A varanda para D. Henriqueta, não obstante a aversão que votava ao
mundo, constituía uma poltrona no vasto salão que era a vizinhança
bisbilhotando sobre a rua, de janela para janela, de sacada para sacada. A rua,
que corria em baixo, não era rua; o hábito atupira-a, convertendo-a numa
espécie de alcatifa, destas alcatifas preciosas que estão nas salas apenas para
vista e seria malcriadez trilhar. Achei esta interpretação para a rua, e a inocênciadas velhas donas de Almacave comoveu-me. E devia ser assim, porque a vizinhança sentia-se cabalmente em assembleia, e tanto mais deleitosa que não exigia chinó às velhas, nem toucado trabalhoso às donzelas, nem charão com chá e bolos, o que traz sempre a desordem na família de província.
Nisto, a pragmática da boa gente era simples corno os cordéis do palco
antigo. Uma a assomar à janela, tossindo em falso, ou regateando, com
artificiosa acrimónia, o preço da molhada ao homem da carqueja, e logo as
outras a acorrer. Baixavam as cores ternas da tarde e, entretanto, a cidade e o
mundo ali decorriam, no deslize manso e real das figuras que ornam o vero
mapa de Marco Polo.
Aquilino Ribeiro, A Via Sinuosa, 1918.
domingo, 8 de janeiro de 2012
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