Esta exposição sobre a vida e obra
do arquitecto Fernando Távora assinala um momento de grande importância da
programação de Guimarães 2012.
Esse particular significado prende-se,
em primeiro lugar, com a posição cimeira que Távora preenche na história da arquitectura
portuguesa e na história do ensino da arquitectura. Tanto numa como na outra, a
sua acção representou uma mudança, criando novos paradigmas e estimulando novos
caminhos. Precursor e mestre,
inspirador e protagonista, o seu impulso criador deixou marcas nas cidades e
deu oportunidade a discípulos. Por ele passou, homem de visão e de cultura
invulgares, também a descoberta do fio que levaria a arquitectura portuguesa a
projectar-se, como se projectou, no exterior.
Guimarães 2012 não poderia passar
ao lado deste figura eminente e prestar-lhe a homenagem devida. Para isso
contou desde a primeira hora com o empenho inexcedível do arquitecto Álvaro
Siza Vieira e da Casa da Arquitectura, dirigida pelo arquitecto Carlos
Castanheira. Estou muito grato a ambos, como Presidente da Fundação Cidade de
Guimarães e como programador da área do pensamento da Capital Europeia da
Cultura, onde este projecto foi inicialmente acolhido e desenvolvido. Em ambos
encontrei sempre a força para tornear dificuldades e vencer obstáculos e a
clarividência indispensável para encontrar soluções.
Mas também devo referir que, sem a
colaboração da família de Fernando Távora, designadamente da Senhora D.ª Luísa
Távora, do Arq. Bernardo Távora, e da Dr.a Maria José Távora esta exposição não
teria sido possível. Neste âmbito, é justo destacar o papel facilitador do Dr.
Álvaro Sequeira Pinto.
Uma palavra de agradecimento é
igualmente devida à Fundação Marques da Silva, uma das primeira instituições
com que a Fundação Cidade de Guimarães cooperou no passado e que agora
disponibilizou o vasto acervo à sua guarda para a pesquisa e selecção de
materiais destinados à presente exposição.
Também quero agradecer à Escola de
Arquitectura da Universidade do Minho a forma como desde o principio acolheu e
acarinhou este projecto de execução complexa e exigente. Neste agradecimento
envolvo igualmente as Faculdades de arquitectura das Universidades do Poro e de
Coimbra e a Secção Regional do Norte da Ordem dos Arquitectos.
A presença de Fernando Távora em Guimarães está
atestada em diversos edifícios por si projectados, públicos e particulares, a começar pela sua própria casa, a
casa da Covilhã, e a terminar nesta casa de formação de arquitectos, inserida
no campus vimaranense da Universidade do Minho.
Mas não foi só em edifícios que o
saber e experiência de Távora se desdobrou. Ele foi o grande mentor do projecto
de reabilitação urbana, desenvolvido a partir dos anos 80 do século passado e que
permitiu em 2001 o reconhecimento do centro histórico de Guimarães como
património mundial. Guimarães deve-lhe essa visão, essa construção.
O visitante da cidade, surpreendido
com a qualidade do espaço urbano histórico, a preservação que o torna acolhedor
e amigável, é levado a crer que o que vê hoje sempre foi assim. Ora, as cidades
tem uma história, e esse história é feita de abandono, de descuido, de
destruição, tanto quanto de regeneração, de inovação, de reconstrução. E até,
para utilizar uma expressão de Shumpeter a propósito das crises do capitalismo,
de destruição criativa.
Guimarães ostenta as marcas do
sonho do arquitecto. Eu que o não conheci, dou muitas vezes por mim a procurar
nas ruas, nas casas, nas praças desta cidade o olhar que sobre elas lançou
Fernando Távora antes e durante o longo processo de maturação e execução da
reabilitação do casco histórico da cidade. Se fosse cineasta, proporia a mim
próprio redescobrir os passos e as conjecturas desse sonhador que se deixou
seduzir por uma cidade velha e rude, orgulhosa e sombria, onde como sugeriu Raul
Brandão, as calçadas são desgastadas por cima pelos vivos enquanto os mortos as
percorrem do lado inverso. Uma cidade cuja energia transbordante decerto
contagiou o arquitecto.
Gostaria de ser capaz de
surpreender essa elaboração – desejo e pensamento – de Fernando Távora sobre
Guimarães. Ele não esteve só. Homem de uma cultura superior e invulgar trouxe
para a sua beira, para usar uma expressão de desvelo como alguém me sublinhava
recentemente , além de Raul Brandão, Francisco Martins Sarmento, Alberto
Sampaio, Abel Salazar e Joaquim Novais Teixeira. A modernidade da reflexão, da
análise, da cultura.
Aqui há atrasado – outra expressão
que aprendi a usar aqui no Norte também há pouco tempo – Álvaro Siza fez-me
chegar às mãos um projecto do arquitecto António Meneres sobre arquitecturas populares
no Norte de Portugal. Entre a documentação que me entregou figurava uma
fotografia datada de 22 de Maio de 1966.
Essa seria a imagem inicial do meu
imaginário filme. Nua rua do centro histórico da cidade de prédios com janelas
de guilhotina, sobe um casal em traje domingueiro (e de facto, 22 de Maio nesse
ano calhou a um Domingo). De acordo com a legenda, João Toscano (suponho
tratar-se do arquitecto brasileiro, paulista, discípulo de Niemeyer, nascido em
1933 e recentemente falecido, João Walter Toscano) fotografa o interior de um
dos edifícios. Uma menina de soquettes e sapatos brancos está em primeiro
plano. Não terá mais de três ou quatro anos e aponta inquiridora para qualquer
coisa que não podemos descortinar, mas que esta no campo de visão do fotógrafo,
seu pai.
Numa esquina, observando a cena e o
espaço urbano, está Fernando Távora, de pólo branco e lenço ao pescoço, na
plenitude dos seus 42 anos. Ele é o único que testemunha e como que absorve o
espírito do lugar.
E por aqui me fico, com esta imagem
sugestiva.
2 comentários:
Posso manifestar a minha curiosidade? Qual o destino deste excelente texto? Discurso seu, na inauguração? Simples registo para o blogue? Só não aprecio a informalidade daquele "E por aqui me fico" parece que ficou com a imagem só para si. Gostaria mais de "Deixo-vos..." e sentiria que me oferecia a imagem à contemplação dos sentidos. Perdoe a minha ousadia. Atitude temerária de quem não se enxerga e por isso nem repara que estaria melhor calada... :) Culpa da sua disponibilidade para me aturar as tolices.
Quando eu for mais crescida, quando eu tiver aprendido, com todos os mestres que ainda houver,a melhor ler e escrever, quero saber subir a este patamar.
Quero saber dizer tudo o que penso com esta lúcida simplicidade e tudo o que sinto com a discreta contenção que atravessa, para o lado de cá, o granulado do texto. Simétrico, aliás, do desta extraordinária fotografia.
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