Tendo, portanto, elaborado o projecto de descrever o estado habitual da minha alma na mais estranha situação em que possa alguma vez encontrar-se um mortal, não descobri maneira mais simples e mais segura de realizar esse trabalho do que efectuar um registo fiel dos meus passeios solitários e das reflexões que os preenchem quando dou inteira liberdade aos meus pensamentos e permito que as minhas ideias sigam o seu pendor sem resistência nem embaraços. Essas horas de solidão e meditação são as únicas do dia em que sou plenamente eu mesmo, e em que posso dizer que sou verdadeiramente aquilo que a natureza desejou.
Cedo verifiquei que tinha demorado de mais a pôr em prática esse projecto. A minha imaginação, agora menos viva, já se não inflama como outrora ao contemplar o objecto que a anima, e o delírio de sonhar embriaga-me menos; no que ela agora produz há mais reminiscência do que criação, um morno langor enfraquece todas as minhas faculdades, a vontade de viver vai-se apagando em mim; a minha alma só a custo sai do invólucro decrépito e, sem esperança de atingir o estado a que aspiro porque sinto ter direito a ele, passaria a não existir senão pelas recordações. Assim para me contemplar a mim próprio antes do meu declínio, tenho de voltar atrás pelo menos alguns anos, ao tempo em que, tendo perdido toda a esperança e já não encontrando na terra alimento para o meu coração, me acostumava, pouco a pouco, a alimentá-lo com a sua própria substância e a procurar em mim todo o seu sustento.
Jean-Jacques Rousseau, Os Devaneios do Caminhante Solitário. Lisboa, Livros Cotovia, 1989, p. 17-18.
quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012
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1 comentário:
Honesta é a causa humana
por acto, o mergulho infinito
e cada causa celebrar o acto
a eterna confusão é conflito
haveria do ser humano
celebrar o mergulho infinito
sabedoria em acto de causa
honestidade sem atrito
ser humano o é, ao nascer
sem sabê-lo, o que seria?
atrito, confusão, conflito
honesta é a causa de ser
nascido humano e sabedoria
eis, o acto do ser infinito.
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