sábado, 25 de agosto de 2012

Crónicas micaelenses - 2


Tal como se anunciava na noite anterior, a chuva continuou, persistente, pela manhã dentro. Foi sob uma  cortina cerrada de água que entrei na Universidade, onde Guimarães foi vedeta durante boa parte da manhã.
Uma pequena aberta permitiu todavia percorrer a pé o caminho curto de regresso até ao hotel para adequar o vestuário a uma condição menos formal. Pelas 12 horas dirigi-me de novo à zona portuária, onde me deparei com um grupo ocupado em tarefas de preparação de canas da Índia para a pesca ao anzol. Esta modalidade de artes de pesca impera no arquipélago. Creio, aliás, que a pesca de arrasto está  interdita na zona económica exclusiva dos Açores.

"Nunca vi tantos e tão lindos peixes. Em todo o arquipélago se pesca o rocaz vermelho, sarapintado de escuro com grandes barbatanas delicadas como asas, a magnífica abrótea, de duas qualidades, a negra da costa e a outra mais esverdeada, o albafar, a albacora, o budião, o bonito, o besugo, a bicuda, a boca- negra, o carapau, a cavala, o congro, a dourada, a enxova, o enxaréu, o goraz,  a garoupa, o íris, a mugem, a moreia, o peixe-rei, o pargo, a serra, a sardinha, o sargo, a trombeta, etc."
Pedindo desculpa a Brandão, recusei o apelo implícito nesta enumeração da oferta piscícola acoriana. Perante o insucesso da abrótea frita e dos "chicharros novos" (designação local dos "jaquinzinhos") do jantar da véspera, a opção do almoço, no "Nacional", foi um conservador bife de vaca, frito com uma mancheia de dentes de alhos esmagados. Mas a lembrança de antigos festins de peixe grelhado na Lagoa, conduziu-me em seguida a esta vila. O pequeno porto sofre obras de reforço do pontão, com um novo cordão de basalto. 

Entrei no "Borda d'Água", um restaurante instalado na antiga loja da Fabrica de Cerâmica Vieira, para marcar mesa para Sábado. As nuvens baixas recuaram o bastante para criar a ilusão de uma tarde soalheira. Tomei a nova via rápida em direcção a Ribeira Grande.
A vila pareceu-me decidida a enfrentar a crise da vida urbana de que anotara já significativos sinais em Ponta Delgada (voltarei a este tema). A nova estrada colocou-a a pouco mais de 15 minutos da capital de S. Miguel. Duas ou três obras públicas em curso podem estar a absorver mão de obra. A presença de famílias abastadas de emigrados em veraneio era visível. Na Matriz faziam-se preparativos para os festejos próximos do Sagrado Coração.



A intenção de regresso era tomar a estrada antiga pela Lagoa do Fogo. Tentativa frustrada e opção errada. A neblina chuvosa tomara por completo conta da serra da Água do Pau, adensando-se mais e mais, à medida que eu ganhava os mais de 900 metros de altitude das lombas do vulcão. A subida tornou-se penosa e porventura perigosa, mas não havia alternativa senão prosseguir lentamente e esperar que a descida devolvesse a visibilidade à condução.
Para a história do jantar oficial sentado mas sem lugares marcados, realizado no Teatro Micaelense, antecedido de uma apresentação de folclore da ilha, fica o encontro ocasional com o grupo romeno que assessorava uma presidente de região, um bela e distante mulher que poderia ter um parentesco gitano próximo com Penélope Cruz. 
Diferentemente porém desta ultima, fez questão de me  ignorar gelidamente todo o tempo que partilhamos das nossas vidas.

1 comentário:

S. J. disse...

"Ó Triana saudade (rep 2)
Saudade, ó minha saudadinha"
Foste nada em S. Miguel (rep. 2)
E baptizada achadinha.

"Saudade onde tu fores (rep. 2)
saudade leva-me podendo ser
Que eu quero ir a acabar (rep. 2)
Saudade onde tu foras morrer"

Este cântico tradicional dos Açores, aliás da ilha do Faial, que ouvimos cantar ao Professor Nemésio antes de o ouvirmos interpretado pelo Zeca Afonso, parece-nos adequar-se perfeitamente ao espírito da 2ª crónica micaelense.