema de Santo Tomás não era esse: ele dizia que Deus podia reconstruir a integridade do himen por meio de um milagre (e deste modo a questão cirúrgica ficaria resolvida), ou podia perdoar à rapariga, mas não podia fazer com que o que se passou não se tivesse passado. Veja como, através de uma questão marginal é posto em causa o problema do poder máximo de Deus...
L'Experience des Images. Umberto Eco, Marc Augé, Georgs Didi-Huberman. Paris, INS, 2011. p 28.
4 comentários:
Outro dos temas das discussões escolásticas, muito referido na linguagem coloquial, foi qual seria o sexo dos anjos. Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, e da conotação que a expressão ainda hoje mantém, colocar questões como estas é extremamente importante.
É através delas que as coisas são colocadas em causa, discutidas, problematizadas e, por essa via, ou por via de debates assim, é que se descobrem novas asserções e novas hipóteses.
Muito interesante!
- Isabel X -
O que parece fundamental neste diálogo é a revelação de como, afinal, é tímido o alcance do poder divino. Pode operar apenas na dimensão do concreto, no lugar físico, mas não lhe é permitido vencer ou apagar o peso de Crónos.
Até o perdão divino tem limites!
Dialogar é gentileza.
E qual seria, afinal, para lá da argúcia apenas masculina, o ponto de vista da "jovem pecadora" em questão? Qual a matéria das suas reflexões? As debilidades da instância divina? A virgindade perdida e fisicamente irrecuperável? Ou o império da memória, isto é, a sua própria incapacidade de esquecer?
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