quinta-feira, 26 de abril de 2012

Registo

Ermanno Olmi em Guimarães 2012
A liberdade e a história

A inclusão de um ciclo dedicado à obra cinematográfica de Ermanno Olmi na programação de Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura corresponde a uma escolha apontada desde o início do seu exercício de programação pelo respectivo responsável, João Lopes. Congratulamo-nos com o facto de ter sido possível concretizar essa intenção, agradecendo a todos os que a viabilizaram, no quadro das colaborações e parcerias estabelecidas entre Guimarães 2012, a Cinemateca Portuguesa e a Festa do Cinema Italiano.
O ciclo dedicado a Ermanno Olmi deve ser visto como uma homenagem e uma evocação.
Homenagem a uma das obras mais consistentes e estimulantes da cinematografia italiana que se afirmou depois da Segunda Guerra. Evocação dos temas transversais do pensamento político contemporâneo como o desencontro entre a politica e a ética ou entre a liberdade e o Estado, entre a história e o tempo.
Pela filmografia de Olmi perpassa uma dimensão ética que se reivindica dos valores centrais da liberdade e da tolerância. O homem não pode ser amputado do livre arbítrio, não é legítimo às sociedades impor dogmas em nome seja do que for, nem aos Estados violar o princípio da humanidade. Os seus personagens são frequentemente colocados em situação de rebeldia ou resistência às imposições que ignoram ou ameaçam aqueles valores.
Em Il villaggio di cartone (um filme de 2011), um velho padre, jubilado, recusa-se a abandonar a sua igreja, que entretanto é despojada de imagens e alfaias religiosas. Enquanto, inexoráveis, as operações de desafectação ao culto prosseguem, imigrantes negros, em risco de deportação, procuram, clandestinamente no edifício um espaço de acolhimento nocturno e encontram a protecção do pároco. A solidariedade humana, designadamente a dos mais fortes para com os mais fracos, é o valor prevalecente, neste, como noutros dos seus filmes.
O filme desenrola-se não como uma narrativa, mas como um registo de situação. Parece não haver uma história para desfiar e, no entanto, é a própria história que se evoca, a história da Europa, perante o desafio da migração e da multiculturalidade, da demolição e da reconstrução, do lugar do cristianismo e da sua relação com outras religiões.
“Tenho que recordar tudo. Tudo.”- são as palavras proferidas pelo padre, com que se inicia este filme. Neste urgência se resume afinal o propósito de Olmi. Dar voz ao que a não tem, tornar visível o que permanecia ocultado, libertar o tempo do esquecimento. Temas que bem merecem a apropriação de Guimarães no ano em que é Capital Europeia da Cultura. “Um padre a falar alto e sozinho”, exclama o personagem. Sozinho, não, contrapomos nós.

João Serra
Presidente da Fundação Cidade de Guimarães

1 comentário:

Cláudia S. Tomazi disse...

...Olmi perpassa uma dimensão ética que se reivindica dos valores centrais da liberdade...


Ancestralidade - outrora a humanidade perseguira com anseio o sentido do ser livre; no entanto, já livre e do anseio.