domingo, 31 de julho de 2011

"Que farei quando tudo arde?"

Desarrezoado amor dentro em meu peito,
tem guerra com a razão. Amor, que jaz
i já de muitos dias, manda e faz
tudo o que quer, a torto e a direito.


Não espera razões, tudo é despeito,
tudo soberba e força; faz e desfaz,
sem respeito nenhum; e quando em paz
cuidais que sois, então tudo é desfeito.


D’outra parte, a Razão tempos espia,
espia ocasiões de tarde em tarde,
que ajunta o tempo; enfim vem o seu dia:


Então não tem lugar certo onde aguarde
Amor; trata treições, que não confia
nem dos seus. Que farei quando tudo arde?

Sá de Miranda: Poesia e Teatro. Selecção, Introdução e Notas de Silvério Augusto Benedito. Lisboa, Ulisseia, 1989. p. 160.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Na edição do "Sol" de hoje

Guimarães 2012: 'Agora não se pode falhar' por Alexandra Ho 

João Serra foi nomeado na quinta-feira presidente da Fundação Guimarães 2012 e, ao SOL, adiantou a urgência em recuperar o entusiasmo da população vimaranense. Reconstruir com a maior brevidade o Conselho de Administração da Fundação Cidade de Guimarães (FCG) e recuperar o apoio da população vimaranense são os dois grandes objectivos de João Serra, o novo presidente da Capital Europeia da Cultura 2012.
O administrador foi nomeado pelo edil de Guimarães, António Magalhães, depois de Cristina Azevedo ter abandonado o cargo há uma semana, em divergência com a autarquia. Em declarações ao SOL, João Serra não se quis alongar em comentários sobre como vai ser a sua actuação à frente da Fundação, mas explicou que aceitou o convite depois de sentir a «confiança» depositada em si pelo secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas, e por António Magalhães. «Além da urgência em reconstituir o Conselho de Administração, é preciso recuperar o entusiasmo da população local no projecto», afirmou João Serra, acrescentando que agora, a cinco meses e meio do evento, «não se pode falhar». A nova equipa deverá estar reunida dentro de uma semana e um dos nomes mais falados é Carlos Martins, antigo director de projecto que se demitiu em Maio, alegadamente por problemas com Cristina Azevedo. João Serra está na organização da Guimarães 2012 desde o início e era o ‘número dois’ de Cristina Azevedo. Como administrador foi responsável pela coordenação entre o órgão executivo e os programadores, assumindo ainda um papel importante na área do Pensamento (cujo programador é o escritor Mário Vargas Llosa). Esta é, aliás, uma das razões para ter sido escolhido na substituição de Cristina Azevedo, esperando-se que a transição seja rápida e pouco conturbada. Pelo menos é essa a crença de António Magalhães, que, no final da reunião camarária de ontem, justificou a nomeação com a «necessidade de continuar a aplicar os critérios seguidos até agora pela Fundação no que toca ao trabalho no terreno». Episódios desgastantes Desde Julho de 2009, altura em que foi criada a FCG, sucederam-se as polémicas em torno da organização, a ponto do antigo Presidente da República Jorge Sampaio, actual presidente do Conselho Geral da FCG, ter vindo a público dizer que o evento «estava a ficar marcado por episódios desgastantes».
A primeira crítica, em Outubro de 2010, foi o salário volumoso de Cristina Azevedo, que durante um ano ganhou 14 mil euros brutos por mês, valor entretanto reduzido para 10 mil (o mesmo que João Serra vai auferir), depois de muita contestação. A revolta dos populares foi de tal maneira ostensiva que apareceram, espalhadas por Guimarães, caricaturas de Cristina Azevedo a meter a mão ao bolso. A seguir, a administração foi acusada, em Janeiro, de não comunicar com os agentes culturais locais, que se queixavam de não estarem representados na programação. Em Abril, Cristina Azevedo admitiu o problema e prometeu resolvê-lo. Um mês depois, o director de projecto Carlos Martins demitiu-se da administração. A ‘gota de água’ acabou por acontecer há duas semanas, quando António Magalhães retirou a confiança política a Cristina Azevedo. De acordo com o autarca, os atrasos na assinatura de protocolos e os contínuos problemas de comunicação ditaram o divórcio. O desfecho de Cristina Azevedo na organização da Guimarães 2012 foi conhecido há uma semana, e ontem assinou-se o acordo de indemnização. Até 2015 (quando terminaria o seu contrato), Azevedo receberá cerca de 100 euros por mês, valor equivalente à diferença entre o que ganhava na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (onde estava antes de ir para a FCG) e o novo vencimento. 

PERFIL: O professor calmo e sereno
João Serra, de 62 anos, foi chefe da Casa Civil de Jorge Sampaio entre 2004 e 2006, os dois últimos anos de mandato do ex-Presidente da República. Apesar do curto período no cargo, o agora presidente da FCG acompanhou os meses conturbados que se seguiram à saída de Durão Barroso do Governo e à dissolução do Executivo de Santana Lopes. A sua actuação neste período é recordada por João Gabriel, antigo assessor para a Comunicação Social de Sampaio, como «calma e serena». «Nunca o vi perder o controlo, ou exceder-se no tom das palavras. Quem o conheceu antes de Belém garante que sempre assim foi. Sempre falou baixo e sempre foi ouvido», escreve no livro ‘A Década de Sampaio em Belém’. Entre o staff de Sampaio era tratado como «o professor», devido ao seu extenso currículo na carreira docente. Licenciado em História, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, começou a dar aulas no ensino secundário aos 22 anos e teve como alunos, entre outros, Pedro Santana Lopes, Francisco Louçã e Carmona Rodrigues. Aos 30, João Serra ocupou um cargo de docência no Departamento de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde leccionou durante cinco anos. Seguiu-se a carreira de investiga- dor no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, na área de História Política e Social. O ingresso na política aconteceu em 1991 quando Sampaio assinou a sua ficha de inscrição no Partido Socialista. Cinco anos depois, iniciou funções na Presidência da República como consultor da Casa Civil do chefe de Estado. Um ano mais tarde, passou a assessor e, em 2004, assumiu a chefia da Casa Civil.
alexandra.ho@sol.pt

quinta-feira, 28 de julho de 2011

As sardinhas de Peniche

Almoço com António José Correia, Presidente da Câmara de Peniche. Ordem de trabalhos gastronómica previamente combinada: sardinhas no Mira Mar. Concordamos ambos que a sardinha de Peniche prevalece sobre as outras e que o Mira Mar tem um dos melhores assadores de sardinhas da região. As sardinhas desembarcadas pelas traineiras que operam a partir do porto de Peniche apresentam uma textura e dimensão média que fazem delas as mais saborosas de Portugal. Mas a arte de as tratar e trazer à mesa não deve ser menosprezada. Em Matosinhos, por exemplo, as sardinhas são servidas em travessas grandes, rodeadas de batatas cozidas e salada e cobertas de cebolas às rodelas. É sem dúvida um péssimo costume. Os acompanhamentos comprimem as sardinhas, não as deixam respirar e apõem-lhe outros gostos e molhos. Em Peniche, cada um dos acompanhamentos vem à mesa em recipientes próprios, de forma que não há contaminação nem adulteração dos sabores específicos antes da degustação.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Fita horária

07h45 – partida de Guimarães
12h00 – reunião no Palácio da Ajuda
13h00 – almoço de trabalho
14h30 – partida para as Caldas
16h00 – consulta médica
19h00 – reunião com os alunos de Gestão de Projecto II (mestrado de Gestão Cultural)
20h30 – jantar com professores e alunos do mesmo mestrado

terça-feira, 26 de julho de 2011

À janela de Adolph Menze

Adolph Menzel (German, 1815–1905), The Artist's Bedroom in Ritterstrasse, 1847

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Espírito do lugar

Quando há mais de uma década visitei Castelo Velho, em Freixo de Numão, a Susana estava a construir a sua hipótese intepretativa sobre o lugar. Verificada a inaplicabilidade a Castelo Velho da hipótese da "povoação fortificada", a arqueóloga enveredara por um outro caminho: ponto de encontro e de unidade das tribos dispersas por uma uma região extensa e acidentada.
O que ontem pude observar em Castelo Velho é o resultado desse trabalho paciente de reinterpretação, a partir dos vestígios encontrados e da leitura do território. Infelizmente, o centro interpretativo, inspirado na arquitectura dos observatórios de floresta, estava fechado e com alguns sinais de vandalismo. A passagem do tempo esborratou as legendas do circuito, desincentivando a sua consulta. Mas o lugar está lá, na sua imponência e na sua relação estratégica com a geografia envolvente, os sinais do trabalho humano são visíveis e, mais do que isso, o esforço de construção de um instrumento unificador chega até nós, 5 mil anos depois. De construção de identidade, fala Susana Oliveira Jorge. Este processo complexo que uma elite conduziu certamente com dor e sofrimento, tem ali algumas respostas.
Obrigado, Susana.









sábado, 23 de julho de 2011

O Museu do Côa

Mais do que um tributo à arte rupestre e ao "vale encantado" do Côa, o novo museu começa por prestar tributo à ... arquitectura. Essa que, para muitos, será a sua principal qualificação, arrisca-se a ser o seu principal defeito. A exaltação da arquitectura determinou a escolha do local de implantação e condicionou a museografia - que parece banal, face aos compromissos arquitectónicos.
A cidade de Foz Côa pode queixar-se que a localização excêntrica do museu, a transferência dos serviços do Parque para o novo edifício, que vai dispor de cafetaria e restaurante, não se repercutiu, tanto com seria de esperar, no desenvolvimento do tecido urbano.
Resta saber se as articulações entre Administração Central e Local, para lá do estritamente indispensável, tem pautado a concepção e realização deste projecto cultural. Das duas vezes anteriores que visitei o Parque Arqueológico fiquei com dúvidas sobre essas articulações.
O conceito de "Parque Radical" tal como o defini então parece não ter sido reequacionado e, nessa medida, o actual museu confirma-o.
Este museu vira as costas á história, e isso foi o que mais me chocou. Para quem se recorda ainda bem do longo processo político que conduziu ao abandono da construção da barragem, do aturado processo científico que conduziu à validação internacional da singularidade das gravuras rupestres descobertas em 1994, e participou directamente no processo que conduziu à consagração pela Unesco desse património, não há nenhuma justificação para apagar da museografia os traços deste esforço, da controvérsia que lhe esteve associada e do envolvimento de pessoas e instituições as mais diversas.
O pequeno filme, sem legendas nem som, que é exibido a meio do percurso da visita, feito de um recorte de jornal, duas ou três aberturas de telejornal e outras tantas fotografias quase ininteligíveis, com que se alude a uma questão com a que teve na opinião pública a das gravuras do Côa, não tem - pasme-se - mais de um minuto.



Bruiço

O Bruiço, em Vila Nova de Foz Côa (à saida para a Guarda, ainda na 102) é um tributo a uma cozinha enxuta, que tira todo o partido da qualidade dos produtos, da confecção sóbria com um traço discreto de inovação, do serviço atento.
A salada, onde avultava o tomate coração, de sabor inconfundível, trazia, a par da alface tradicional, as beldroegas - um bom começo.
O acompanhamento de legumes, construído em torno do botelhó (uma espécie de abóbora) - uma revelação!
O outro acompanhamento - arroz de feijão (aliando o feijão encarnado e o manteiga) - irresistível.
O cabrito grelhado, no ponto tanto de tempero como de carvão - excelente. As batatas que repartiam o espaço da travessa, cortada em rodelas grossas, igualmente grelhadas e temperadas com azeite: óptimas.
O vinho, aconselhado por um dos proprietários (Reserva 2008 de Valle Nídio) - imperdível.
Fecha aos Domingos ao Jantar e às Segundas.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

À janela de Johan Christian Dahl

Johan Christian Dahl (Norwegian, 1788–1857), View of Pillnitz Castle, 1823

quinta-feira, 21 de julho de 2011

"Derrota pairante"

21 de Julho de 1970
Ontem já houve ensaio do Requiem no Teatro de S. Carlos, com a orquestra da Emissora e o Coro de S. Carlos.
- De quem é o Requiem? - perguntei eu ao Júlio Salgado que foi quem me deu a notícia do ensaio
 - De Frederico de Freitas, segundo creio. Pelo menos, na outra vez que o Salazar esteve a morrer, o Requiem era dele. Teve um trabalhão para nada. E não resistiu a fazer caricatura: 
- O Frederico - coitado! - andava ansioso na Brasileira à espera que o Salazar morresse.
É mentira, claro. Pois o Salgado acrescentou logo, a deitar água na fervura:
- E para não parecer mal, de vez em quando dizia: "Ainda bem, ainda bem que se salvou!"
A má língua habitual. 

 José Gomes Ferreira, Dias Comuns IX. Derrota Pairante (Lisboa, 1 de Fevereiro de 1970 a 20 de Setembro de 1970).
In José Gomes Ferreira: Música, Minha Antiga Companheira Desde os Ouvidos da Infância. Antologia. Porto, Campo das Letras, 2003, p. 177-178.

 Nota: Oliveira Salazar morreu a 27 de Julho de 1970.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

À janela de Christoffer Wilhelm Eckersberg

Christoffer Wilhelm Eckersberg (Danish, 1783–1853), The Artist's Two Daughters, 1852

Nota:
Por indicação de Ana de Carvalho.
Quadros reunidos na Exposição do Metropolitan Museum,"Rooms with a View: The Open Window in the 19th Century"
Vide aqui.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Aos meus amigos que tanto sofrem para encolher

Plombières, 20 de Agosto de 1987 
Meu querido Prado
Ainda bem que o seu bilhete, para me livrar da inquietação, me trouxe, ao mesmo tempo a notícia da doença – e da convalescença. Meu amigo! a criatura nunca deve alterar, por modos violentos e bruscos, as proporções que lhe deu o Criador. Quem por motivos fisiológicos, estéticos ou sociais deseje encolher - que o faça por regime discreto, vagaroso, e como que respeitoso do seu próprio ser... Mas saltar para um expresso, correr a uma source (e na Boémia!), para, à força de águas ingurgitadas, se desembaraçar à pressa, em 15 dias, duma numerosa parte da sua substância – é quase um acto contra a Moral. A Natureza, assim violentada, batida por uma vil fonte da Boémia, não perdoa, e sorrateiramente atira logo a facada de vingança, no baço, na garganta ou na virilha. Sempre o precavi contra essa Marienbad ... Antes tivesse V. vindo para Plombières. Estas águas também curam a obesidade: o hotel, com seu regime, convida, força quase à abstinência; a monotonia ambiente seca a fibra; a necessidade de entre montanhas, subir sempre, trepar sempre, desgasta e derreta as banhas mais depressa: - e estou certo que, a esta hora, V. aqui rivalizaria em elegância franzina com o pinheiro das alturas. Eu, por exemplo, verifiquei hoje ter perdido um quilo. Em quê, Santo Deus? Não tenho feito, que eu saiba, dispêndio inútil nenhum da minha substância. Nem arte, nem namoro, nem ambição, nem redemoinho social, nenhuma destas forças absorventes se apossou de mim para me chupar ... e todavia lá vai o meu quilo! Atribuo talvez esta perda ao desespero que me tem dado a banalidade do único livro que tenho lido, por não possuir outro, uma certa Roma e Império dum certo Thomaz. Felizmente para me consolar deste atroz Thomaz, tem estado aqui o Domício. Como veio a Plombières também se plombieriza. Mas esse, não sei como, ganhou um quilo. É decerto o meu. E aqui está a lealdade dum amigo! 
[...]
Carta de Eça de Queirós a Eduardo Prado. Datada de Plombières, 20 de Agosto de 1897. In Beatriz Berrini, Brasil e Portugal: a Geração de 70. Porto, Campo das Letras, 2003. p. 145.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

À janela de John Singer Sargent

John Singer Sargent, Venetian Onion Seller. Ca 1880/82

domingo, 17 de julho de 2011

Felicidade dos campos: há 120 anos!

Também fiz, com a Benedita, uma excursão ao Minho e Douro, que eu não via há muitos anos. Esta nossa terra é sem dúvida a obra-prima do grande paisagista que está nos Céus. Que beleza! E tudo toma o doce estilo da Écloga. Tudo canta. Cantam, trabalhando, cavadores e ceifeiras, até canta o caro de bois, o velho carro do Latium, levando o mato pelas azinhagas!... O pior são as camas, nas hospedarias. Mas em compensação que maravilhosas caçoilas de arroz, e que divinos anhos pascais assados no forno! Não posso compreender como este é um país falido. Em toda a parte onde estive não vi um palmo de chão onde se pudesse assentar o pé sem perigo de esmagar uma semente. As flores silvestres, não tendo já onde florir, procuram refúgio nos telhados. A terra toda parece prenhe de pão. E no ar tudo é vinha e azeitona em flor... com mil bombas! Isto parece uma epístola de desembargador do século XVIII, cantando em verso, solto e grave, a felicidade dos campos

Carta de Eça de Queirós a Eduardo Prado. Datada de Porto, 29 de Maio de 1892. In Beatriz Berrini, Brasil e Portugal: a Geração de 70. Porto, Campo das Letras, 2003. P. 136

sábado, 16 de julho de 2011

“We are what we share!”

Fui-me despedir do Diogo Vasconcelos, à Igreja da Lapa. Houve quem pusesse nas paredes dois ou três painéis com recordações do familiar e amigo. A frase com que encimou o seu blogue lá estava, de fronte da urna: “we are what we share!”. O Diogo acreditava neste lema. Praticava-o. Nós somos o que partilhamos. Há menos de um ano, veio até Guimarães. Trazia um livro para me oferecer – uma biografia de Engels! – e uma imensidão de ideias para o futuro. Jantamos um peixe ao sal, no Parque da Cidade. Passamos em revista um módico de politica e um módico de economia. A conversa entre nós sempre correu cristalina e fluida. Conheci-o em 1996, no Porto, era então dirigente da Associação de Jovens Empresários, mas foi enquanto impulsionador e responsável pela UMIC (Unidade de Missão para a Inovação e Conhecimento) no Governo Durão Barroso que melhor o conheci. Acompanhei de perto a formação da equipa e a instalação da UMIC e bem assim a definição das linhas de acção. Organizei, a benefício do PR, encontros em Belém para informação sobre os projectos em curso e os resultados esperados. Uma sólida confiança mútua se estabeleceu entre nós. Sempre que, aos fins de semana, descobríamos que ambos poderíamos estar pelo Porto, marcávamos encontro a meio da manhã, na Praia da Luz, com passagem por sua casa, ali bem perto.
Diogo Vasconcelos tinha intimidade com as novas tecnologias mas recusava-se a reduzir a inovação à inovação tecnológica. A inovação ou é social ou não é, repetiu-me naquele jantar a que fiz referencia no Verão do ano passado. As novas tecnologias e a internet não eram o caminho para a democracia directa, mas um instrumento para um governo mais responsável e aberto e uma democracia representativa mais participada e cidadã.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Maria José Nogueira Pinto

De Maria José Nogueira Pinto recordo a inteligência e a sensibilidade, a acuidade e o empenho, a delicadeza do trato e capacidade de entrega a projectos em que reconhecia interesse público. Como tive o privilegio de contactar de perto com ela e de me achar implicado na concretização - bem ou mal sucedida, pouco importa - de alguns desses projectos, posso testemunhar essa disponibilidade de fazer equipa que para mim sobreleva todos as restantes qualificações de cariz político. É por isso que não me deterei nem por um momento nessa exaltação das convicções de direita, que para mim aliás surgem mais como um efeito de narrativa do que um condicionante da acção.
No essencial, os nossos inúmeros encontros e conversas, em Lisboa e em A-dos-Negros, foram suscitados por temas caldenses - políticos, culturais. Depois de ter sido vencida por Paulo Portas no Congresso de Braga de 1998, Maria José declarou-se apenas disponível para integrar as listas do CDS nas Caldas da Rainha, e foi assim que veio a integrar a Assembleia Municipal das Caldas, na sequencia das eleições autárquicas de 2001. Um dos temas que suscitou a nossa mútua troca de informações e perspectivas, nessa altura, foi a situação do Centro Hospitalar das Caldas da Rainha e os projectos que então se enfrentavam sobre a sua evolução futura. Mas o tema mais recente do nosso envolvimento mútuo foi o da Faianças Artísticas Bordalo Pinheiro, com sobrevivência ameaçada desde o Verão de 2008. Sabendo do meu interesse pela questão, Maria José Nogueira Pinto pediu-me conselho e mediação junto de diversas entidades e personalidades intervenientes ou pelo menos influentes no processo de transição. Pouca gente saberá, mas Maria José Nogueira Pinto foi o rosto e o motor de um grupo que entrou na corrida pela aquisição da Bordalo Pinheiro, acreditando que se tratava de uma empresa viável e emblemática das Caldas e do Pais que merecia ser preservada. Foi outra a opção prevalecente, junto do Governo e dos investidores institucionais, mas é de toda a justiça referir agora o empenho e convicção postos por Maria José Nogueira Pinto numa solução empresarial que garantisse a continuidade de um valor simbólico de primeiro plano para a cultura portuguesa.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Memórias: António Mega Ferreira (1974)

Incumbi-me desta tarefa de apresentar António Mega Ferreira, e vou fazê-lo em dois registos: formal um, informal o outro. O António nasceu em 1949 (temos exactamente a mesma idade) e, como muitos intelectuais da sua geração, a sua história de vida responde a três apelos simultâneos e que teimaram e teimam em se cruzar: o da participação cívica, o da gestão cultural e o da actividade intelectual propriamente dita. No âmbito da gestão cultural, o projecto mais marcante do seu curriculum foi certamente a Expo 98, pela repercussão interna e internacional que o evento teve. António Mega Ferreira chefiou a candidatura de Lisboa à Expo’98, foi comissário executivo da Exposição Mundial e membro do respectivo conselho de administração. De 1999 a 2002 foi presidente do conselho de administração da Parque Expo, encarregada de gerir o pós-exposição. Coordenou, planeou e teve papel destacado em outros grandes projectos culturais. Desde Janeiro de 2006, preside à Fundação do Centro Cultural de Belém. Antes, dirigiu a representação portuguesa à Feira do Livro de Frankfurt de 1997, em que Portugal foi país tema. Foi membro do Executivo da Comissão para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses (1988/1992), no âmbito da qual fundou a revista Oceanos (1990). Foi presidente do conselho de administração do Oceanário de Lisboa entre 1994 e 2000. Comissariou as exposições “Viagem ao século XX” (CCB, 1998) e “Os Dias de Pascoaes” (Amarante, 2002) e dirigiu o “Festival dos Cem Dias” (CCB, 1998). Foi consultor do “Fórum Universal das Culturas”/Barcelona 2004, entre 2002 e 2004. Coordenou ainda um estudo sobre a produção e circulação do livro português nos PALOP e no Brasil, encomendado pela Fundação Calouste Gulbenkian (2004/2005), e publicado em 2007.
No sector privado, a sua intervenção mais conhecida foi à frente do Círculo de Leitores (1986-1988), a que trouxe um notável dinamismo editorial e projecção cultural. Aqui fundou e dirigiu a revista Ler. Liderou outros projectos mais próximos do jornalismo, como o do 2º canal da RTP, de que foi um dos rostos da informação e cuja redacção chefiou nos anos 80. Foi também chefe de redacção, de 1983 a 1985, do semanário literário JL-jornal de letras, artes e ideias. Foi no jornalismo que começou a sua actividade profissional e o exercício da escrita. De 1975 a 1986, passou pelo Jornal Novo, Expresso e O Jornal e, em seguida, pelos que acima referi. Teve colaboração regular, como cronista e comentador no Diário de Notícias (1986/88), O Independente (1988/90), Expresso (1990/92), Público (1998/2000) e Visão (2002/2007). É actualmente colaborador do jornal Diário de Notícias e da revista Egoísta. Como escritor, publicou mais de duas dezenas de livros, de ficção, poesia e ensaio, onde se reflecte não apenas a agilidade do ficcionista, a vivência cosmopolita do intelectual e a perspicácia e segurança do observador experimentado do mundo e dos homens. Em 2002, recebeu o Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco, pela recolha A Expressão dos Afectos. Último título publicado: Papéis de jornal, crónicas, em 2011. Deixei para o fim alguns apontamentos sobre a actividade cívica e politica de António Mega Ferreira. Não a conheço profundamente, mas tenho-me encontrado do mesmo lado da intervenção ou da manifestação de solidariedade e esse momentos posso testemunhar. É o que farei. Independente, António Mega Ferreira tem tomado posição em defesa dos valores que integram o património da social-democracia e da esquerda em geral. Temo-lo visto com frequência apoiar as propostas eleitorais do Partido Socialista e o seu nome foi por diversas vezes citado como possível candidato do PS à Câmara de Lisboa.
Recuando um pouco no tempo, lembro-me de me ter encontrado com o António numa cerimónia de posse de Presidentes dos Conselhos Gerais do Hospitais, um cargo não remunerado previsto na legislação de governo dos Hospitais promovida pelo Ministro Correia de Campos em 2000. Se não erro, ele aceitou então Presidir ao Conselho do Hospital da Estefânia de Lisboa. Mas permitam-me que recue ainda mais, ao distante ano de 1974, sem dúvida o ano que mais marcou as nossas vidas, um tempo em que tudo nos pareceu possível. Tínhamos 25 anos. Professor do secundário, em Lisboa, participei activamente no processo de transformação das escolas e do quotidiano escolar, a que professores e alunos, espontaneamente, deitaram ombros logo a seguir ao 25 de Abril. A nossa agenda não conhecia limites: queríamos mudar a organização e a gestão escolar, impor a co-educação onde ela não existisse, alterar os programas e os métodos pedagógicos, inventar uma nova relação professor-aluno, introduzir novas áreas de formação, rever os modelos de ocupação e distribuição dos espaços escolares, lançar as bases de um sindicalismo docente autónomo e atento à função da escola. O Liceu do Padre António Vieira, onde me encontrava desde 1971, era uma escola de criação recente, masculina, situado no Bairro de Alvalade, frequentada pelo segmento mais recente das classes médias que os anos 60 e setenta tinham estimulado. O PAV foi ao longo dos meses de Maio, Junho e Julho palco de uma espécie de movida que alimentada professores e estudantes totalmente empenhados em descobrir o caminho para uma escola aberta ao meio, à sociedade, à reflexão cultural e politica. A 17 de Julho de 1974, tomava posse o 2º Governo Provisório, Governo em que a pasta da Educação foi entregue a uma figura de excepcional craveira científica, o Professor Doutor Vitorino Magalhães Godinho, o qual convidou para a Secretaria de Estado da Orientação Pedagógica o Prof. Rui Grácio, uma figura iminente da pedagogia, autor de estudos inspiradores sobre filosofia e metodologia. Sob o égide destes dois membros do Governo, o Ministério da Educação e da Cultura iniciou o movimento reformador que a situação politica exigia, reflectindo ao mesmo tempo o que na base do sistema a mudança espontânea e livre ia gerando. O prof. Mário Dionísio, outra figura impar da docência e da cultura, foi encarregado de coordenar uma equipa que procedesse à revisão dos programas do ensino secundário, que como se recordarão, se dividia em técnico e liceal. Foi extraordinária a obra deste Governo. Havia que preparar o novo ano lectivo perante um quadro de exigências e expectativas incomensurável. Durou pouco este Governo – creio que até finais de Setembro de 1974 – mas o ritmo de trabalho que se impôs nesses três meses incompletos foi estonteante. Ao fim das tardes daqueles meses de Verão, duas ou três vezes por semana, eu deslocava-se até ao edifício da 5 de Outubro, tomava o elevador, sem que o porteiro de serviço parecesse grandemente interessado na minha presença, e dirigia-me ao gabinete do secretário de Estado para trocar impressões sobre a situação das escolas e as intenções do governo. O chefe de gabinete de Rui Grácio era António Reis – hoje professor jubilado de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, meu colega na Faculdade de Letras em 1968-1970, e meu amigo desde essa altura. Foi numa dessas visitas que encontrei o António Mega Ferreira. Ou melhor, reencontrei, porque tínhamos frequentado ambos o 1º ano do curso de Direito, em 1966/67, aquele ano que ficou famoso porque dele fizeram igualmente parte o Marcelo Rebelo de Sousa e o Carlos Cáceres Monteiro, o José Pacheco Pereira e a Leonor Beleza, o João Soares e o Jorge Braga de Macedo, entre muitos outros que se distinguiram pelo seu percurso intelectual e profissional. O António Mega Ferreira estava no gabinete do Ministro, não sei como assessor se numa posição de chefia. Somei pois ao destinatário inicial das minhas informações e opiniões mais este. Um dia o António pediu-me que fizesse parte de um grupo de trabalho que revisse os programas e organizasse uns Textos de Apoio de Organização Politica e Administrativa da Nação e de Vida Politica, cadeiras curriculares do ensino liceal e do ensino técnico, respectivamente. Recordo-me bem da composição desse grupo, a cujas reuniões o António Mega Ferreira presidia: o Carmo Ferreira, Professor de Filosofia da Faculdade de Letras, o António Barreto, sociólogo recém-chegado de Genève e membro do GIS, o António Reis, militar recentemente desmobilizado e chefe de gabinete de um secretario de Estado. Mário Sottomayor Cardia enviou um esboço de programas, fortemente tributário de um manual de Sociologia Política da autoria de Maurice Duverger, mas não tomou parte nas reuniões. De todos estes, só eu tinha alguma prática de ensino e só eu leccionara efectivamente uma dessas cadeira – a famosa OPAN. Foi esta a única altura em que trabalhei com o António. Recordo aqui este episódio sem outro significado que o de lembrar um aspecto esquecido da actividade politica de Mega Ferreira, num tempo cujo resgate memorialístico não tem tido grande êxito, e onde a capacidade para formar equipas heterogéneas e imprimir ritmo e conjugação de trabalhos se revelou no então jovem jornalista temporariamente emprestado a um gabinete ministerial.

 Guimarães, 6 de Julho de 2011

terça-feira, 5 de julho de 2011

À janela de Fernand Léger

Fernand Léger, The Bridge, 1923

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Equívocos e enganos

A renuncia de Nobre explicada pelo próprio: "É com alguma tristeza que me afasto das funções de recém-eleito deputado, mas estou certo e ciente de que serei, como já referi, mais útil aos portugueses, a Portugal e ao mundo na acção cívica e humanitária que constitui a minha marca identitária".

Mensagem do dia

Caros amigos, Não tenho procuração do Prof. Doutor Luis Salgado de Matos, mas não posso deixar de vos recomendar este link: "o economista português".
Espero que os aspectos idiosincráticos não vos suscitem excessiva atenção. O texto merece toda aquela de que ainda disponham para reflectir sobre a situação da economia portuguesa. João Serra