Antónia de Sousa - Também não é fácil a sua relação com o Porto?
Eugénio de Andrade - Nenhuma relação profunda é fácil. A cidade é triste, escura, barulhenta. com nevoeiros que a tornam húmida, viscosa. Pior ainda: aqui arrancam-se as árvores como se fossem ervas daninhas. Em frente da minha casa havia uma de ramagens vigorosas que me entravam pela varanda. Os pássaros, o que temos mais próximo dos anjos, ali estavam de manhã cedo, a lembrar-me que, na minha poesia, os melhores versos lhes pertenciam. Arrancaram-na, e arrancaram outra ao lado, e outras mais adiante. A Câmara mandou arranjar os espaços para se arrumarem mais carros. Como ao lado, e em frente, e mais abaixo, há oficinas de reparação de automóveis, é frequente ver à porta veículos transformados em sucata. A estética camarária tem destas preferências. Senhor presidente: sou um cidadão que paga pontualmente os seus impostos: tenho direito a uma árvore em frente da minha porta em vez de um monte de lixo. Reclamo da Câmara, para me reconciliar com a cidade, uma árvore. E não quero uma árvore qualquer: exijo um jacarandá. Para que a sua flor me anuncie perpetuamente o verão.
Eugénio de Andrade, Poesia e Prosa. 2º vol. 4ª edição. Lisboa, O Jornal, 1990.
1 comentário:
Devia ser proibido cortar árvores. Então uma árvore à porta de um poeta... é imperdoável!
Quem terá passado a lembrar-lhe a quem pertenciam os seus melhores versos? Só a recordação dos pássaros. Nunca a sucata acumulada.
Os poetas é que deveriam ser consultados para o planeamento das cidades. Haveria uma árvore à porta de cada morador. E à porta dos poetas jacarandás sempre floridos, com as flores anunciando perpetuamente o Verão.
Já agora, e a japoneira do "seu" jardim, João? É à sua porta? Vê-se da sua janela? Como chama "seu" ao jardim...
- Isabel X -
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