Os mitos - e esta é talvez a sua característica essencial - são objectos belos e comoventes. Quando conseguimos compreender a narrativa contida num mito, mesmo tratando-se de um mito originário de uma população de que ignoramos tudo, perdida no fim do Mundo, e cuja experiência quotidiana é radicalmente diferente da nossa, esse mito pode à mesma provocar-nos emoção por intermédio de qualquer coisa que eu não sei como definir, a menos que diga que é a sua beleza.
Ora, o tipo de análise a que me dedico orienta-se precisamente para desvelar, no mito, um objecto de uma essência particular, produzido precisamente pela união operada na narrativa mítica entre o sensível (porquanto o mito acaba sempre por contar uma história) e uma mensagem inteligível que pode tomar a forma de uma equação quase matemática. E, enfim, aquilo a que chamamos o sentimento, a emoção não será sempre isso mesmo? Embora em nós ele seja provocado por uma obra musical ou por um quadro ou por uma escultura, a emoção nasce deste acesso imediato a uma certa inteligibilidade (sem passar pelas vias complicadas do raciocínio), a emoção é esta espécie de murro em cheio que nos inflige a apreensão global de uma configuração sensível. Penso que o mito, o estudo do mito pode ajudar-nos a resolver um dos problemas mais irritantes das Ciências Humanas: o que o Belo? Problema que a filosofia discute há séculos, mas que não parece ter resolvido.
Claude Lévi-Srauss, "L'ethnologue est un bricoleur", Le Nouvel Observateur. nº Hors-série, "Lévi-Strauss par Lévi-Strauss". Novembro-Dezembro de 2009. p. 23.
terça-feira, 14 de dezembro de 2010
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1 comentário:
É curiosa a questão das palavras e do que elas envolvem, do que as envolve a elas.
Ao nível do senso comum fala-se em mito como mentira ou algo de falso em que cremos.
Fernando Pessoa ensina-nos que "o mito é o nada que é tudo."
Quanto mais penso nisso mais concluo que hé algo (terrivelmente significativo) que os mitos contêm e que não pode ser dito de outro modo.
Costumo explicar aos meus alunos que se pode saber do amor e da sua natureza através dos mitos. Então conto-lhes os mitos de Narciso, de Orfeu (e Eurídice) e de Prometeu. Como uma escalada, do amor próprio ao amor pelo outro e ao amor pela humanidade. Sempre mais alto e com riscos elevadíssimos.
Há uma espécie de "verdade" que só os mitos contêm, tal como há mensagens que só por metáforas, por parábolas, por metonímias, ou outros modos similares, se tornam inteligíveis.
É o despertar da emoção, afinal, o que está em causa. Como muito bem diz Claude Lévy-Strauss.
- Isabel X -
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