Havia caixotes nos corredores e por entre alguns móveis, poucos e dispersos, na sala e nos quartos. A casa de banho e a cozinha eram as únicas divisões que pareciam completas (uma observação mais detalhada revelaria faltas e inconsistências).
Já era tarde e ele queria levantar-se cedo. Tinha de ir a Viseu, onde deveria chegar antes do meio dia. Não se ofereceu para deslocar mesas ou armários, nem para abrir os caixotes. Aparentemente ela só esperava que ele a ajudasse a instalar no quarto um colchão onde pudessem dormir.
Combinara a deslocação a Viseu com um colega, o Pedro. O Pedro partia de Sintra e ele de Lisboa, mas tinham deixado em aberto o ponto de encontro.
Afinal não havia colchão, a cama teria de ser improvisada com cobertores e sacos cama. Ela mostrou-se embaraçada com o facto. Também transparecia na sua atitude alguma timidez ou reserva. Conheciam-se há muito mas não com intimidade.
Se o Pedro vinha de Sintra, ganhariam tempo se tomasse a CREL e se se encontrassem em Vila Franca de Xira. Precisaria ainda de encontrar um sitio de fácil acesso onde pudesse deixar o seu carro. Tanto quanto conhecia a cidade e as dificuldades de nela entrar em horas de ponta, não seria fácil.
Ela procurou no olhar dele aprovação. Ele respondeu com um sorriso ansioso.
O Pedro guiava bem e depressa. Eram conhecidas as suas proezas ao volante. Em contrapartida, deslizava nos compromissos horários. Ajustaria com ele, de manhã, pelo telefone, as horas de partida, tendo em conta o momento de saída de Sintra, os tempos de percurso de Sintra e de Lisboa a Vila Franca, bem como a previsível demora para encontrar aqui um local de estacionamento.
Quando finalmente partiram para Viseu estavam próximos da hora de chegada. Isso levou-o a sugerir que não sendo possível cumprir a agenda, poderiam encolhê-la, saltando por cima do almoço. O Pedro riu, adivinhado o receio dele, e devolveu-lhe a ironia: não te reconheço hoje, sem gravata nem casaco. Que se passou? Pressentindo um terreno de explicações movediço, preferiu alegar cansaço para dormitar durante o trajecto. Não te reconheço, insistiu o Pedro. Não queres conversar?
De facto dormira pouco e queria reviver a historia que o levara àquela casa. Avaliar os seus próprios passos e perceber para onde o conduziriam dali em diante. Alguma coisa de novo principiara ali e tinha de confessar que não estava preparado para antecipar consequências.
Quando chegaram a Viseu, já o Paulo os esperava no Hotel. É melhor comerem qualquer coisa antes de começarmos a reunião, propôs. Foi nessa altura que se lembrou que não tinha comido nada naquela manhã. O Paulo estava a tomar café no bar, e eles dirigiam-se ao restaurante. Tinham acabado de se sentar, quando o Paulo irrompeu na sala com veemência. Venham ver. Uma das torres de Manhatten foi abalroada por uma avião. É incrível.
domingo, 11 de setembro de 2011
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3 comentários:
É muito interessante este texto. Bem mais do que pode parecer à primeira leitura (vista).
Vai sempre ntercalando de modo muito bem conseguido a descrição das circunstâncias invulgares do protagonista, com a das várias situações envolventes de que ele também faz parte, para culminar com o conhecimento da catástrofe geral que a todos envolve: 11 de Setembro.
Vários níveis de acontecimentos, um denominador comum: quem os viveu deste modo. Singular e colectivo em contraponto. Muito bem.
- Isabel X -
Manhattan, meu querido João!
E já lá vão 10 anos! Onde pára a ficção e começa realidade? Onde é que a memória se distingue da imaginação? A esta distância, os factos relatados não passam de palavras, só palavras, nada mais que palavras. E. F.
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