A madrugada de 25 de Abril de 1974. Octávio Quintela, meu colega no Liceu do Padre António Vieira (PAV) e meu vizinho na Rua Mastro Jaime Silva Filho, telefonou-me bem cedo. – “Pode chegar aqui, por favor?” Havia um tom de urgência e perplexidade e algum mistério que me fez saltar de casa quase de imediato. Encontrávamo-nos todas as manhãs, partilhávamos boleias para a escola, mas aquele encontro estava a acontecer cedo demais. À saída do elevador, Octávio disse-me: - “Correm boatos de que há uma revolução em marcha, você sabe alguma coisa disso?” Surpreendido, disse que ignorava. Então, após alguma hesitação, levou-me até à sala onde estava Mário Sottomayor Cardia. Apresentou-nos. Cardia era seu compadre, padrinho do filho. Octávio parecia confundido: - “Ele chegou aqui esta madrugada, dizendo que há uma revolução e que era melhor não passar a noite em casa. Já pensei falar para a mulher (a escritora Luisa Ducla Soares), mas ele impediu-me de o fazer”. Cardia repetiu-me a sua história. E nós ficámos ali, de ouvido na rádio, até que a música, e os apelos e comunicados do Movimentos das Forças Armadas nos convenceram de que alguma coisa de especial se passava e decidimos não ir ao PAV nesse dia.
Nenhum de nós tinha uma boa ideia do que se podia fazer para ajudar os militares que, aliás, recomendavam insistentemente que a população, sobretudo de Lisboa, se abstivesse de ocupar as ruas para não interferir nas manobras militares. O Mário Sottomayor Cardia parecia alheado, incapaz de fazer ou recomendar qualquer acção. De modo que eu me propus fazer uma coisa que me pareceu, na altura, ser uma boa hipótese: efectuar rondas pelos quartéis de Lisboa que conhecia, tomar nota dos movimentos que pudesse observar do exterior, e reportá-los. Como o Octávio ficava em casa com o Cardia, meti-me no Honda 600 branco de matrícula BM-38-13, que era o meu carro, levei comigo a "Osga de Alvalade", uma podengo português pequeno que então viva na Rua Maestro Jaime Silva Filho, e parti para essa missão absolutamente inútil e caricata de que esforçadamente dei conta aos meus interlocutores já a meio da tarde. Não tinha notado nada de verdadeiramente significativo. A segunda missão foi mais interessante, mas já não me lembro quem a sugeriu: juntar-me a um grupo que ia tentar comunicar com os presos políticos de Caxias. Fui isso que fiz a partir das 18 horas.
sábado, 25 de abril de 2009
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1 comentário:
Lá uma boa ideia concordo que foi, pois era de interesse saber como os quartéis de Lisboa estavam a reagir ao Movimento das Forças Armadas, mas foi arriscada…
Conheci pessoalmente o Mário Sottomayor Cardia, ao cimo do Parque Eduardo VII, no dia da entrega dos Manifestos conta a ocupação do Rádio Clube Português e da Rádio Ranascença.
João Ramos Franco
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