Três
palavras, a primeira das quais para agradecer a presença do Senhor Presidente
da Câmara e dos senhores vereadores, dos senhores membros do Conselho Geral da
Fundação Cidade de Guimarães, dos representantes dos nossos parceiros, dos
senhores convidados, e de todos vós.
Este
é um momento que merece uma especial ênfase, na programação da CEC. Foi
possível com a colaboração de Serralves e quero agradecer à presidência e
direcção desta instituição prestigiada a sua disponibilidade e empenho na
concretização deste projecto.
Uma
palavra muito especial de agradecimento a João Fernandes, curador desta
exposição, a quem aproveito também para felicitar pelas responsabilidades que
vai assumir em breve e que premeia a qualidade e pertinência do seu trabalho e
honra Portugal, designadamente o Portugal que não se deixa encerrar em si
próprio.
A
terceira palavra é para o autor de quem hoje nos orgulhamos de apresentar uma
nova criação, Monsieur Christian Boltanski. Estamos muito honrados também pela
sua presença neste acto formal, bem como pela proximidade com que acompanhou a
montagem da sua obra.
Também
quero agradecer ao Director da Escola de Belas Artes do Porto, Prof. Francisco
Laranjo, a escolha desta ocasião para fazer a entrega da Medalha das Belas
Artes ao artista Christian Boltanski.
Não
vou falar desta criação, pois não é esse o meu encargo e muito menos a minha
competência. Mas permitam-me que evoque, perante esta instalação que nos
interpela tão fundamente, a obra de Raul Brandão.
Não
sei se M. Boltanski conhece o Húmus,
uma espécie de diário escrito em Guimarães, tendo como pano de fundo a cidade e
o tempo da primeira Guerra Mundial. Os paralelismos com esta evocação são tão
fortes, que eu não resisto a ler [numa tradução mais literal que literária].
Aqui não andam só os vivos - andam também
os mortos. A vila é povoada pelos que se agitam numa existência transitória e
baça, e pelos outros que se impõem com se estivessem vivos. Tudo está ligado e
confundido. Sobre as casas há outra edificação, e uma trave ideal que o
caruncho rói une todas as construções vulgares. Sob um grito outro grito, sob
uma pedra outra pedra. Debalde todos os dias repelimos os mortos - todos os
dias os mortos se misturam à nossa vida. E não nos largam.
Eis a vila abjecta, a vila banal onde se
praticam todos os dias as mesmas acções e se repetem todos os dias os mesmos
gestos... Aqui só há um pensamento fundamental: fugir à morte, que é a mais
viva de todas das realidades, que é talvez a única realidade. Protestar, contra
as forças desabaladas, pelo sonho, em espírito ou em pedra, que se erga diante
do Destino e desafie o destino.
O mundo é um grito. Onde encontrar a
harmonia e a calma neste turbilhão infinito e perpétuo, neste movimento atroz?
O mundo é um sonho sem um segundo de paz. A dor gera dor num desespero sem
limites.
Eu não sou nada. Sou um minuto e a
eternidade. Sou os mortos.
Bem sei que isto de ser homem é duma
grande responsabilidade. Tem prós e contras terríveis. Também sei que o que nos
separa dos bichos não é a inteligência. A inteligência é o menos. O que nos
separa dos bichos é o esforço dos vivos e dos mortos, o compromisso de
aceitarmos a mentira como se fosse verdade. O que nos mantém neste inferno é a
arquitectura artificial, é o facto de não nos vermos tal qual somos, baseados numa
convenção que julgamos indestrutível. De não nos vermos a nós e de não os
vermos a eles. Porque o homem por dentro é desconforme. É ele e todos os
mortos. É uma sombra desmedida. Encerra em si a vastidão do universo. Agora
somos fantasmas, somos afinal só fantasmas, e o que construímos não cabe entre
as quatro paredes da matéria.
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