O significado que em Guimarães 2012
se atribuiu ao projecto “O ser urbano – caminhos de Nuno Portas” merece ser sublinhado. Comissariada
pelo Professor Nuno Grande, a exposição propõe-se redescobrir os contributos de
Nuno Portas para perceber e intervir na cidade actual.
Da cidade e de cidades se ocupa
Nuno Portas em mais de meio século de vida profissional intensíssima,
conjugando múltiplos saberes e cruzando diversas geografias. Arquitecto de
formação, intelectual cosmopolita por vocação, foi, na sua geração, dos
primeiros a integrar o entendimento de que a cidade é um fenómeno global e de
que ao arquitecto se exige uma visão do território e uma percepção dos seus
componentes e distintos ritmos, necessariamente alimentada pelo conhecimento
interdisciplinar. Num dos seus primeiros estudos, A Cidade como Arquitectura, editado em 1969 com prefácio de
Fernando Távora, Nuno Portas punha em causa o conceito de arquitectura como
elemento fundador da cidade, para preferir o de intervenção arquitectónica, num
território urbano caracterizado pela complexidade, pela fragmentação e pela
incerteza. Ou, dito de outro modo, a arquitectura para Nuno Portas (como diria
mais tarde numa entrevista a Thierry Paquot) só faz sentido com as pessoas e os
respectivos modos de dela fazerem uso.
A presente exposição não é,
consequentemente, a convencional mostra dos trabalhos elaborados num ateliê de
arquitectura. Em primeiro lugar, porque Nuno Portas à actividade de arquitecto,
soma a de urbanista e consultor de planeamento, ao exercício da docência
acrescenta a participação directa na actividade politica, tanto em pastas
governativas como em funções autárquicas. Muito embora da actividade como
arquitecto tenha resultado o desenho de algumas das mais importantes peças da
arquitectura portuguesa contemporânea, o fio que conduz esta exposição é o da
reflexão sobre a cidade e os seus pontos de aplicação, da arquitectura
propriamente dita ao projecto urbano, do urbanismo à politica urbana e
territorial.
Professor de Urbanismo da Faculdade
de Arquitectura do Porto desde 1983, para a qual foi convidado por Fernando
Távora, a rota de Nuno Portas trouxe-o a partir de então até ao Vale do Ave e a
Guimarães, onde precisamente Fernando Távora se ocupava do Plano Geral de
Urbanização, concluído em 1982. Em 1985 coube-lhe apresentar as Normas
Provisórias do Plano Director Municipal de Guimarães, um trabalho iniciado dois
anos antes.
A observação do sistema de ocupação
urbana do território do Vale do Ave propiciou a Nuno Portas a especificação de
aspectos nucleares não só do seu modo de entender a natureza, alcance e limites
do planeamento, como da teorização da evolução da cidade contemporânea, onde
coexistem cidade histórica e compacta, cidade “com modelo”, e cidade difusa e
periferia, cidade “sem modelo”.
O território do Vale do Ave era
identificado por Nuno Portas em 1986 (revista Sociedade e Território nº 5, Novembro de 1986) como um continuo
urbanizado de mais de 250 freguesias e 6 concelhos, incluindo centros urbanos
de pequena e media dimensão, no qual a dispersão da urbanização andava a par de
uma mistura de actividades ao nível mais capilar. Em vez de uma racionalização
operada em nome da “cidade com modelo”, o consultor de planeamento defendia que
“os esforços fossem dirigidos noutro sentido: no sentido do reforço do modelo
instalado e da correcção persistente e participada dos seus desvios e
perversões”. Para ele, a racionalidade só faria sentido se o território não
dispusesse já de uma estrutura física, económica e social instalada. O capital
fixo não se desloca por força de uma decisão politica ou de um plano, não só
porque o período é caracterizado por uma crescente concorrência internacional,
mas também porque a crise do
Estado Providência veio para ficar, advertia.
O urbanismo é, para Nuno Portas, a
cidade que lida com a incerteza e a pluralidade dos actores. Que respeita o
factor tempo e os seus diversos ritmos e os procura integrar sem eliminar
nenhum. Que perscruta as geografias e equaciona as suas variáveis com dimensão
sociológica e antropológica, económica e política.
Fazer cidade é convocar saberes e
levar a regeneração e a revitalização a todo o território do urbano. É
aprofundar o conhecimento sobre a cidade emergente e não a descriminar na
afectação dos recursos. Fazer cidade é conferir ao espaço público uma função
central na politica urbana. É nele que reside a garantia da evolução da cidade.
Manuel de Solà-Morales descreveu
Nuno Portas como o arquitecto que tanto vive “o internacionalismo cosmopolita”,
como “o áspero realismo local”. Um arquitecto que tanto pensa a história como a
politica das cidades – e a política em geral. E a quem interessa mais o
processo do que o resultado, a gestão mais do que o produto. A gestão é
articulação, é negociação, é composição: de interesses e de forças inscritas no
território, de layers, de tempos e de usos da cidade.
João B. Serra
Presidente da Fundação Cidade de
Guimarães
Nota bibliográfica
. Nuno Portas, A Cidade como Arquitectura. 1ª edição, 1969. 2ª edição fac-símile
com posfácio do autor, Lisboa, 2007.
. Thierry Pacqot: “L’Invité - Nuno
Portas”, Urbanisme, Le Magazine
International de l’Architecture et de la ville. Nº 312, Mai-Juin 2000.
. Nuno Portas, Álvaro Domingues,
João Cabral, Politicas urbanas,
Tendências, Estratégias, Oportunidades. Lisboa, Fundação Calouste
Gulbenkian, 2003.
. Nuno Portas, Os Tempos das Formas. I – A
Cidade Feita e Refeita. Prefácio de Manuel de Solà-Morales. Guimarães,
2005.
. Nuno Portas, Arquitectura(s). História e
Critica, Ensino e Profissão. Porto, FAUP, 2005.
. Nuno Portas, Arquitectura(s). Teoria e
Desenho, Investigação e Projecto. Porto, FAUP, 2005.
. Ana Vaz Milheiro e João Afonso (Coord.),
Nuno Portas, Prémio Sir Patrick
Abercrombie, Prize UIA 2005, Lisboa, Ordem dos Arquitectos, 2005.
. Nuno Portas, “Mezzo Secolo di
Architettura e urbanística. Una personale testimonianza.” In Bruno Pelucca, Progetto e Território. La Via Portoghese.
Perugia, 2010.
Sem comentários:
Enviar um comentário