domingo, 26 de dezembro de 2010

Hospitalidade

A hospitalidade que nos interessa e que pode, talvez, permitir a passagem no âmbito do estético, não se circunscreve nem esgota numa política, numa ética, numa lei, num tema ou num conceito. A hospitalidade do Direito e das leis, não lhe sendo estranha, mantém-se heterogénea em relação a esta hospitalidade absoluta e incondicional. Isso não significa que é um apura transcendentalidade, uma categoria ideal que regula e garante as formas concretas da hospitalidade. Não. A hospitalidade sem limites de que fala Derrida é o concretíssimum por excelência: já opera em todos os discurso e em todas as fronteiras onde se dá ou se nega a autorização de passagem ao estrangeiro que chega. Porque é infinita, esta hospitalidade não admite nenhum tipo de demarcação.
[...] A hospitalidade é hospitalidade ao porvir, acolhimento ao que chega porque chega, de modo imprevisto e heterogéneo em relação às estruturas de acolhimento, às expectativas, aos desejos, etc. Daí a relação íntima entre o porvir e a invenção: vinda do porvir, do evento, da aventura. O porvir (l'avenir) desafia a invenção, o acolhimento do outro, porque o que vem supõe que algo ou alguém compareça, venha, e venha pela primeira vez. A invenção supõe uma primeira vez, uma vez sem exemplo. O acontecimento (l'événement) dá-se na eclosão do que vem e do porvir. O acontecimento está sempre a acontecer, gerando uma instabilidade essencial, uma oscilação espacio-temporal infinita e incontrolável. A desconstrução, mais do que fornecer e administrar procedimentos e métodos de leitura e interpretação, expõe-se, na sua força e no seu desejo, a uma experiência impossível, a uma experiência do impossível.

Nuno Higino, Álvaro Siza: Desenhar a Hospitalidade. Matosinhos, Casa da Arquitectura, 2010. p. 10-11

1 comentário:

Isabel X disse...

Muito realista este texto. Estamos "condenados" à hospitalidade, até mesmo tendo em vista a própria sobrevivência.

A permanente actualização, adaptação às contigências que vivemos é uma nova atitude que urge desenvolver em todos e cada um de nós.

A abordagem da questão que neste texto nos é proposta ou revelada é particularmente susceptível de nos entusiasmar à acção: a linguagem serve esse propósito de um modo poético, que é sempre o mais eficaz.

"A hospitalidade é hospitalidade ao porvir, acolhimento ao que chega porque chega (...) O acontecimento está sempre a acontecer (...) A desconstrução, mais do que fornecer e administrar procedimentos e métodos de leitura e interpretação, expõe-se na sua força e no seu desejo, a uma experiência impossível, a uma experiência do impossível."

Inquietante! Belíssimo!

- Isabel X -