- Que
faz no castelo de Vermoim a matéria que te cá mandou, espírito?
- A
matéria que me cá mandou - responderia o eu
com ambições de graça - desde que o amor das cristãs lhe desmiolou a
cavidade craniana, anda em cata de moiras encantadas, no ímpio propósito de
moirisar-se, se alguma o envolver na madeixas negras, destrançadas com pente de
oiro e pérolas. Neste ruim fadário, aquela pobre matéria, onde me acho
transmigrado por efeito de não sei que malfeitorias da minha vida anterior,
vagamundeia por castelos velhos, pardieiros ensilveirados, e toda a espécie de
ruinarias. Eu vou naquele corpo onde me ele leva; porém assim que sinto
latejar-lhe no coração alguma saudade de amigo, aperto com ele, espeto-lhe
painéis de bem tristes memórias em tudo que possa lisonjear-lhe os sentidos
grosseiros, e consigo assim desatar-me da matéria, e avoejar ao amigo, que lhe
deu no coração o rebate da saudade. Por isso aqui estou.
Camilo
Castelo Branco, No Bom Jesus do Monte. 3a edição. Porto, Livraria Chardron,
s/d. p. VIII.
1 comentário:
Sempre presente a ironia, traço mais marcante deste texto. Mesmo quando o assunto é (supostamente?) dramático, como parece ser o caso. Eis Camilo... por isso gosto tanto dele.
- Isabel X -
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