“Vi há dias num jornal que estava
para breve o seu casamento com uma senhora de Guimarães” pode ler-se numa carta
de 22 de Outubro de 1896 enviada por Columbano a Raul Brandão. Admitindo que o
casamento de artistas possa ser questionável, o pintor faz votos para que o
amigo “encontre uma mulher que o compreenda, que o admire e que o respeite como
merece”. Os biógrafos do escritor sublinham todos a relação afectuosa e
cúmplice que pautou o casamento entre Raul e Angelina, a vimaranense que, com
apenas 18 anos, o então alferes do Regimento de Infantaria 20, conhecera em Maio
de 1896. Testemunham-na também as imagens fotográficas do casal, as confissões
autobiográficas do autor de Húmus e
elaboração de uma obra em co-autoria, caso raro à época, Portugal Pequenino. E, enfim, atesta-a o que pode apontar-se como o
seu principal efeito: a decisão do casal de estabelecer em Guimarães, na
freguesia da Nespereira, perto do rio Vizela, uma residência permanente.
E assim, o homem do Porto e de
Lisboa, que viajara por toda a Europa, tornou-se, a partir de 1903, e sobretudo
depois de 1911, data em que se reformou do Exército, um homem também de
Guimarães.
Na vida deste escritor que rompeu
com os cânones naturalistas e antecipou, pela liberdade criativa, o registo
inovador da narrativa contemporânea, Guimarães representou o encontro singular
com a terra, com o mundo rural e com o trabalho agrícola. A Casa do Alto foi
refugio literário e a propriedade associada foi fonte de rendimento (“Vindimas.
Um lagar de palmo e meio e vindimas sobre vindimas... É o pão do meu Inverno em
Lisboa” – revela Brandão em carta de 15 de Outubro de 1923 a Teixeira de
Pascoais).
“Fugimos para a aldeia... A nossa
casa fica a meia encosta da colina. Por trás, o mar verde dos pinheiros, em
frente, os montes solitários. Este cantinho rústico criei-o eu palmo a palmo” –
escreve com indisfarçado orgulho Raul Brandão no 2º volume das suas Memórias. “Tudo isto foi pedra e uma
árvore contemporânea da fundação da Monarquia. O carvalho centenário cobria
todo o eido. Era enorme, era prodigioso. No tronco, que nem seis homens podiam
abraçar, tinham os bichos as luras e o seu hálito sentia-se ao longe. Logo que
o vi, fiquei apaixonado. – Vamos
viver juntos, vou envelhecer ao pé de ti. Nós não ouvimos as árvores, mas a sua
alma comunica sempre connosco: a sua força benigna toca-nos e penetra-nos...”
Se a Casa do Alto conserva os
traços da intervenção planeada pelo escritor, fazendo correr um andar novo
sobre uma estrutura antiga de lavrador, pela sua obra literária perpassam os
temas, os atmosferas e as representações que as pedras e as árvores vimaranense
lhe suscitaram.
Foi esse trânsito que Guimarães
2012 pretendeu revisitar, com o concurso de um dos mais prestigiados
realizadores de cinema da nova geração, João Canijo.
“Construi a casa, plantei as
árvores, minei as águas. Absorvi-me. Uma pedra basta, basta-me um tronco
carcomido... Este tipo esgalgado e seco, já ruço, que dorme nas eiras ou sonha
acordado pelos caminhos, sou eu. Sou eu que gesticulo e falo alto sozinho,
envolto na nuvem que me envolve e impregna. Que força me guia e impele até à
morte?” – pergunta Brandão. A vida, evidentemente. Ou a criação, que é a mesma
coisa.
João Serra
Presidente Fundação Cidade de
Guimarães
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