[Conta Kleber ao narrador]
- Fale com franqueza - disse-me ela. O senhor ama-me.
Eu estava a tremer como um poltrão.
- Ouça - tornou Ester - fiz um juramento.
- Qual ? - perguntei em voz baixa.
- Que não amaria ninguém mais. A não ser...
- A não ser?...
- Que aquele vaso de pedestal aparecesse em pedaços um dia, sem ninguém lhe tocar.
- Mas isso é impossível.
[...]
No dia seguinte, tinha eu acabado a consulta quando chegou Kleber.
- Vem acabar-me a história de ontem?
- Venho solicitar a sua presteza de atirador.
- Chegou o teólogo? Desafiou um ministro do altar? Bárbaro! Cruel! Desalmado!
- Qual! Tenho um projecto.
- Aceite este charuto, aqui tem lume, sente-se e conte-me o projecto.
- O alvo do irmão de Ester fica perto da estufa, pois não fica?
- Creio que sim.
- O senhor vai ali exercitar-se muitas vezes, segundo me disse o Álvaro.
- Vou.
- Oiça. Eu levanto um caixilho da estufa...
- Mas é preciso a chave que abre todos esses caixilhos. Talvez não pensasse em tal?
- Tenho-a aqui; roubei-a agora mesmo. posso guardá-la por estes dias. O tempo está chuvoso e frio, de modo que não ventilarão a estufa por agora.
- Então?
- Aberto o caixilho, o senhor fingindo apontar ao alvo, aponta ao vaso da China e...
- O senhor ganha o prémio e o fico a chuchar no dedo.
- Quê? Ama a condessinha?
- Eu amo toda a gente, que diabo...
- Estou esperando a sua resposta...
- Que eu parta aquele vaso da China por que daria tudo? Está louco?
- Olhe para mim. Se o não fizer...
- Dá um tiro no crânio, dá?
- Qual? Fico solteiro toda a vida.
- Bem, essa simplicidade enternece-me. Esteja amanhã aberto o caixilho e a bala esmigalhará o vaso.
Fialho de Almeida, "O Juramento da Condessa Ester", in Aves Migradoras, Lisboa, Clássica Editora, 1921. p. 220-223.
sexta-feira, 27 de abril de 2012
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2 comentários:
Mais uma versão, bem astuta e original aliás, de Cupido!
Será que em algum caso a seta certeira é dispensada ou dispensável?
- Isabel X -
Até a química do amor precisa da ajuda da razão para que seja!
E a razão veste-se de acaso e acontece...
Como tudo é falível!
Já nem os deuses são credíveis!!!
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