Morreu a mais bela mulher do mundo tão bela que não só era assim bela como mais que chamar-lhe marilyn devíamos mas era reservar apenas para ela o seco sóbrio simples nome de mulher Não havia no fundo em todo o mundo outra mulher mas ingeriu demasiados barbitúricos uma noite ao deitar-se quando se sentiu sozinha ou suspeitou que tinha errado a vida ela de quem a vida a bem dizer não era digna e que exibia vida mesmo quando a suprimia Não havia no mundo uma mulher mais bela mas essa mulher um dia dispôs do direito ao uso e ao abuso de ser bela e decidiu de vez não mais o ser nem doravante ser sequer mulher O último dos rostos que mostrou era um rosto de dor um rosto sem regresso mais que rosto mar e toda a confusão e convulsão que nele possa caber e toda a violência e voz que num restrito rosto possa o máximo mar intensamente condensar Tomou todos os tubos que tinha e não tinha e disse à governanta não me acorde amanhã estou cansada e necessito de dormir estou cansada e é preciso eu descansar Nunca ninguém foi tão amado como ela nunca ninguém se viu envolto em semelhante escuridão Era mulher era a mulher mais bela mas não há coisa alguma que fazer se certo dia a mão da solidão é pedra em nosso peito Perto de marilyn havia aqueles comprimidos seriam solução sentiu na mão a mãe estava tão sozinha que pensou que a não amavam que todos afinal a utilizavam que viam por trás dela a mais comum imagem dela a cara o corpo de mulher que urge adjectivar mesmo que seja bela o adjectivo a empregar que em vez de ver o todo se decida dissecar analisar partir multiplicar em partes Toda a mulher que era se sentiu toda sozinha julgou que a não amavam todo o tempo como que parou quis ser até ao fim coisa que mexe coisa viva um segundo bastou foi só estender a mão e então o tempo sim foi coisa que passou
Ruy Belo, Todos os Poemas, Lx, 2000Assírio e Alvim, p.p. 322-323
Quanto beleza e erotismo contidos no simples gesto chegar a si mesma o roupão que veste!... Trágica em seu destino como é próprio da beleza excessiva!
2 comentários:
NA MORTE DE MARILYN
Morreu a mais bela mulher do mundo
tão bela que não só era assim bela
como mais que chamar-lhe marilyn
devíamos mas era reservar apenas para ela
o seco sóbrio simples nome de mulher
Não havia no fundo em todo o mundo outra mulher
mas ingeriu demasiados barbitúricos
uma noite ao deitar-se quando se sentiu sozinha
ou suspeitou que tinha errado a vida
ela de quem a vida a bem dizer não era digna
e que exibia vida mesmo quando a suprimia
Não havia no mundo uma mulher mais bela mas
essa mulher um dia dispôs do direito
ao uso e ao abuso de ser bela
e decidiu de vez não mais o ser
nem doravante ser sequer mulher
O último dos rostos que mostrou era um rosto de dor
um rosto sem regresso mais que rosto mar
e toda a confusão e convulsão que nele possa caber
e toda a violência e voz que num restrito rosto
possa o máximo mar intensamente condensar
Tomou todos os tubos que tinha e não tinha
e disse à governanta não me acorde amanhã
estou cansada e necessito de dormir
estou cansada e é preciso eu descansar
Nunca ninguém foi tão amado como ela
nunca ninguém se viu envolto em semelhante escuridão
Era mulher era a mulher mais bela
mas não há coisa alguma que fazer se certo dia
a mão da solidão é pedra em nosso peito
Perto de marilyn havia aqueles comprimidos
seriam solução sentiu na mão a mãe
estava tão sozinha que pensou que a não amavam
que todos afinal a utilizavam
que viam por trás dela a mais comum imagem dela
a cara o corpo de mulher que urge adjectivar
mesmo que seja bela o adjectivo a empregar que em vez de ver o todo se decida dissecar
analisar partir multiplicar em partes
Toda a mulher que era se sentiu toda sozinha
julgou que a não amavam todo o tempo como que parou
quis ser até ao fim coisa que mexe coisa viva
um segundo bastou foi só estender a mão
e então o tempo sim foi coisa que passou
Ruy Belo, Todos os Poemas, Lx, 2000Assírio e Alvim, p.p. 322-323
Quanto beleza e erotismo contidos no simples gesto chegar a si mesma o roupão que veste!...
Trágica em seu destino como é próprio da beleza excessiva!
- Isabel X -
No resto de gosto
um pouco de pasto
suor do teu rosto
é sorriso tão casto
se por resto de gosto
fosse teu riso preciso
um pouco de casto
seria o riso teu pasto
se fora preciso
de pouco um muito
no resto de rosto
teu pasto é riso
o suor que gosto
do gosto que é casto.
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