Personagem gráfica, o Zé Povinho foi sobretudo um comentador da vida nacional. Figura criada pelo desenho, enverga a pele curtida de um eterno esquecido, vítima e bode expiatório dos males nacionais. Resiste mas não se revolta, aceita as imposições que lhe surgem, mais do que injustas, incompreensíveis. Símbolo do atraso, é o contraponto da lógica do Estado a que se sujeita, com surda indignação. No dia a dia do jornalista que se debruça com ironia e sarcasmo sobre os acontecimentos da política e vida mundana lisboeta, o Zé Povinho é um recurso do ilustrador que dele fez uma personagem.
A entronização cerâmica do Zé Povinho criou uma outra projecção da figura. Em primeiro lugar atribuiu-lhe um papel na narrativa nacional. O Zé Povinho será doravante menos uma personagem do que uma categoria social, num país dominantemente rural e analfabeto. Em segundo lugar, tranformou-o em "boneco", inserindo-o na extensa galeria de objectos de oláricos representativos de tipos populares.
O Zé Povinho gráfico confrontava a elite letrada e governante com o outro lado da sociedade e do país. O Zé Povinho a três dimensões foi levado para o interior das habitações, onde encontrou um destino decorativo.
domingo, 13 de junho de 2010
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2 comentários:
Elite letrada e governante?
Nunca tivemos elite letrada e governante reunidas num só.
E como perguntava Isabel X, sempre que leio Eça, vejo o zé povinho nas personagens, mas também no autor.
Por isso gosto de Camilo, o menos parecido com o zé.
E porque nunca nos perguntamos se o Zé povinho afinal está ou sempre esteve no poder?! cem anos dariam para perceber que afinal e talvez sempre lá esteve desde a batalha de alfarrobeira.
Porque será que tão pouco se discute criticamente na comemoração do centenário e se quer por força que comemoremos algo de que nos devessemos orgulhar, em vez de constactarmos que falhámos em cem anos. Se o país é o mesmo que Eça criticava...
Nada exemplifica melhor o zé povinho que nós somos, como o cantar e tocar o hino da maria da fonte nas cerimónias oficiais da república. Hino que canta o que de mais reaccionário temos enquanto povo. A falta de solidariedade cívica (pagamento dos impostos) e os hábitos da saúde pública (revolta contra os enterramentos fora das igrejas). Nunca percebi esse amor da esquerda pela revolta da maria da fonte.
Se alguma coisa de bom se tira da maria da fonte é a capacidade feminina à revolta. Mas não deixa de ser reaccionário.
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