Incumbi-me desta tarefa de apresentar António Mega Ferreira, e vou fazê-lo em dois registos: formal um, informal o outro.
O António nasceu em 1949 (temos exactamente a mesma idade) e, como muitos intelectuais da sua geração, a sua história de vida responde a três apelos simultâneos e que teimaram e teimam em se cruzar: o da participação cívica, o da gestão cultural e o da actividade intelectual propriamente dita.
No âmbito da gestão cultural, o projecto mais marcante do seu curriculum foi certamente a Expo 98, pela repercussão interna e internacional que o evento teve. António Mega Ferreira chefiou a candidatura de Lisboa à Expo’98, foi comissário executivo da Exposição Mundial e membro do respectivo conselho de administração. De 1999 a 2002 foi presidente do conselho de administração da Parque Expo, encarregada de gerir o pós-exposição.
Coordenou, planeou e teve papel destacado em outros grandes projectos culturais. Desde Janeiro de 2006, preside à Fundação do Centro Cultural de Belém. Antes, dirigiu a representação portuguesa à Feira do Livro de Frankfurt de 1997, em que Portugal foi país tema. Foi membro do Executivo da Comissão para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses (1988/1992), no âmbito da qual fundou a revista Oceanos (1990). Foi presidente do conselho de administração do Oceanário de Lisboa entre 1994 e 2000.
Comissariou as exposições “Viagem ao século XX” (CCB, 1998) e “Os Dias de Pascoaes” (Amarante, 2002) e dirigiu o “Festival dos Cem Dias” (CCB, 1998).
Foi consultor do “Fórum Universal das Culturas”/Barcelona 2004, entre 2002 e 2004. Coordenou ainda um estudo sobre a produção e circulação do livro português nos PALOP e no Brasil, encomendado pela Fundação Calouste Gulbenkian (2004/2005), e publicado em 2007.
No sector privado, a sua intervenção mais conhecida foi à frente do Círculo de Leitores (1986-1988), a que trouxe um notável dinamismo editorial e projecção cultural. Aqui fundou e dirigiu a revista Ler.
Liderou outros projectos mais próximos do jornalismo, como o do 2º canal da RTP, de que foi um dos rostos da informação e cuja redacção chefiou nos anos 80. Foi também chefe de redacção, de 1983 a 1985, do semanário literário JL-jornal de letras, artes e ideias.
Foi no jornalismo que começou a sua actividade profissional e o exercício da escrita. De 1975 a 1986, passou pelo Jornal Novo, Expresso e O Jornal e, em seguida, pelos que acima referi. Teve colaboração regular, como cronista e comentador no Diário de Notícias (1986/88), O Independente (1988/90), Expresso (1990/92), Público (1998/2000) e Visão (2002/2007). É actualmente colaborador do jornal Diário de Notícias e da revista Egoísta.
Como escritor, publicou mais de duas dezenas de livros, de ficção, poesia e ensaio, onde se reflecte não apenas a agilidade do ficcionista, a vivência cosmopolita do intelectual e a perspicácia e segurança do observador experimentado do mundo e dos homens. Em 2002, recebeu o Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco, pela recolha A Expressão dos Afectos. Último título publicado: Papéis de jornal, crónicas, em 2011.
Deixei para o fim alguns apontamentos sobre a actividade cívica e politica de António Mega Ferreira. Não a conheço profundamente, mas tenho-me encontrado do mesmo lado da intervenção ou da manifestação de solidariedade e esse momentos posso testemunhar. É o que farei.
Independente, António Mega Ferreira tem tomado posição em defesa dos valores que integram o património da social-democracia e da esquerda em geral. Temo-lo visto com frequência apoiar as propostas eleitorais do Partido Socialista e o seu nome foi por diversas vezes citado como possível candidato do PS à Câmara de Lisboa.
Recuando um pouco no tempo, lembro-me de me ter encontrado com o António numa cerimónia de posse de Presidentes dos Conselhos Gerais do Hospitais, um cargo não remunerado previsto na legislação de governo dos Hospitais promovida pelo Ministro Correia de Campos em 2000. Se não erro, ele aceitou então Presidir ao Conselho do Hospital da Estefânia de Lisboa.
Mas permitam-me que recue ainda mais, ao distante ano de 1974, sem dúvida o ano que mais marcou as nossas vidas, um tempo em que tudo nos pareceu possível. Tínhamos 25 anos.
Professor do secundário, em Lisboa, participei activamente no processo de transformação das escolas e do quotidiano escolar, a que professores e alunos, espontaneamente, deitaram ombros logo a seguir ao 25 de Abril. A nossa agenda não conhecia limites: queríamos mudar a organização e a gestão escolar, impor a co-educação onde ela não existisse, alterar os programas e os métodos pedagógicos, inventar uma nova relação professor-aluno, introduzir novas áreas de formação, rever os modelos de ocupação e distribuição dos espaços escolares, lançar as bases de um sindicalismo docente autónomo e atento à função da escola.
O Liceu do Padre António Vieira, onde me encontrava desde 1971, era uma escola de criação recente, masculina, situado no Bairro de Alvalade, frequentada pelo segmento mais recente das classes médias que os anos 60 e setenta tinham estimulado. O PAV foi ao longo dos meses de Maio, Junho e Julho palco de uma espécie de movida que alimentada professores e estudantes totalmente empenhados em descobrir o caminho para uma escola aberta ao meio, à sociedade, à reflexão cultural e politica.
A 17 de Julho de 1974, tomava posse o 2º Governo Provisório, Governo em que a pasta da Educação foi entregue a uma figura de excepcional craveira científica, o Professor Doutor Vitorino Magalhães Godinho, o qual convidou para a Secretaria de Estado da Orientação Pedagógica o Prof. Rui Grácio, uma figura iminente da pedagogia, autor de estudos inspiradores sobre filosofia e metodologia.
Sob o égide destes dois membros do Governo, o Ministério da Educação e da Cultura iniciou o movimento reformador que a situação politica exigia, reflectindo ao mesmo tempo o que na base do sistema a mudança espontânea e livre ia gerando. O prof. Mário Dionísio, outra figura impar da docência e da cultura, foi encarregado de coordenar uma equipa que procedesse à revisão dos programas do ensino secundário, que como se recordarão, se dividia em técnico e liceal.
Foi extraordinária a obra deste Governo. Havia que preparar o novo ano lectivo perante um quadro de exigências e expectativas incomensurável. Durou pouco este Governo – creio que até finais de Setembro de 1974 – mas o ritmo de trabalho que se impôs nesses três meses incompletos foi estonteante.
Ao fim das tardes daqueles meses de Verão, duas ou três vezes por semana, eu deslocava-se até ao edifício da 5 de Outubro, tomava o elevador, sem que o porteiro de serviço parecesse grandemente interessado na minha presença, e dirigia-me ao gabinete do secretário de Estado para trocar impressões sobre a situação das escolas e as intenções do governo. O chefe de gabinete de Rui Grácio era António Reis – hoje professor jubilado de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, meu colega na Faculdade de Letras em 1968-1970, e meu amigo desde essa altura.
Foi numa dessas visitas que encontrei o António Mega Ferreira. Ou melhor, reencontrei, porque tínhamos frequentado ambos o 1º ano do curso de Direito, em 1966/67, aquele ano que ficou famoso porque dele fizeram igualmente parte o Marcelo Rebelo de Sousa e o Carlos Cáceres Monteiro, o José Pacheco Pereira e a Leonor Beleza, o João Soares e o Jorge Braga de Macedo, entre muitos outros que se distinguiram pelo seu percurso intelectual e profissional.
O António Mega Ferreira estava no gabinete do Ministro, não sei como assessor se numa posição de chefia. Somei pois ao destinatário inicial das minhas informações e opiniões mais este.
Um dia o António pediu-me que fizesse parte de um grupo de trabalho que revisse os programas e organizasse uns Textos de Apoio de Organização Politica e Administrativa da Nação e de Vida Politica, cadeiras curriculares do ensino liceal e do ensino técnico, respectivamente. Recordo-me bem da composição desse grupo, a cujas reuniões o António Mega Ferreira presidia: o Carmo Ferreira, Professor de Filosofia da Faculdade de Letras, o António Barreto, sociólogo recém-chegado de Genève e membro do GIS, o António Reis, militar recentemente desmobilizado e chefe de gabinete de um secretario de Estado. Mário Sottomayor Cardia enviou um esboço de programas, fortemente tributário de um manual de Sociologia Política da autoria de Maurice Duverger, mas não tomou parte nas reuniões. De todos estes, só eu tinha alguma prática de ensino e só eu leccionara efectivamente uma dessas cadeira – a famosa OPAN.
Foi esta a única altura em que trabalhei com o António. Recordo aqui este episódio sem outro significado que o de lembrar um aspecto esquecido da actividade politica de Mega Ferreira, num tempo cujo resgate memorialístico não tem tido grande êxito, e onde a capacidade para formar equipas heterogéneas e imprimir ritmo e conjugação de trabalhos se revelou no então jovem jornalista temporariamente emprestado a um gabinete ministerial.
Guimarães, 6 de Julho de 2011
quinta-feira, 7 de julho de 2011
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