O chá japonês, servido invariavelmente sem leite e sem açúcar, que lhe prejudicariam o aroma, é a bebida mais suavemente agradável que possa oferecer-se ao nosso paladar (não de todos porém, mas um paladar sentimental, um tanto sonhador ... que nisto dos nossos órgãos de sentir há temperamentos, aptidões afectivas, características...). O guyokuró, por exemplo, que é o mais celebrado chá de Uji e de todo o Japão, instila tais subtilezas balsâmicas de sabor, que mais parece um perfume; poderia dizer-se que uma maravilhosa alquimia conseguiu liquefazer os aromas das flores - flores dos jardins, flores silvestres -, transferindo do olfacto ao paladar a impressão do gozo. Assim é o guyokuró; claro está que as palavras não podem traduzir senão por comparação as emoções sentidas; e esta, a do agridoce deliciosíssimo que nos fica nos lábios, persistindo, como na memória persiste uma reminiscência, uma saudade, é incomparável...O chá japonês tem a virtude de mitigar a sede. Assim se explica o hábito dos japoneses não beberem água; mesmo na força dos calores, em pleno Agosto, a chávena de chá, saboreada a goles, lhes dá pleno consolo. Aponta-se-lhe mais outros condões: excita ligeiramente o organismo, combate o cansaço das vigílias, predispõe ao bem-estar, infiltra no cérebro não sei que subtil embriaguez, lúcida todavia, que nos torna mais afectivos às sensações de agrado e mais aptos às elaborações do pensamento.
Wenceslau de Morais, O Culto do Chá. Lisboa, Relógio d'Água, 2008. p. 28-29.
[1ª edição, Kobe, 1905]
1 comentário:
Como apreciadora de chá,fui investigar sobre este, japonês.Encontrei-o com a designação "gyokuro".Não faço ideia se será o mesmo a que o autor faz referência.Um sucedâneo(?) do chá verde,este sim, muito apaladado,agrádável,em qualquer época do ano,sem leite,mas com açúcar.
Quanto ao "guyokuró" e "guyokuróró", aos seus condões,...os japoneses e os portugueses que já o saborearam,lá sabem porquê.
Um agradável post a meio da manhã, a saber a chá!
MV
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