O programa de
Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura desenvolve uma agenda de cidade e preenche
um lugar de cultura. Na rede de percursos que cruzam cidade, cultura e Europa,
o programa sublinha o nó formado por Guimarães.
A singularidade
de uma cidade é irredutível, ao mesmo tempo que remete para todas as cidades.
Como na teoria do holograma, a identidade de uma cidade, não contendo toda a
informação sobre o conjunto de que faz parte, encerra todavia informação
pertinente sobre aquele a cuja escala se situa.
Trata-se de uma
cidade que valoriza o património comum. Produto da história, o património é em
primeiro lugar uma soma: de criações inscritas no tempo, de olhares aplicados
por gerações, de narrativas sucessivamente imaginadas e sobrepostas. O património
comum é o resultado de uma cumplicidade, não só com o passado, mas também com o
futuro. Sem o património comum, a cidade estaria condenada a começar sempre tudo
de novo, a inventar do nada.
Compreender o
legado para poder transformar, dialogar com a diversidade das heranças é a
condição fundamental para assegurar a mudança, a metamorfose, no sentido que
lhe empresta Edgar Morin (a metamorfose é uma transformação que se articula com
a conservação: da vida, da herança cultural).
O património
comum revela, em Guimarães, um impulso regenerador. A cidade combina as
representações do seu papel na construção de uma autonomia política precoce, com
as marcas de uma ocupação, conduzida por unidades de produção industrial e pela
tecnologia, de um território rasgado por cursos de água. Perscrutar esta
história é destacar a incidência dos processos da inovação ao longo dos últimos
dois séculos e sondar o campo das possibilidades do futuro. Se o tempo traz
destruição, é esta que impele a reconstrução, que convoca a inovação.
O património
comum compromete o cidadão e revigora a
cidadania. Porque garante a liberdade de criar, que como se sabe nem
vive no caos nem sobrevive sob o autoritarismo. O sentido da identidade é
pertença e é partilha, e esta só se cumpre plenamente na dimensão do espaço
público, de uso colectivo e democrático.
Guimarães 2012
propõe um programa cultural assente nesta cidade, lida desta forma. Esse
programa não constitui uma nova narrativa, mas um ensaio sobre a narrativa
disponibilizada pela cidade, descobrindo as linhas de que se tece e
submetendo-as à tensão do projecto de criação em contexto, da residência
artística, do confronto das visões e tendências contemporâneas.
A regeneração
das sociedades e das economias supõe uma recomposição do lugar do urbano e do
papel das cidades. É aí que a cultura desempenha essa função de operador que
estabelece conexões que já lhe foi assinalada. Conexões entre espaços e modos
de vida, entre organizações, entre grupos sociais, entre percepções colectivas.
Contra a separação, o isolamento, a fragmentação e, claro, o discurso da fronteira, do medo e do ódio.
O programa
cultural de Guimarães 2012 parte do inventário dos conectores de que a cidade
já se ocupa. Não os substitui, pretende contribuir para o seu reforço, um
sistema onde algumas tarefas exigem um alto nível de especialização e de
recurso tecnológicos adequados e, naturalmente, níveis de intervenção de
proximidade diversificada.
Reserva de
imaginário, a cultura permitirá, nas cidades da escala de Guimarães compreender
mais de perto o património comum e incentivar o seu papel como fonte de
modernidade. Reserva de experiencia de comunicação e de interacção, a cultura
será, nas cidades da escala de Guimarães, um factor essencial de humanização
das sociedades.
João Serra
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